LUZ ESPÍRITA
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Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

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Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia - Página 3 Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2019 9:43 am

A mulher estava alterada pelo ódio, de maneira que as veias do seu pescoço denunciavam grande agitação.
Quase que fui tomado pelo desespero, pois a influência do mal era demais, naquele ambiente.
Os outros filhos correram para os vizinhos, pois não quiseram interferir na briga do casal, por conhecerem a violência dos pais.
Eu tentava, às vezes, fazer uma oração, mas perdia a sequência da prece.
Tive um pouco de medo; parecia que a minha fé era pouca para sustentara serenidade, como fazia Paulo de Tarso diante dos fariseus ignorantes.
Senti o quanto eu estava longe dos discípulos de Jesus .. .
Foi um teste difícil para mim.
O garoto se mostrava confiante porque eu era padre e, achava ele, todos me respeitavam.
Aquilo que eu vestia era uma batina, mas nem sempre vale o quanto aparenta.
Não tirei os meus pensamentos de Maria e de Cristo e puxei conversa com o dono da casa, nestes termos:
— Como vai, meu senhor?
Eu estou aqui, não para interferir nos acordos familiares.
Eu ia passando e senti sede.
Por favor, dá-me um copo d'água, em nome de Deus.
(O menino me dissera que não falasse que foi ele quem me chamara).
O homem, sem responder, olhou para a mulher com os cabelos em desalinho, e ela, com gestos bruscos, penetrou um cómodo da casa, voltou com a água que derramava pela borda do copo.
Levei-a à boca, desconfiado, e notei que o sabor correspondia ao ambiente: era uma água de guerra.
Ela não me fez bem, mas tive de tomá-la toda, porque pedi.
Naquele instante, a mulher sentindo-se segura com a minha presença, começou a desfiar todo o currículo do homenzarrão, e este, como se tivesse labaredas nas ventas, sacou uma arma e desferiu, diante de mim, dois tiros na direcção da companheira.
Esta, com esperteza felina, saltou de lado antes que as balas atingissem seu peito, e as moedas de Satanás pegaram em cheio uma figura do Cristo, mostrando o seu coração em alto relevo, como sendo resto do Calvário.
Uma bala atingiu em cheio o coração da figura do Mestre e começou a escorrer um líquido vermelho, como se fosse o verdadeiro sangue do Nosso Senhor.
O homem, quando viu aquilo, avançou para junto da estampa, ajoelhou-se, chorando tanto que os soluços não o deixavam falar.
A sua consciência lhe dizia que aquele era o sangue de Cristo.
A mulher, apavorada, também começou a tremer.
E eu, entre os dois, suava.
Um mal-estar percorria todo o meu corpo.
Estava no palco de uma tragédia, parecendo um artista que desconhece o espectáculo de que faz parte.
0 povo se ajuntara de maneira assustadora, querendo saber quem morrera e quem matou quem.
Felizmente, a imprensa não chegava ali e não existia a televisão nessa época.
Os vizinhos invadiram a casa, assistindo ao choro do homem e às emoções da mulher.
O menino agarrou-se na minha batina e segredou algo em meu ouvido:
— Padre, o senhor me perdoe!
Aquela figura do coração magoado, como minha mãe o chama é muito velha, e aquela saliência que temem forma de um coração está furada pelo lado de trás.
Eu coloquei ali um vidro de tinta vermelha, que meu amiguinho me deu, porque a mãe dele não queria que ele escrevesse com tinta dessa cor.
Será que foi pecado, seu padre?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2019 9:44 am

O senhor pode me perdoar?
Eu senti um alívio no coração, que havia acelerado bastante, e falei ao garoto com tudo que tinha de bom dentro do meu peito, se é que eu tinha alguma coisa que servisse:
— Olha, meu filho, tu salvaste tua mãe.
Fica calado; deixa que teu pai pense que era mesmo o sangue do Mestre!
Entra para o quarto e vai rezar o que souberes, vai!
Depois que consolei o dono da casa, com plena aceitação por parte dele e de sua esposa, tive uma ideia e disse com energia:
— Meu filho, essa figura do Cristo não pode ficar mais em tua casa.
Ela vai para a igreja, para que não aconteçam coisas piores em teu lar!
Ele, no estado emotivo do fenómeno, aquiesceu.
Enrolei o quadro num pano que a senhora me arranjou, despedi-me e fui embora, deixando todos os acontecimentos no ar.
Passados alguns anos, fiquei sabendo que naquela casa nunca mais houve discussões, que o casal passou a se respeitar mutuamente e que ele deixou o vício da bebida.
Quando tive essa notícia, ajoelhei-me onde estava, sem acanhamento diante de quem passava, e fiz sentida prece a Deus, agradecendo o que fez por mim e por aqueles dois irmãos que estavam à beira de um desastre.
Abri os olhos, vendo em torno de mim alguns padres que também não gostavam muito dos meus jeitos.
Mesmo assim, tomado de grande alegria, falei sem peias na língua:
— Jesus é tão grande, que até o Seu sangue simulado faz milagres!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2019 9:44 am

24 - ONDE ESTIVERES
Não delimites o ambiente da tua religião para que possas praticar a caridade.
Ela é muito grande e não pode ficar presa em um só sistema de educação dos sentimentos.
Caridade é força A universal, capaz de iluminar o mundo e de libertar todas as criaturas divinas.
Quando já despertamos para o amor, sentimos uma força que nos inspira, a nos aconselhar meios diversos de auto-educação.
Podemos chamá-la de Cristo Invisível, que não falta para quem abriu os olhos, para quem deseja caminhar, para aquele obreiro que encontra no bem comum a sua grande alegria de viver.
Essa força de Deus selecciona nossos sentimentos, apura a nossa razão e eleva a nossa dignidade, de modo a vermos e conhecermos em todos, os mesmos sentimentos de fraternidade.
A Caridade, quando faz parte da consciência da criatura, nivela todas elas, como força livre em uma liberdade progressiva, que sustenta todas as vidas.
A Caridade, é Deus Se manifestando nos caminhos dos homens de bem.
A Caridade é Cristo harmonizando os nossos corações.
A Caridade são os anjos cantando o hino da felicidade, pelo trabalho que carece de mãos laboriosas.
Onde estiveres, procura entender a mensagem da vida, e faz reflectir o amor em todas as direcções.
Isso não custa dinheiro, nem exige que tenhas diplomas de sabedoria da Terra; não pede posições sociais, e não escolhe raças nem credos.
Faz do lugar em que estiveres, a tua casa, o teu lugar de trabalho e de lazer.
Não agites a tua mente por não estares no lugar em que desejavas.
Deus te chamou para onde te encontras.
Alguns exercícios dessa conscientização mostrar-te-ão essa realidade, e o conforto invadirá o teu íntimo.
Eis os princípios do bem-estar imperturbável!
O homem do futuro será um cidadão universal, que sentirá nos semelhantes as mesmas necessidades suas; que amará ao próximo como a si mesmo; que somente terá uma família — a família de Deus, aquela apontada por Cristo, quando Sua Mãe se preocupou em buscá-Lo em meio aos doutores da lei.
Onde estiveres, sê alegre, despertando alegria nos que te cercam, e comportando-te como companheiro que respeita os direitos dos outros, qual fossem os teus.
Onde estiveres, compreende as necessidades humanas, e se elas forem contrárias ao modo que escolheste para viver, fala pelos lábios do exemplo, tudo aquilo que aprendeste com Jesus, porque quem copia o Mestre, na Sua expressão da vivência, é aquele que saiu a semear as sementes de luz, confiante no labor empreendido.
Jamais irrites com simples contradições.
Os contrários, por vezes, nos indicam os caminhos certos.
Vê, em tudo que te cerca, mãos a te ajudarem e a ofertarem assistência; entretanto, aperfeiçoa o discernimento, para saber qual delas te convém na escala de experiências que já atingiste.
Não te aborreças porque o destino te interrompeu em algum trabalho do bem; faz outro, onde estiveres, porque a casa é a mesma e o dono é um só.
Ela é de todos nós.
Experimenta viver bem com todas as criaturas e verás que em todas elas a luz começa a nascer e poderá te iluminar, por um simples gesto seu.
0 teu céu está onde estiveres, porque Deus está presente em tua consciência, desde a eternidade.
Descobre-0 pelo amor e pelas linhas da caridade, e serás uma alma feliz.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2019 9:44 am

