LUZ ESPÍRITA
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Dor Suprema - Victor Hugo/Zilda Gama

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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:44 pm

- Não vos iludimos, senhores! - exclamou Pedro, com doçura e tristeza
Eu vos afirmo que a harpa será o nosso ganha-pão, o sustento de nossa vida... com a graça de Deus.
Tempo virá em que haveis de mudar de pensar, arrependendo-vos por haverdes posto vossas aspirações somente nas coisas da Terra...
- Que nos importa o futuro e o que desconhecemos?
Venha de lá a bolsa e não percamos tempo com inutilidades?
Calai-vos, aporá, se não quiserdes perder a vida, pois sabemos provar-vos se ela depende de Deus ou de nossos punhais...
Achámos inútil qualquer outra ponderação com aqueles desventurados pecadores, e nunca eu compreendi, tão nitidamente, como naqueles momentos, a necessidade que há-de respeitarmos o alheio, os direitos sagrados de nossos irmãos.
Confesso-vos, queridos pais, foi com alívio que vi passarem às mãos daqueles infortunados sicários o restante dos haveres dos Filhos das Sombras, os quais do mundo só conhecem e conheceram o Mal, o dinheiro e a revolta contra a sociedade!
Sentimos que um enorme peso se havia deslocado de nós ambos para aqueles aventureiros, que, quanto mais encherem a bolsa, mais vazia lhes fica a alma imortal, eterna e imperecível.
Eles a empobrecem, para somente acreditarem no que vale tanto quanto um punhado de cinza atirado ao curso de um vendaval: o dinheiro!
Por instantes, que me pareceram horas, aguardei a sentença dos lábios daqueles desgraçados sicários, reflectindo na torpeza do latrocínio.
Achando pouco o que lhes havia entregue, quiseram inspeccionar o interior da sege, o que fizeram com rapidez e ansiedade.