25 - LIÇÃO DOLOROSA
No mundo espiritual não existem as peias que encontramos quando estamos internados na carne, em se referindo às barreiras interpostas pelas religiões; isso, para aqueles que já se integraram no serviço de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A mordaça de um padre é a batina.
Ele não pode frequentar outras religiões, nem buscar outros entendimentos.
Até mesmo de encontros sociais, muitas vezes são privados.
O pastor protestante, de qualquer linha da Reforma, encontra na sua posição, enquanto guia de um rebanho, a incompatibilidade em frequentar outros meios de filosofia religiosa, porque ele mesmo constrói grades à sua frente, pelo muito falar das outras ideias filosóficas.
Fecha-se em seu próprio mundo e não deseja saber se existem outros.
0 espírita, sem generalizar a ideia, se coloca como irmão mais evoluído, mas, por vezes, faz a mesma coisa.
Os homens se dividem, sem procurar o Cristo, que dirige a todos com o mesmo amor, dentro da faixa evolutiva de cada criatura.
Todas as religiões do mundo são dirigidas por homens que ainda não compreenderam a verdadeira fraternidade universal, como faz o sol, despejando os seus raios em todas as nações, em todos os seres, sem escolha, porque tudo e todos são filhos do mesmo Pai Celestial.
As divisões são levantadas com o material da ignorância.
Por que gastar tempo em criticar uns aos outros?
Nós não somos contra a variedade de filosofias religiosas; pelo contrário, quanto mais se dividem, na altura espiritual em que se encontra a humanidade, mais se conhece a verdade, porque todos se interessam por ela através de caminhos diferentes, terminando num só ponto:
Deus, Cristo e Caridade.
Os fundamentos de todas as religiões alcançam a Divindade e levam a alma para a perfeição.
No mínimo, predispõe o espírito à conquista de si mesmo.
Eu, mesmo usando a batina aqui no mundo espiritual, não encontro nenhuma interferência na minha ida a outros templos de fé, e isso faço com todo interesse em aprender as lições que a vida escreve, por todos os meios.
Uma noite, rumamos para um Centro Espírita em grande metrópole desta nação querida.
As cadeiras estavam todas ocupadas e o cochicho se alastrava de ouvido a ouvido, mas, bem entendido, era sobre o valor do doutrinador daquela noite, um homem bem posto, verbo fácil e maneiras agradáveis.
Do nosso lado, estava igualmente cheio o salão.
Um grupo de entidades espirituais benfeitoras se alinhava em plena harmonia no templo e logo se movimentou a um simples sinal orientador.
Cada um fez a sua parte, aproximando-se dos encarnados e transmitindo fluidos refrigeradores, limpando as atmosferas individuais de cada criatura em um silêncio profundo e de grande respeito.
Notavam-se chuvas de essências raras dentro do salão, sendo usadas pelos trabalhadores, com perfeita consciência sobre seus mandados.
Espíritos malfeitores eram retirados com todo cuidado e amor que requer esse trabalho e encaminhados para determinado salão espiritual, onde eram assistidos com a atenção exigida a cada caso.
Outro grupo de almas, conscientes de seus deveres, em torno da mesa, verificaram os bilhetes ali postos pelos frequentadores, como também as folhas de papel cheias de pedidos, e mesma um grande livro que continha endereços de enfermos, anotando espiritualmente todos os dados; fiquei encantado com a ordem do mundo espiritual, e com o trabalho em favor dos encarnados.
Os meus olhos não ficaram secos; vi, ali, espíritos que na Terra foram padres, com grande interesse em ajudar, sem a menor cerimónia por estarem num Centro Espírita.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2019 9:45 am

Irmãs de Caridade, mesmo ombreando os hábitos, sendo felizes em poder servir em nome do Cristo.
Não deixaram de aparecer dois que foram Pastores das Igrejas Reformistas, conversando com espíritos desequilibrados, mostrando a eles a necessidade que temos de colocar o Cristo nos nossos caminhos e no coração dos políticos que o mundo conheceu, procurando ajudar em nome da caridade, e até materialistas declarados que conheci, faziam parte do grande banquete espiritual, em nome do bem comum.
Eu me sentia pequeno ante a grande profusão de assistência espiritual daquele mutirão de trabalhadores.
O meu coração pediu trabalho e a minha consciência não me fez esperar; avancei rumo ao dirigente espiritual da reunião e solicitei, por caridade, uma ocupação.
Ele sorridente, olhou para mim com benevolência, falando com tranquilidade:
— Olha, padre, tu poderás anotar as ocorrências desta noite, que quase sempre são educativas e, quem sabe, depois contar aos homens, se houver oportunidade.
Nada se perde, quando nós trabalhamos em nome do nosso Mestre ...
Arranjei os apetrechos e comecei a escrever, achando deliciosas as anotações.
Vi quando foram chegando os dirigentes encarnados da sessão, que seria de desobsessão.
Os médiuns tomaram seus lugares, com pouca conversa, e o mais interessante, é que cada medianeiro tinha um jaez diferente do outro.
O sistema nervoso de alguns sensitivos são como cordões finíssimos, pulsantes, vivos, obedientes à atmosfera exterior, que correspondem aos sentimentos gerados no centro da vida.
Alguns deles mostravam a aura como que uma residência bem iluminada, outros, mais ou menos escura e em outros, não se via nada.
Pude identificar médiuns que não participavam da reunião, com pensamentos fixos em determinados interesses, mesmo em sexo, e cujos pensamentos perturbavam o seu vizinho.
Dois desses médiuns, não se sentindo bem, pediram ao dirigente da sessão para sair da corrente e sentarem-se fora da mesa, o que, de certo modo, aliviou o ambiente da sessão daquela noite.
Ali, naquela observação, é que notei quantos erros de crítica, mesmos silenciosos eu havia cometido quando estava na carne, e do julgamento apressado sobre irmãos dos quais não gostava.
Tive consciência, enfim, dos pensamentos inferiores e de quanto estes fazem mal.
Na subtileza mais profunda, dava para notar que fluidos divinos penetravam em todas as criaturas à mesa e fora dela, e quando penetravam em determinadas aberturas espirituais, eram contaminados pelos pensamentos, diminuindo as vibrações na cadência que propunha a inferioridade do pensante.
Em certas criaturas, mesmo tomando posse do assento à mesa, o cândido hálito de Deus era transformado em lixo.
Ao contaminar-se com os sentimentos de alguns, mudava de cor e tomava um odor intolerável.
Esta verdade não pode mais ficar debaixo da mesa.
Precisa ser dita, para a paz dos próprios espíritos; comemos o que pensamos e bebemos as nossas próprias ideias; respiramos os nossos sentimentos e sofremos por nos faltar a educação espiritual.
Notei como eu era pobre de virtudes e a minha consciência me pedia renovação.
Vi o dirigente encarnado entrar sorrindo para todos, e procurando poses para que sua elegância fosse salientada.
Observei a alegria dá plateia.
Os espíritos desencarnados não tinham vez dom ele; o seu argumento fazia calar o mais intelectual malfeitor que viesse à reunião que ele dirigisse.
Sua fama já corria toda á cidade, principalmente nos ambientes espíritas, e ele, de posse da fala, sentia que, por onde passava, os espíritos inferiores “batiam em retirada".
E era chamado a vários lugares por esse motivo, e, em muitos, a sua presença surtiu efeito.
A vaidade ocupou a sua mente, o orgulho o seu coração, e a humildade faltava nos momentos mais convenientes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2019 9:45 am

Ele se esquecera completamente da disciplina dos seus próprios modos.
O de que mais se lembrava era da aparência de valores que não possuía, e isso era o mais perigoso para sua vida.
Várias vezes recebeu pequenas mensagens faladas e escritas, para tomar cuidado, mas ele não ouvia, por ser a figura de destaque de todas as reuniões ali processadas.
Tinha inúmeras intuições e, por vezes, sonhos.
Os benfeitores da casa convidavam-no à vigilância, mas a sua posição o fazia esquecer ou negar, abrindo espaço para a chegada de obsessores.
A doutrinação dele mudara demais; os espíritos sofredores, bem como os brincalhões, eram desmoralizados.
Isso ele fazia para mostrar ao público a sua força espiritual.
Ele estava transformando a casa num palco de lutas ideológicas, onde o ódio estava gerando controvérsias variadas.
Muitas vezes, espíritos soluçavam de sofrimento, por não encontrarem uma palavra de carinho na boca do famoso médium.
0 ambiente se tornava irreverente, pouco se lia do Evangelho e quando este era lido, o tempo estava sempre esgotado para os devidos comentários.
Tudo era torcido por ele, para alimentar sua vaidade e crescer na fama de ser o respeitado, nos dois planos da vida.
Naquela noite, chegou um casal pedindo socorro espiritual na casa.
Tomando conhecimento, ele logo sentenciou:
— Isso deve ser obra de alguns vagabundos espirituais!
Sentem-se aí, que logo conversarei com eles e nunca mais voltarão.
Nós sabemos como tratar com essa classe de espíritos que Jesus mandou entrar na manada de porcos, por serem seus iguais.
Fiquem tranquilos, sentem-se, sentem-se!...
O casal acomodou-se em um dos bancos.
Várias entidades foram "desmascaradas" naquela noite, e se via aflorada a petulância do doutrinador.
Até o público já estava notando as suas imprudências, mas, quem poderia falar?
Quando ia terminando a reunião, a senhora, que tinha vindo, sentiu um solavanco e caiu no chão.
Socorrida pelo marido, já acostumado com aqueles factos, a mulher enrijeceu-se toda, espumando pelos cantos da boca, já meio torta, dando profundos gemidos.
O doutrinador irreverente levantou-se, deu alguns passos, distribuindo elegância no humilde salão, e começou a conversar com a entidade incorporada na senhora que desfalecera, que ouviu um sermão do famoso decorador de trechos evangélicos.
Depois que falou uns trinta minutos, sem interrupção, julgou ter desmascarado quem quer que fosse que ali estivesse, sem deixar nenhuma brecha para respostas, ou mesmo perguntas.
Para tanto, ele tinha todos os cuidados em preparar frases e cortar prováveis discussões . ..
0 espírito, depois de ouvi-lo, pacientemente, agradeceu ao doutrinador com benevolência, e disse, depois de uma pausa:
— Meu senhor, eu agora posso falar algumas palavras a estes que me ouvem?
O imponente pregador, já convicto de que o espírito aprendera a lição, retrucou, com ar vitorioso:
— Como não?
Podes falar, meu irmão!
Nós vamos ouvir o teu testemunho; és mais um que se converte nesta casa, por meu intermédio ...
O espírito, de posse da mulher, como se não existisse a médium, tal era a afinidade do intercâmbio, levantou o rosto altivamente e disse sem constrangimento:
— Quero dar mesmo um testemunho.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2019 9:45 am

O nosso querido irmão lembrou-me bem; quero dar um testemunho, e, para isso, eu peço um favor aos que me ouvem: apanhem papel e lápis e anotem o que vou dizer, nesta casa, que se dispôs a pregar a verdade...
Muitos dos ouvintes arranjaram os apetrechos de escrever, rapidamente, inclusive a mulher do dirigente dos trabalhos.
O espírito, com ênfase, foi dizendo, com a mais alta autoridade:
— Escrevam os seguintes endereços: rua tal, número tal, bairro...
Novamente, rua tal, número tal e bairro..., e tornou a falar outro endereço; três ruas com os respectivos números e bairros!
Ao ouvir isso, o famoso doutrinador empalidece sendo forçado a assentar-se numa das cadeiras, sem fala.
E o espírito virou-se para ele e falou com imponência:
— Levanta-te covarde!
Tu não tens o direito de ouvir assentado!
Agora, tu és o réu!
Este indivíduo que temos aqui em nossa frente, tem três famílias nesta cidade.
Se quiserem constatar, podem ir aos endereços que falei.
Eu já o acompanhei muitas vezes...
Chegou o dia de este malandro tirar a máscara!
Ele nos tem enxovalhado há muito tempo.
Ele sempre nos humilhou nesta casa, na presença de muita gente.
Hoje chegou o dia de ele pagar o que fez!
Ele aprendeu a decorar o Evangelho, não para que esse velho Evangelho pudesse algum dia entrar em seu coração, mas por vaidade.
A sua boca diz coisas bonitas, no entanto, o seu interior está podre!
Ele tem falado aqui, muito, dos túmulos caiados por fora e cheios de imundícies por dentro.
Ele é um desses túmulos, e a sua própria presença cheira mal!
0 homem suava, cada vez mais pálido.
Quis falar alguma coisa, desculpar-se diante dos presentes, porém, o espírito não deixou, dizendo:
— Eu estou sendo complacente contigo.
Se não ficares calado, vou dizer o resto, mesmo que custe a noite toda, porque, para falar da tua vida torta e dos teus actos inconfessáveis, preciso de muitas horas.
Se for preciso, farei tal esforço ...
Cala a boca, porque malfeitor diante da justiça deve ficar calado por sabedoria!
Alguns dos assistentes saíram, para não ouvirem mais.
O espírito retomou a palavra, continuando:
— Não sou somente eu quem está aqui te desmascarando; nós somos uma legião de espíritos, aos quais tu ofendeste com a tua língua maledicente.
E é bom que tu escutes o que vou falar, com atenção:
não te queremos ver em nenhum templo, pregando o Evangelho, nem mesmo assistindo a sessões.
Se tu desobedeceres, tornarei a fazer o mesmo.
Levarei este aparelho aos lugares a que tu fores, e se ela não for, arranjarei outro.
Nós também temos poderes, e te mostrarei quais são os malandros espirituais.
Acabou tua efémera glória, tua coroa feita de papel!
O doutrinador começou a passar mal no salão, e foi levado às pressas para casa.
O espírito, com ar de general das trevas, disse aos assistentes que restavam daquela reunião:
. — Ouvi! Nós não queremos nada convosco, que sois inocentes e de boa fé.
Não temos o direito de ofender-vos, nem é este o nosso desejo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2019 9:45 am

O que tínhamos de fazer, já o fizemos, e, para mostrar-vos que nós não somos tão maus como podeis pensar, afirmo-vos:
esta senhora, por quem estou falando, vai ficar boa de hoje em diante; nós vamos afastar os colegas que se servem dela para certos escândalos.
Ficamos gratos a ela.
Entretanto, avisai-a, quando eu sair, que se cuide, como se cuidam os que permanecem curados...
***
O doutrinador, depois da lição, nunca mais voltou ao Centro Espírita, que suspendeu seus trabalhos.
Um dia em casa, pensando no que fazer, sua mulher lhe disse com bondade e carinho:
— Marido, os outros não vão te perdoar os erros, e sendo que tu não podes ir a centro algum, vamos trabalhar em casa para a tua recuperação.
Eu te sugiro o Culto do Evangelho no Lar.
Acredita, eu te perdoei.
O lar é o verdadeiro templo, que tu havias esquecido, e aqui poderás vestir qualquer roupa e falar em qualquer linguagem, que nós o entendemos!
Ele levantou o rosto para sua companheira, abraçando-a, e não sei bem por quanto tempo permaneceu chorando, respondendo apenas por gestos de cabeça e com boa vontade no coração.
E eu, junto àqueles que comandavam espiritualmente o Centro, quis saber o porquê daquele escândalo ...
O orientador, afectuoso, me respondeu:
— Irmão, certas enfermidades carecem de cirurgia, e essa requereu tal método de cura.
Haviam sido expedidos daqui muitos avisos para que ele mudasse de vida, e ele só via nesses avisos, que não aceitava, armadilhas de espíritos das trevas.
O centro não fechou; espiritual mente ele continua, pois é uma semente divina que se multiplica na eternidade.
Nosso irmão precisava de uma lição que, infelizmente, teve de ser dolorosa.
O espiritismo é uma doutrina consoladora, mas alguns espíritas, por vezes, perturbam a consolação.
Ele é força educadora, mas poucos gostam da disciplina.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2019 9:46 am

26 - A TERAPIA DO PERDÃO
Sabemos como é difícil a prática do perdão ensinado por Jesus.
Sabemos como é incómodo o esquecimento das faltas cometidas contra nós, e mais difícil ainda, é não se sentir ferido.
Entretanto, melindres são desvios das sensibilidades para o campo pessoal, desajustando a nossa personalidade dos mais lindos florescimentos dos bons costumes.
Perdoar, nos moldes ensinados por Cristo, significa uma terapia valiosa.
Essa força supera todos os medicamentos da Terra e alcança o bem-estar do Céu.
Um coração que pulsa alegre no dever cumprido é, pois, um laboratório divino que fornece todos os remédios para a prevenção da saúde, ou para curar todas as enfermidades do corpo e da alma.
Do perdão nasce, ainda, a liberdade.
É uma forma de fazer amigos, reatando os laços perdidos na noite da ignorância.
O Mestre, quando disse para perdoarmos aos nossos inimigos, não sete vezes mas, setenta vezes sete, queria nos mostrar que nossa capacidade de perdoar deve ser sem limites, e os seus caminhos, infinitos.
E ainda reforçou, dizendo que deveríamos orar pelos que nos perseguem e caluniam, isolando-nos das forças negativas do caluniador, pelo bem que podemos desejar a eles.
Vejamos o quanto vale o amor...
Uma doença no corpo físico pode estar esperando apenas um gesto de perdão, porque a dor é desarmonia da mente, mesmo que seja um processo de evolução da alma.
Se já estás acostumado a perdoar, verifica se o processo está certo, se não estás iludindo a ti mesmo, com métodos errados.
Procura conversar com companheiros experimentados no cultivo das virtudes, ou observa as vidas nobres.
A lição, por vezes, vem ao teu encontro no silêncio.
Estuda a natureza, que ela dar-te-á exemplos grandiosos de convivência.
As árvores em um parque, em um jardim, ou mesmo na floresta, mostram como vive em harmonia, com a presença de vidas diferentes.
Os homens podem viver bem juntos, mesmo que os sentimentos vibrem em dimensões desiguais, desde que pratiquem o amor pelas linhas do perdão e da fraternidade.
Os recursos para os espíritos são maiores que para os outros reinos; por isso deves esforçar-te no sentido do alcance da harmonia, amando a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo.
Não guardes mágoa de ninguém, pois, quem fere, sofre as consequências desse desajuste.
A mente é força poderosa, que obedece cegamente às leis de Deus.
Atraímos o que somos, e somos o que atraímos.
Se tens facilidade de perdoar às pessoas do teu convívio, às pessoas que amas, porque não perdoar aos que te ferem e moram distante do teu lar?
Se persistires nessas ideias de vingança e de ódio, elas poderão, pelo teu gesto endurecido, vir a conviver contigo pelos processos da reencarnação, e dentro da tua casa será pior quebrar esses laços já endurecidos pelo tempo.
Ódio acumulado é explosão permanente.
Sabes, meu filho, qual o caminho mais fácil para o fortalecimento do perdão?
É a caridade bem conduzida.
Exercitar na caridade é trabalhar pela aquisição das mais difíceis desculpas.
Devemos esquecer as ofensas, sem esquecer, nas nossas preces, os ofensores.
Vamos nos empenhar em transformá-los em companheiros, para nos ajudar na prática do bem.
Quem perdoa, se liberta, e quem se liberta das amarras do sentir-se ofendido, certamente está sendo premiado pelo Cristo Interno, porque não está na classe dos ofensores.
Quem ama desconhece ofensas, porque não se ofende com a ignorância humana!...
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Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia - Página 3 Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2019 9:46 am

27 - BICHO-DE-PÉ
As mínimas coisas da natureza confundem os homens, mesmo aqueles de mais alta percepção e entendimento.
Nem sempre a inteligência nos salva dos desastres morais que nos rodeiam constantemente.
Havia, na região onde eu tive a oportunidade de nascer, pela bondade de Deus, um grande político cheio de manias, cujos trejeitos já eram bastante copiados pelos seus adversários, e era essa imitação que, justamente, criava o ambiente de discórdia entre os oponentes e ele.
O velho coronel tinha muita fama, com relação ao modo de cuidar de seus eleitores, que os outros chamavam de “eleitores de cabresto".
Puxasse ele para onde quer que fosse, votando em quem quer que desejasse, sua indicação era correta.
Nunca errava, afirmava ele, apontando o candidato.
Política é igualzinho ao futebol de hoje:
sempre há uma desculpa para quem perde, e em quase todas as circunstâncias, o perdedor foi usurpado.
0 clero sempre pendia para o lado mais forte, como ocorreu em todas as épocas da humanidade.
No entanto, mesmo que o lado escolhido perdesse, ainda assim saía ganhando, pela força que sempre teve no seio da família e nos corações das mulheres dos políticos, e ainda mais, por saber se dividir e se ajuntar na hora precisa.
Eu frequentava muito a casa do coronel, não por ideias políticas, mas, pela amizade à família, que sempre me chamava em horas de necessidade.
Tirei-o de cabeça, muitas vezes, em certos revides de maledicência.
Certa vez, ele estava tão enfezado com os adversários, que me chamou em sua casa para tomar um chá e em seguida ter uma conversa particular comigo, alegando que era coisa muito séria.
Uma noite em que as obrigações me favoreceram, parti para lá.
Ele estava se balançando numa rede, em que os bordados
denunciavam as hábeis mãos que a teceram, cenho cerrado e cigarro de palha aos dedos.
De vez em quando, dava cusparadas “quilométricas", como se estivesse querendo ficar livre de algum pensamento que o incomodava.
Quando cheguei, pude notar que ele forçara um sorriso, no sentido de mostrar-me o seu contentamento. Estendeu sua volumosa mão no
cumprimento natural e me desejou boas vindas.
Ele quis sair da rede, mas, eu não o permiti. Logo veio alguém com uma cadeira, e iniciamos a nossa conversa, sem constrangimento.
Pude observar que ele estava tenso, refreando um nervosismo interior, sem deixar que os familiares soubessem a causa.
Foram a mulher e os filhos quem o aconselharam a conversar comigo, que era considerado por alguns o pára-raios da região.
O coronel acenou para mim, para que eu encostasse mais a cadeira na rede.
Tranquilizou a fala, antes agitada, e disse ao meu ouvido treinado em ouvir mexericos:
— Olha, padre!
Os cachorros da oposição tiveram a petulância de me escrever uma carta anónima, que tenho certeza ser da parte deles.
Ele não quis ler a carta, que passou para minhas mãos.
Para que a gente pudesse interpretar o escrito, era quase preciso adivinhar as letras, mas para mim, já acostumado àquele tipo de grafia, não foi difícil entender o assunto.
Os adversários políticos diziam que, se ele amasse mesmo a família, não fosse ao comício de tal dia, o último da fase política em que se enfronhara como chefe de partido.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2019 10:37 am

Souberam eles que o coronel ia falar alguma coisa muito ofensiva, e que, se prezasse a sua vida, ficasse em casa.
Abanei a cabeça várias vezes, e perguntei ao coronel:
— E então? O que pretende fazer?
O rosto do velho político enrubesceu e notei que estava até me desconhecendo pelo palavreado inferior que proferia.
Enquanto ele falava, fiz algumas orações, pedindo a Deus que o acalmasse.
Ele entendeu a minha atitude, pediu desculpas pelo que falara, e foi logo dizendo:
Eu vou ao comício.
Eu vou falar o que pensei dizer e vou acabar com eles de uma vez por todas.
Eles são uns...
Parece que respeitou a minha presença e não terminou a frase.
Depois de mais de uma hora, quando somente ele falou o que bem entendia sobre seus adversários, pedi desculpas e dei pressa em sair.
0 coronel, assustado, me disse:
- Não, padre, eu quero ouvi-lo!
Pelo amor de Deus, eu quero ouvi-lo!
Tornei a me assentar e disse sem temor:
— Olha, coronel, quando aqui cheguei, pensei que o senhor queria mesmo me ouvir, mas, já que tem deliberado o que vai fazer, não posso dar a minha opinião.
Eu devo ir embora e orar por todos aqui.
0 coronel, já com os olhos marejados de lágrimas, pegou em minhas mãos acostumadas aos beijos interesseiros, e disse:
-- Padre! ... Eu pedi para o senhor vir aqui para me ajudar.
0 senhor sabe que eu tenho uma moral a zelar; sou um tronco de família que nunca fui desrespeitado por malandro nenhum.
Eu tenho dignidade e devo lutar por ela até a morte.
Se for preciso morrerei, mas a minha honra...
Entendi o drama da vaidade e do orgulho palpitando no peito do político.
Ele deveria satisfazer aos homens, sem observar os preceitos da própria Igreja do Cristo.
Compreendi logo que não se pode transformar de imediato um homem em anjo, pois isso é trabalho de Deus, nas mãos do tempo.
Falei-lhe sobre a ponderação, que deveríamos procurar sempre a vigilância e nunca atacar os outros para nos salientar na vida.
Mas encontrei terreno de difícil penetração.
Eram aquelas sementes lançadas sobre o lajedo, ou por entre os espinhos
...Ele, quando começou a entender o que eu queria transmitir para o seu coração, cortou a minha conversa e despejou seus argumentos extravagantes:
Padre, se fosse no seu caso, ao marcar uma conferência, como pastor que é, em determinado lugar onde deveriam afluir multidões para ouvi-lo como representante de Deus na Terra, e alguém, algum vagabundo, lhe escrevesse uma carta como essa, o senhor deixaria de ir ao encontro de suas ovelhas?
E se deixasse de ir, como ficaria
sua moral perante elas?
E perante Deus, que tudo vê, como o senhor sempre nos diz?
E, ao ouvir as manhas de um político com certa inteligência, tinha de dar uma resposta, porque a comparação não era justa e dispus-me a falar:
— Coronel, a sua comparação não é certa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2019 10:37 am

Eu iria falar mesmo que soubesse que iria morrer, como faziam os discípulos de Jesus e Ele mesmo diante de todas as investidas das trevas, no entanto, meu filho, nunca iria falar o que o senhor quer dizer.
Pela carta que acabo de ler, o coronel vai expor para o público, os erros dos adversários, e isso, meu amigo, é um escândalo.
E Jesus já dizia, há quase dois mil anos:
Ai daqueles que servirem de instrumento de escândalo.
O senhor deve compreender, como homem inteligente, as nossas posições em extremos diferentes.
O que devo fazer para seu benefício, como amigo da família, é orar, a fim de que o senhor faça o melhor para a sua própria vida.
Porém, guarde bem o que vou lhe dizer:
não fale mal dos outros, mesmo que seja verdade o que tem a dizer.
Basta o que ainda carrega no coração.
Calei-me. O coronel torceu o bigode e respondeu com ênfase:
Bip Padre, o senhor me conforta muito.
A sua fala, parece, me acalma o coração, e me sinto bem.
0 senhor é um santo, contudo, desculpe, mas o senhor entende é de santidade.
Nesse meio a que o senhor chama de trevas, somente o trevoso sabe lidar.
E eu sei, porque visto a mesma roupa e conheço os golpes sujos desses que o Cristo chamava de hipócritas e fariseus!
Demorou um pouco e renovou seus pedidos:
— Padre, eu quero as suas orações.
Não se esqueça de mim, nem de minha família!
Eu irei ao comício.
É o último e não posso faltar.
Se for sacrificado, ficarei na história, porém, eu acho que eles estão fazendo medo para depois gozarem às minhas custas.
Padre, eu lhe peço: que este segredo não saia daqui.
A minha família não pode saber do que conversamos.
Cheguei em casa e, diante do meu oratório, onde resplendiam as figuras de São José e de Maria Santíssima, deslizei os joelhos acostumados à posição de orar, e fiz uma longa súplica, para que os Céus interferissem na ida do coronel ao tal comício, no sentido de nada acontecer com ele, pedindo a Deus para abençoar aquela família que nada tinha a ver com a ignorância do velho político.
Daí a alguns dias, tive notícias de que o coronel estava animado para a grande reunião, notícias essas, levadas pela boca de alguns serviçais da casa, que sempre iam à minha residência levar algo, por bondade da senhora do coronel.
Disseram-me, ainda, que o coronel estava estranho e meio inquieto em certas horas.
Tirava o pé do chinelo a quase todo instante e esfregava-o no chão ou no portal mais próximo, e isso já fazia mais de uma semana.
Quando se aproximava o dia do comício gigante, como dizia, chamou um serviçal e mandou-o olhar o que seria aquela coceira debaixo dos dedos do pé.
O serviçal olhou com cuidado, falando com espanto:
Nossa Senhora!...
Coronel, é um bicho-de-pé!
0 senhor deve ter ido ao chiqueiro!
Ele está enorme! Precisa tirar!
— Bicho de porco, quando entra em gente grande, é sorte a bater nas portas. Vou ganhar as eleições e, certamente, ganhar a vida!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2019 10:38 am

A cozinheira veio às pressas.
Era ela quem sabia extrair os intrusos dos dedos da família, quando isso acontecia.
Acomodou-se no chão com um punhalzinho entre os dedos da mão.
Cutucou aqui, cutucou a li, e disse como se fosse um operador:
^9É bicho de trempe, senhor.
São vários deles no mesmo lugar. Cruz credo!
Tirou os bichos, mas no dia seguinte o coronel amanheceu acamado, com alta febre e ainda por cima, íngua.
Chamou o farmacêutico, que lhe fez uma punção, entretanto, a febre não cedeu.
Com dois dias já, o político corajoso delirava e a família, assustada, mandou me chamar de novo, com urgência.
Já era o dia do tal comício.
Cheguei ao casarão.
O coronel parecia desfalecido.
Quando ele ouviu a minha voz, abriu os olhos lentamente, deu uma olhada para os presentes que logo entenderam, e ficamos a sós no quarto.
E ele, cansado, me falou:
— Padre, será que Deus não quer a minha presença no comício?
Por que isso?
Eu estou cansado de tirar bicho-de-pé.
Nunca fiquei assim!
Mostrou-me o pé, que estava inchado, e quando o observei, notei um amarelado no local onde foram extraídos os bichos-de pé; era pus em quantidade.
Desinfectei um alfinete no fogo, e quando furei, foi um alívio para o doente, que logo recostou-se aos travesseiros, puxando conversa comigo:
Padre, eu não posso ir lá no comício, coisa que ninguém poderia me impedir a não ser Deus, mas sei que vamos ganhar.
Eu, aqui neste lugar, não preciso desta gente para nada.
Padre, eu sou independente, o senhor sabe.
Eles é que precisam de mim.
Eu já os tenho ajudado muito, em várias circunstâncias.
Graças a Deus, não preciso de ninguém, porque tive inteligência e usei-a para a minha independência, em todos os sentidos ...
Eu não podia ficar calado, como sacerdote, nesta altura da conversa, e dispus-me a falar com certa energia, mesmo contrariando a minha natureza de humildade:
— Coronel! Eu, como confessor desta casa, não devo ficar calado diante de tamanha blasfémia, como a que o senhor acaba de dizer!
— Como assim? - Redarguiu ele.
Nós todos, meu filho, precisamos uns dos outros, todos os dias.
Todos somos filhos do mesmo pai: Deus!
Os próprios ladrões e assassinos que a sociedade afasta, por vezes, do nosso convívio, nos são úteis, porque é vendo o que eles passam, que nos corrigimos.
O mentiroso nos ensina o valor da verdade.
O pobre nos mostra o valor do trabalho.
O ignorante das letras nos faz pensar nas belezas da sabedoria e os malfeitores de todas as ordens são quem nos despertam para o cultivo das virtudes!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2019 10:38 am

Eu procurei saber, coronel, e, verdadeira mente, eles, seus adversários, armaram uma arapuca para tirar a sua vida no dia do comício.
E quem o salvou, depois de Deus, foram uns bichos de porco.
Os bichos-de-pé morreram para salvar a sua vida...
Parei por um instante, e falei fechando o assunto:
— Acho, coronel, que não preciso falar mais nada para que o senhor entenda o que quero dizer.
Olhei para ele; as lágrimas escorriam com abundância nas suas enrugadas faces, mas a lição servia mais para mim ...
Quando cheguei à casa, fui logo agradecer a Deus pelo milagre.
Fiquei pensando por muitas horas, que o bicho-de-pé tinha mais poderes que eu, pois não consegui remover a ideia do coronel, a fim de que ele não fosse ao comício, mesmo usando os argumentos e a minha presença visível, enquanto uns simples bichos de porco, invisíveis aos olhos do coronel, sem usarem os dons que um sacerdote possui, impediram que ele fosse desmoralizar os adversários, abatendo seu orgulho e sua vaidade.
E, ainda, livrando-o da fúria dos seus inimigos.
Sentei-me num tamborete ao lado, e me senti menor que um bicho-de-pé.
Pensei, então, na infinita sabedoria do Pai.
Ele, quando quer, remove montanhas de dificuldades com simples instrumentos, como um bicho-de-pé.
A ajuda do bicho de porco foi tão grande, que o coronel ganhara as eleições, sendo premiado pela vida e honrado pelo povo, que, tão logo ficara sabendo, pela boca do farmacêutico, que o coronel estava acamado no dia do comício gigante, por alta febre, sem poder "arredar pé da cama", votou nele.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2019 10:38 am

28 - COMO SER 0 MELHOR
Não queiras ser melhor que os outros, nem procures
posicionar-te na dianteira de ninguém, no que se refere às virtudes. Trabalha no teu aperfeiçoamento em silêncio.
Não deves deixar os outros terem a impressão de que gostas de ser bajulado; a humildade é o caminho de maior segurança e a discrição, o comportamento natural que ilumina a criatura.
Valoriza o Bem, cujos instrumentos são os teus irmãos e, para tanto, não é preciso admiração descuidada.
Para servir de corrigenda aos que te cercam, não é preciso salientar amostras dos erros, para que todos vejam.
Existem muitos processos de fazer sentir ao faltoso, que não compensa o esquecimento da verdade.
Se ao menos pensares que estás sendo melhor que os teus irmãos de caminho, eles sentir-se-ão humilhados, porque os pensamentos são ondas a serem absorvidas pelas mentes e interpretadas pelos sentimentos, transmitindo o que sentiste, quando da emissão dos mesmos.
A atmosfera está cheia de ideias negativas e de miasmas magnéticos dos invigilantes.
Não faças o mesmo; o Evangelho é Código Divino para reformar as criaturas; portanto, busquemos nele os recursos necessários para nos educarmos, porque, sem a educação dos sentimentos, não alcançaremos a paz, aquela paz que se desdobra em realizações nobres nos caminhos que percorremos.
A conduta recta é o diploma a nós conferido pela consciência de que já conhecemos e estamos vivendo o Amor.
Querermos nos qualificar como melhores que os outros, é provar que ainda não adquirimos tais ou quais qualidades, que desejamos expressar para os nossos semelhantes.
Sejamos simples como as pombas, mansos como os cordeiros, mas activos como a luz.
Os órgãos do corpo nos dão exemplo da necessidade de vivermos juntos, uns com os outros, formando um grande organismo na harmonia indispensável, para que o céu se estabeleça em nosso mundo íntimo.
E essa paz depende de ti, da tua decisão.
Não rejeites as lições que surgem em teu caminho; lê todas elas e guarda-as no coração.
As nossas experiências são páginas imortais que nos educam em todos os sentidos.
Quantos aborrecimentos podes evitar, forjados por fatos banais?
Podes dar a dimensão que te convier a todos os acontecimentos, no campo da matéria.
A dívida que preocupa um banqueiro e a que tira o sono de um pobre, são completamente diferentes uma da outra.
A riqueza de compreensão nos dá meios de resolver todos os problemas, sem perturbar a vida.
Esforça-te por plantar as sementes de concórdia onde quer que seja, por trabalhar onde a vida te chamar, e por servir por onde quer que fores, que os frutos te surgirão como abundantes dádivas.
A colheita é norma da lei, e somente colhemos o que plantamos.
A vida é uma lavoura imensurável... Plantemos!
A pretensão de mostrar qualidades que por vezes não temos, nos traz de volta um ambiente de covardia, de agressão e de ilusões.
Tudo o que fazemos, a natureza se encarrega de registar, por processos que desconhecemos e que muitos dos nossos irmãos aprenderam a 1er, por meios que ignoramos.
Não precisamos, portanto, nos preocuparmos em mostrar os nossos feitos bons.
Nada se perde, e nada fica escondido dos olhos que nos cercam e nos assistem.
Não queiras ser melhor que o teu companheiro; se ainda não alcançaste a compreensão de assentar-te no último lugar, assenta-te junto dos teus companheiros, sentindo-os como teus iguais, filhos do mesmo Pai e alunos do mesmo Mestre, o Cristo de Deus.
Assim, a luz procurar-te-á onde estiveres, desatando a paz na tua consciência.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2019 10:38 am

29 - 0 RELÓGIO ABENÇOADO
Eu tinha várias obrigações que não podiam ser adiadas.
Em determinadas horas, não podia faltar aos meus deveres para com a Igreja e com o povo.
Se isso acontecesse, a consciência não permitia que eu dormisse, sendo preciso o reparo com trabalhos duplicados.
Um dos meus amigos, que em certa época foi um verdadeiro pai para mim, vendo e sentindo as minhas dificuldades nos horários, e verificando que eu não tinha relógio, presenteou-me no dia vinte de Junho de certo ano, por saber que eu gostava muito desta data, com um relógio, por sinal, de ouro da melhor qualidade.
Quando vi em minhas mãos aquela preciosidade que não merecia, fiquei acanhado em dizer não a uma pessoa de estima.
E, como aceitar um presente incompatível com a minha natureza de renúncia e de pobreza?
Eu me sentia bem sem nada possuir, livre como um pássaro, convicto de que acima de tudo, nada falta àqueles que confiam em Deus e têm o Cristo como Guia.
Lembrei-me muito do que Jesus dizia das aves dos céus e dos lírios dos campos...
O relógio, para mim, seria um espinho no coração, ainda mais sendo de ouro.
Nesta data em que ganhei o relógio, cheguei em casa muito triste, ao invés de alegre e até perdi a fome.
Todavia, tive uma ideia, que notei não ser minha; ela aflorou em minha mente como se fosse doada, e assim acreditei que fosse.
Era para eu recorrer às minhas orações, para ver se acalmava meus sentimentos, e foi o que fiz com alegria que logo se manifestava em minha feição.
Olhei demoradamente para o Patriarca que me ajudava sempre, e para Maria de Nazaré, fazendo sentida prece, pedindo-lhe que me ajudassem nas difíceis decisões que haveria de tomar em muitas das caminhadas.
A oração foi bastante longa, saindo eu dali já com sono.
Dormi profundamente e sonhei que São José me aparecera.
Conheci-o pelo bastão florido em sua destra e, sorrindo-me, dissera:
— 0 que se passa contigo, Horta, que deixas a tristeza invadir teu coração?
Eu, encantado pela presença celestial daquela figura que eu tanto amava, da qual eu herdara o nome, por misericórdia divina, sem falar-lhe nada, com vergonha de não falar correctamente a um santo, tirei o relógio do bolso e mostrei-lhe o engenhoso mecanismo de marcar as horas.
Ele logo entendeu, e dando sequência ao sorriso, estendeu-me uma das mãos.
Passei o relógio para ele, com todo o respeito, pensando que ele pudesse devolver por mim, a quem me presenteara.
Sem constrangimento, senti grande alívio no coração.
Quis perguntar por Maria de Nazaré, a quem eu tinha como mãe espiritual, mas a coragem falhou; entretanto, ele entendeu, e eu vi brilhar em seu peito uma luz que não sei como descrever: vi um coração batendo dentro do seu tórax, e dentro dele acontecer um milagre.
Eu vi, com toda a perfeição, o rosto de Maria, mãe de Jesus, na sua mais sublime postura de genitora, alisando os cabelos d'Aquele a quem chamamos A Luz do Mundo.
Alguns instantes e desapareceu a visão. José, com o relógio na mão, suspendeu-o e eu pude observar que dele saíam chuvas de bênçãos, e a chuva logo ia se transformando em pães, em remédios e em roupas.
Entregou-me o relógio e desapareceu, como por encanto.
Acordei assustado, guardando na mente a nitidez do ocorrido.
Nunca mais me esqueci desse sonho, sem contá-lo a ninguém, mesmo aos mais chegados a mim, porque tais sonhos eram frequentes e quem me ouvisse poderia interpretar como
fanatismo religioso, como aconteceu algumas vezes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2019 10:38 am

Eu tinha consciência de que não era isso, mas, sim, uma mensagem da Divina Providência, que usava símbolos para me dizer a verdade, de forma que eu pudesse trilhar nos caminhos certos, no silêncio da própria vida.
Entre a Terra e o Céu existem coisas que demandarão muito tempo para que os homens possam entender, sem o sofrimento dos condicionamentos religiosos...
Eu fiquei renovado nas ideias.
Poderia usar o relógio, por que não?
Porém, deveria saber transformá-lo em pães, remédios e vestes para os que sofrem.
Haveriam de surgir condições para que o milagre ocorresse, e o relógio passou a me servir muito, marcando certinho o horário em que eu deveria chegar nos trabalhos que assumira no Cabido Metropolitano, ajudando a resolver problemas de toda a diocese.
Certa feita, tarde da noite bateram na minha casa.
Como já era de costume de aparecerem pessoas à qualquer hora, me chamando para qual
quer eventualidade, não estranhei; abri a porta e eis que surge um homem com. grande família à porta.
Os filhos famintos e eles, os pais, esquálidos.
Pela presença, notava-se o quanto tinham necessidade de comer.
Fi-los entrar e pernoitaram comigo, alimentando-se com o que eu pude oferecer e fiquei muito alegre por servir àqueles irmãos em Jesus, no que eu podia ser útil.
Pela manhã, eles se aprontaram para partir, dizendo-me que deveriam seguir viagem em direcção a outro estado.
Como ajuda para carregar a bagagem, tinham dois jumentos, o que me fez lembrar de José, de Maria e de Jesus, quando partiram para o Egipto, por ordem angélica.
Lembrei-me logo do sonho que tivera, quando em aperto, sem saber se ficava com o relógio que ganhara do meu grande companheiro, e, antes da família partir, busquei o relógio e o ofertei com todo o desprendimento do coração.
0 senhor logo reconheceu que se tratava de uma jóia rara, quis recusar, dizendo que eu já os havia ajudado muito, que estavam todos alimentados, que dava para seguirem mais adiante, e que Deus os suprimia do necessário, em outra paragem. Fiz questão de que ele recebesse o relógio, e pedi para que fosse transformado em alimentos, enfim, no que precisassem, no que achassem conveniente.
Com muito custo, ele e a esposa receberam o relógio das minhas mãos, com lágrimas nos olhos.
Vi o homem ajoelhar-se soluçando, sem poder articular palavra, beijando minhas mãos, assim o imitando a mulher e os filhos.
Passaram-se dias.
Tarde da noite, batem novamente em minha porta, quando ainda não tinha me deitado.
Abri a porta; era um velho comerciante da nossa cidade, que me abraçou como de costume e foi dizendo:
— Padre, quantas horas em seu relógio?
Eu, para disfarçar disse ao amigo:
Devem ser mais ou menos tantas ...
E ele retrucou:
— Não! Quero ver no seu relógio!
Fiquei cismado, mas logo compreendi o assunto, e disse-lhe que o meu relógio fizera uma pequena viagem.
Ele, sorrindo, me disse:
— Pois já voltou! Aqui está ele.
Não faça mais isso, pelo amor de Deus!, disse-me, entregando-me o relógio, dizendo que o comprara de um viajante que deveria ser do Norte ou Nordeste do país, que chegara em sua loja com a família, puxando dois jumentos que carregavam a bagagem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2019 10:39 am

Aliás, disse-me ele, troquei mantimentos e outras coisas mais pelo relógio, que reconheci ser do senhor.
Fiquei muito enternecido com o comerciante, e quis beijar-lhe as mãos em reconhecimento à sua amizade.
Ele recusou, dizendo:
Padre, não faça isso!
Eu sou pecador, eu é que devo beijar as suas.
Lembra-se da minha menina?
Ela ficou curada da bronquite; quando o remédio não deu jeito, a sua bênção restabeleceu-a, graças a Deus!
Guardei o relógio, pensando no sonho em que ele era transformado em pães , roupas e remédios.
Eu tive a confirmação do acontecido.
Daí a poucos meses, chegou uma senhora aos soluços, me dizendo:
— Padre, o meu filho está à beira da morte.
Tenho em mãos a receita para salvá-lo, mas, o dinheiro para comprar os remédios eu não tenho.
Pelo amor de Deus, me ajude, no que o senhor puder!
E assentou-se na soleira da porta, desfazendo-se em lágrimas.
Fiquei comovido, como sempre, ao ver as pessoas chorarem, ainda mais quando a situação envolvia crianças.
Dei busca nos bolsos.
Estavam vazios, como sempre estiveram.
Lembrei-me do relógio.
Veio -me à lembrança a fala do comerciante, para que eu não me dispusesse mais dele.
Pensei, mas o coração não atendeu.
Esqueci-me do comerciante e tirei o relógio, entregando-o à senhora dizendo:
— Mesmo que seja uma coisa pela outra, leve o remédio para salvar seu menino; não pense duas vezes por isso.
O ouro vale muito mais quando salva alguém.
A mulher saiu correndo.
Daí a alguns dias, tive notícias de que o filho dela havia tido muitas melhoras, e, ao cabo de algumas semanas, ela levou o pequenino para me mostrar, restabelecido.
Demos graças a Deus.
Esqueci-me do relógio.
Com um espaço de tempo, quando eu já nem me lembrava mais do velho "Patec", apareceu-me em casa o farmacêutico, que não tinha o costume de me procurar, e passou a conversar comigo.
Conversa daqui, conversa dali, já quase a despedir-se, sacou do bolso o meu relógio, que me entregou, dizendo:
— Padre! Já não é a primeira vez que faz isso.
Não dê seu relógio a ninguém; isso é uma peça rara.
Este relógio é muito caro!
Ele é seu e o senhor precisa dele! E sorriu, brincando comigo:
^ Olha Padre, se o senhor fosse meu filho, eu lhe daria umas palmadas.
0 senhor é muito teimoso!
E partiu, acenando a mão de longe, sorrindo, sem nada exigir de mim.
Eu olhei para o relógio, lembrei-me novamente do sonho que tivera há tempos, e, o marcador de horas dizia-me sem palavras, que já passara da hora de dormir.
Obedeci, procurando a cama.
Apresentou-se certa vez lá em casa, uma família na qual dava para se notar o quanto a fome transforma as pessoas.
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Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia - Página 3 Empty Re: Páginas e Contos - IRMÃO HORTA - João Nunes Maia

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2019 10:39 am

Não aguentei, e entreguei àquela senhora, novamente, o mesmo relógio.
E esta foi directamente à padaria.
Trocou-o por pães e mais outras coisas necessárias a uma casa desprevenida.
O padeiro, ficando sabendo que o relógio era meu — alguém revelara para ele quem havia me dado aquele primoroso presente — foi ao encontro do venerando senhor que o tinha me ofertado e contou-lhe o caso.
Esse, tomado de certa fúria, e com razão, disse ao padeiro:
— Não entregue ao Horta o relógio.
Vou passar nele um aperto!
Apanhou o chapéu e a bengala, e partiu atrás de mim, que já me encontrava em casa.
Quando abri a porta, estranhei, pois ele nunca andava sozinho, ainda mais àquelas horas da noite.
Fiquei a cismar...
Ele entrou e começamos a "bater papo" sobre filosofia, já que ele era "mestre" nessa arte.
Eu aprendera muito com ele, que conhecia direito canónico com a maior profundidade.
Ele era, para mim, um verdadeiro guia.
E, na subtileza das suas emoções, não deixou transparecer que fora a minha casa para dar-me uma lição sobre gratidão para com as coisas que ganhava e, ainda mais, para com uma peça de que eu precisava para o próprio trabalho.
Conversa vai, conversa vem, quis despedir-se, mas antes que o fizesse, perguntou-me as horas.
Como eu me esquecera de que havia dado o relógio à mulher, enfiei a mão no bolso da batina, retirei o relógio e falei-lhe brandamente:
Doze horas e quarenta e cinco minutos.
Ele me olhou assustado, e pediu que eu abrisse a tampa do relógio, o que fiz com obediência, e lá estava escrito o meu nome, que ele mesmo havia mandado gravar.
Ele pediu desculpas e se pôs de partida.
Quis lhe acompanhar, mas ele não permitiu.
Saiu sozinho e foi directamente à casa do padeiro, por ter repugnância a mentiras.
O padeiro ouviu o que um mentiroso deveria ouvir, pediu licença, foi lá dentro e trouxe o relógio de ouro, mostrando-o ao, meu amigo.
Este, assustado, abriu a tampa e viu o meu nome que ele mandara gravar, e disse com os olhos molhados:
É, este é o relógio do padre. Desculpa-me.
Aquele homem é um santo!
Eu vim de lá agora e ele estava com este mesmo relógio; ainda fi-lo abrir a tampa.
Era esse mesmo que estava com ele!
Peço desculpas: pelo que fiz!
Daí a alguns dias, o padeiro chegava a casa me entregando o relógio, deixando-me com mais uma dívida para pagar.
Mas, o que fazer quando os recursos são poucos?
Que Deus me ajude a pagar todos a quem devo!
E é por isso que até hoje trabalho nessa região em que nasci, como soldado de Cristo, porque devo muito a essa gente, a esse lugar...
Aquele relógio me serviu tanto, que até hoje, quando eu encontro o meu querido mestre, que o ofertou a mim, beijo-lhe as mãos com gratidão, pedindo a Jesus para que o relógio do seu coração bata sempre no ritmo das ideias de Deus.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2019 10:39 am

30 - HOJE
Hoje é muito importante em tua vida.
Agora é muito mais!
Ser-te-ão dados os meios que a vida dispõe em teu favor, se quiseres ouvir a voz do Mestre...
Ele te chama!... de todas as formas, através de todas as circunstâncias, para te servir com todos os meios disponíveis que a tua evolução comportar...
Ele te chama! ... aqui e agora, mostrando-te os caminhos mais suaves e o entendimento mais correto, com pensamentos mais puros, com ideias mais elevadas e com exemplos mais concretos...
Ele te chama!... pelas companhias mais certas, pelas afinidades mais legítimas, pelos ambientes compatíveis com o amor.
Estuda, analisa e procura entender quem te chama e ouve quem te quer...
Ele te chama!... para a luz da razão.
Podes facilitar o que deves sentir de melhor, para a tua paz, para a tua concórdia, para a tua felicidade...
Não percas o tempo que te procura nesse espaço, não percas o espaço que te procura dentro desse tempo, e entende o que alguém deseja te falar...
Ele te chama!... para a vida.
Aquela que não conhece morte, que não conhece tristeza, que não conhece ódio, que não conhece violência, que obedece às leis da natureza.
Pára e pensa, pensa e pára; medita no que deves ouvir...
Ouve a voz da tua consciência em Cristo; ela é a tua mãe, o teu pai e o teu mestre...
Ele te chama! ... mas, já te chamou há milénios e vem te chamando todos os dias.
Ele deseja que os teus olhos vejam a luz da verdade, e deseja libertar-te de todos os entraves das trevas, gerados pela ignorância.
Não percas o tempo, esse que chamas de Hoje, e entende o que te falamos agora...
Ele te chama!... para que não percas mais as oportunidades de entender e servir, de perdoar e de viver a fraternidade, em todas as modalidades indicadas pelo amor.
Sê justo, na justiça de Deus.
Sê bom, na bondade do Senhor.
Sê caridoso, na caridade do nosso Pai Celestial, para que a tua vida seja a vida do Cristo, nas mãos do Criador...
Ele te chama! ... para que mais tarde tu chames os outros, e a cadeia de chamados se estenda ao infinito, em todos os mundos onde habitam as outras almas, tuas irmãs.
A tua vida vale muito, se ela reflecte a vida de Jesus.
Os teus pensamentos valem muito, se eles forem compatíveis com os pensamentos do Mestre...
Ele te chama! ... porém, não esperes que fique somente no chamado; deves passar pela senda que Ele passou.
Lembra-te de que Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida.
Quem não passar por Ele, o Cristo de Deus, não poderá sentir a verdadeira felicidade.
Vê o quanto vale para ti o Hoje, o Agora!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2019 10:42 am

31 - DEFUNTO QUE MOVEU OS BRAÇOS
Ocorrem muitos fenómenos espirituais na Terra; contudo, eles devem ser testados, ora pela razão, ora pela coragem, para não perdermos a confiança naquele que expressa a verdade.
O medo costuma nos mostrar o erro como acerto e a mentira como realidade.
Desde pequeno, ouço casos sobre aparições de almas.
Nunca duvidei que isso pudesse acontecer, mas os casos comprovados foram poucos.
Entretanto, não poderemos negar que tudo vem à luz.
E hoje nós sabemos que, para o espírito manifestar-se ou tornar-se visível para os homens, necessário se faz que ele use esse dom que se chama mediunidade.
O médium é um instrumento, e fornece algo para que o espírito se torne visível.
A literatura espiritualista é rica neste assunto, e explica como isso ocorre.
Eu próprio, quando estava encarnado, era um desses medianeiros, porque comigo aconteciam muitos e muitos fenómenos, já bem conhecidos de muitas pessoas, principalmente onde vivi.
Eu não tinha medo propriamente, mas receio de propagá-los, pela ignorância dos homens e pelas regras da Igreja, que eu deveria respeitar, mas, no íntimo do coração, eu os aceitava com toda a naturalidade.
Se o espírito pode encarnar, por que não tornar a voltar à carne?
Se ele pode deixar o corpo durante o sono, e mesmo com o fenómeno morte, por que não pode manifestar-se como espírito?
A própria Bíblia Sagrada está repleta destes factos; negar é querer torcer a verdade por conveniência, ou por pertencer à religião que não os aceita.
Como é difícil o homem ser livre!
Geralmente, as pessoas se fecham naquilo que acham ser o melhor para elas, esquecendo-se da universalidade.
Se Deus é o Todo Poderoso, se está em toda parte, por que pensar que Ele somente fica connosco, por vezes, atendendo e nossa ignorância?
Deus é Deus de todos, e Se expressa por meios diversos, para atender a todas as criaturas, nas suas mais subtis necessidades.
Enquanto existir disputa entre religiões, cada qual defendendo sua própria verdade, e querendo ser a eleita do Senhor, não desaparecerão os problemas e as dores da humanidade.
Nós mesmos é que criamos os nossos infortúnios, pela curta visão que temos da verdade.
Certo dia, quando eu terminava meus deveres no Cabido Metropolitano, já tarde da noite, desci para a rua, tomando o rumo da minha casa; porém, ao passar pela frente da catedral, observei as portas abertas.
Tive vontade de entrar para orar, gesto esse muito comum e que agradava o meu coração.
Senti-me feliz em pensar que poderia conversar com Deus antes de dormir, ainda mais dentro da casa, que servia para manifestarmos gratidão ao Senhor do Universo.
Ao adentrar a casa santa, notei algo incomum ao ambiente:
um caixão com um cadáver.
Aproximei-me sem temor, porque era de costume que todos os que morressem na cidade passassem a noite na capela, já que a igreja servia, também, de velório.
Avancei para o altar com a mesma tranquilidade de sempre.
Ajoelhei-me diante dele, e pus-me a rezar, mais ou menos nestes termos:
— Grande Deus do Universo!
Deus único que nos governa a todos!
Pai Incomparável, que não escolhe os filhos para amar!
Nós Te pedimos, em nome de Teu filho amado, Nosso Senhor Jesus Cristo, pela humanidade toda, que os homens, meu Deus, sintam amor no coração, e que esse amor possa ser transmitido para todos os seus semelhantes, para todas as criaturas viventes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2019 10:43 am

Meu Senhor, acabo de verificar quantos problemas existem, mesmo nó seio da Tua Igreja.
Quantos papéis passam pelas minhas mãos, por misericórdia do Teu coração!
E, quantos existem no mundo inteiro?
Somente Tu o sabes.
A discórdia avoluma-se por toda parte, e o desinteresse pelo Bem cresce em todos os rumos.
Eu Te peço que nos ajude a compreender o objectivo de tudo isso, e que possamos servir de instrumento para melhorar aqueles que nos cercam...
E que nós também possamos trilhar nos caminhos da verdade, e que a compreensão seja uma luz por onde passarmos.
A Igreja deve ser um Evangelho aberto, uma teoria fixada nas letras sagradas, e os representantes desta Igreja, um exemplo de tudo o que exemplificas dentro dessas páginas de luz.
Será, Senhor, que não somos nós os mais errados, porque, conhecendo todos os Teus preceitos, tornamo-nos um volume de imposições insuportáveis para os que nos seguem?
Ajuda-nos, Mestre, a corrigirmos a nós mesmos/para servirmos melhor!
Eu devo e quero tirar do meu coração o rancor, a inveja, o ciúme, a maledicência e o ambiente de mando, para ser um servo de todos, na presença do amor que sublima a vida.
Dentro desta igreja, meu Deus, está mais um a entrar para a eternidade.
O seu corpo nos parece morto, entretanto, o espírito vive para sempre.
Abençoa, Senhor, este nosso irmão, para que ele fique ou vá para o lugar que a Tua bondade determinar.
E eu, este frágil sacerdote, peço a Tua bênção, para melhor entender a Tua vontade. Amém!
Graças a Deus senti no clima da oração, um bem-estar indizível.
Levantei-me, olhei para o caixão, e pude observar certos movimentos nos braços do defunto.
Veio logo à minha mente vaidosa, que talvez fosse a minha oração acordando o morto novamente para a vida, porque isso não era impossível.
Jesus não ressuscitou Lázaro, depois de quatro dias de morto?
E os braços continuaram a mexer.
Pensei mil coisas em seguida, e a última foi chamar o sacristão, que dormia na própria igreja.
Foi o que fiz imediatamente.
Ele acordou, assustado, e narrei o caso para ele: o susto foi maior.
Começou a tremer, e eu, com a presença dele, fiquei bem mais animado e disse:
— Suba lá e veja o que é aquilo.
Nessa época, o caixão ficava suspenso, para melhor ficar resguardado o falecido.
E era costume as pessoas passarem a noite com quem morrera; entretanto, naquela noite não havia uma viva alma sequer; somente o morto e nós dois.
O sacristão, sem parar de tremer (eu nunca vi tanto medo assim), me disse:
— Padre, eu faço o que o senhor me pedir, mas o senhor vai me desculpar!
Subir lá para olhar isso eu não vou não.
Eu vou é embora para casa!
Eu não tinha medo, mas diante da tremedeira dele, comecei a sentir uma coisa esquisita no corpo, porém, reagi, com a confiança em Deus.
Eu estava me esquecendo que ali era uma igreja!
Falei sério com o sacristão:
— Bem, já que você não vai olhar o que está acontecendo, pelo menos fique aqui e não saia!
Ele me respondeu quase sem palavras:
H- Sim, senhor, sim, senhor!
Mas, olhava demais para a porta da igreja.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2019 10:43 am

Notei que iria ficar sozinho a qualquer momento.
Arranjei um banco para eu subir, e levei a mão dentro do caixão, para chamar o defunto, porque poderia ter sido um ataque o que ele tivera, e que havia sido tomado por morte, casos que a gente ouvia muito na região.
Contudo, eu estava todo arrepiado, dos pés à cabeça.
A gente mesmo não conhece a gente; só na hora do testemunho é que começamos a nos conhecer de verdade.
O medroso nos empresta alguma coisa de si, que nos toca profundamente.
De vez em quando, vinha a minha cabeça que aquilo poderia ser um milagre.
Mas, como eu fazer milagre, sem condições, daquele jeito?
O ambiente não era de serenidade; era só agitação.
O meu coração estava mais calmo, mas, o do sacristão era de fazer dó, parecendo que ia saltar do peito.
Tive medo dele morrer; no entanto, era preciso que ele aguentasse até o fim da história.
As minhas mãos estavam frias, bem como os pés, que já tinham certa tendência para isso.
Notava, pela audição, que algo lá dentro do caixão se
mexia com frequência. Tive ímpetos de chamar mais gente, mas, e a minha honra de padre, acostumado com vivos e mortos? Seria uma calamidade ...
Pisei, finalmente, no pequeno tamborete, para subir, mas, com os olhos no companheiro.
E como a minha atenção estava mais no sacristão do que naquilo que deveria fazer, pisei em falso, e o tamborete rodou comigo.
O sacristão avançou para ir embora, entretanto, eu ainda o peguei pela camisa, dizendo:
- Fique, meu irmão, nós somos dois.
Ao tocar nele senti que aquela alma estava mais longe talvez, do que o próprio defunto.
Ele estava gelado.
Se fosse o caso, eu deveria ter medo era dele.
Tirei Um velho rosário do bolso e dei ao companheiro, dizendo:
— Vai rezando isso aí, enquanto eu subo para verificar este, facto.
E consertei o tamborete, vendo que ele passava muitas contas do rosário sem perceber; misturava Pai Nosso com Ave Maria e vice-versa.
Eu já, havia ouvido orações que somente saíam da boca, mas aquela tirava o primeiro lugar.
Contudo, ele se entretinha mais ou menos com o rosário nas mãos, e podia permanecer de pé.
Subi no tamborete, também orando, e enfiei a mão para pegar no braço do defunto e chamá-lo com energia.
Fixei tanto Jesus Cristo em minha mente, que fiquei muitos dias com o quadro na cabeça, sem que aquilo saísse.
Quando peguei em seu braço e chamei-o em voz alta, em nome de Deus, vi que duas coisas saíram de dentro do caixão de uma vez, passando por cima' de mim e caindo na cabeça do sacristão: eram duas ratazanas enormes.
Ele deu um grito, que pareceu estourar a minha cabeça, e saiu correndo.
Nunca mais veio à igreja. Várias vezes eu quis procurá-lo, mas, quando ele notava que era eu, desaparecia.
Aquele quadro me pôs a pensar o quanto o homem sofre por medo, e quantas pessoas morrem somente de medo, em todos os aspectos da vida.
A lição maior foi para mim.
Pude saber que eu, como sacerdote, também tinha medo.
Estava querendo enfrentar o problema, mas não queria deixar o sacristão ir-se embora.
Conheci um bispo famoso, cheio de qualidades que eu nunca possuí.
Era um orador que não cansava os ouvintes, que levava vida completamente recta nos seus deveres, enérgico quando deparava com erros e manso quando o coração pedia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2019 10:43 am

Não obstante, podia estar na hora da maior alegria, mas, se ele visse uma lagartixa, ou pelo menos o pronunciar desse nome, acabava-se o dia para ele.
E até os sonhos eram tumultuados.
Os ratos me deram uma lição e me despertaram para grandes coisas...
Comecei a estudar essas fraquezas humanas e os modos pelos quais deveria combatê-las.
Sobre algumas, tive resultados surpreendentes.
Depois que passei para o plano espiritual, compreendi as raízes de todas essas fraquezas:
é o nosso passado influenciando muito, mas muito mesmo, no presente, todavia, o nosso esforço no sentido de nos libertarmos, serve muito.
Freud deu sinal sobre a cura dessa doença psíquica, que o futuro haverá de completar em se aceitando a reencarnação, verdade das verdades, que nos mostra a justiça de Deus.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2019 10:43 am

32 - VIVEMOS JUNTOS
Estamos vivendo juntos, dentro de um turbilhão de gente e coisas indescritíveis.
Essa é a nossa casa comum, esse é o planeta que habitamos.
Ele, de certo modo, constitui uma das maravilhas do Universo, pelo aspecto natural de sua existência, pela harmonia de suas inumeráveis evoluções, pela mecânica que obedece e pelas leis que respeita, na sua organização intrínseca.
A Terra é um berço esplêndido, que viaja no espaço em companhia de outros que o cercam, seguros pela engenhosa lei de atracção.
Entretanto, fazemos parte de uma família enorme, onde a razão avança e domina, e bilhões de criaturas encarnadas e desencarnadas vivem dentro de um padrão que conquistaram pelas mãos do tempo e do espaço.
Eis que a mente humana, na faixa em que se encontra, desenha no seu próprio caminho as dificuldades que precisa superar, e sofre as consequências das sementes que escolheu mal, na semeadura por onde passou.
A terra se dividiu em países, e este em estados e municípios, aldeias e lares.
E somos colocados, quando nascemos, no lugar certinho, pela lei de sintonia, no resgate daquilo que fizemos no passado, ou por necessidade evolutiva.
Abençoemos o lugar que nos recebeu por misericórdia de Deus e façamos dele a nossa casa, o nosso lar, e trabalhemos juntos a todos, ganhando o tempo e servindo-nos dele como mestre.
Nem sempre ficamos onde nascemos, mas nascemos no ambiente em que devemos surgir.
Se quisermos fugir de pessoas ou coisas que não nos fazem bem, em determinado lugar a que fomos chamados a servir, aonde quer que formos encontraremos as mesmas coisas e idênticos personagens, revestidos de outras formas, mas que nos pedem as mesmas coisas, que requerem de nós a mesma compreensão e, se for o caso, usarão da mesma violência aos nossos direitos.
Não podemos nem devemos transferir o nosso fardo para o outro, porque ele é nosso e os outros já têm os deles.
Confiemos em Deus que, à medida que avançarmos, aliviaremos o fardo e suavizaremos o jugo, se obedecermos à lei que nos pede compreensão, tolerância, amor e, acima de tudo, exemplos de bons costumes.
Não podemos viver separados uns dos outros, em nenhuma parte do Universo.
Onde se encontra um, se reúnem muitos.
É uma lei que induz todas as criaturas, é uma força que une todas as coisas, do vírus aos mundos, dos homens aos anjos.
Eis porque o nosso dever de encarnados e desencarnados é aprender a viver juntos, sem atritos, sem distúrbios, sem discórdia, procurando a mesma harmonia que existe no Universo.
Jesus foi o ponto desta harmonia e sintetizou todas as leis de Deus em um punhado de conceitos divinos, registrados pelos apóstolos como o Evangelho.
Para tanto, Ele precisou descer dos altiplanos da vida espiritual, ao chão em que nos encontramos...
0 Evangelho é o reformador das criaturas, é o indicador de todos os caminhos que nos levam à felicidade, aquela que poderemos conquistar juntamente com todos, dentro do mesmo barco.
Repetimos: não podemos viver sozinhos em tempo e em época alguma.
Como aprender a viver em conjunto, vivendo em paz?
Existe uma senda bem mais segura do que poderíamos pensar, e esse caminho é o do Amor!
Quem ama, vive junto de tudo e de todos, cantando a canção da alegria, inspirado na força da verdadeira fraternidade!
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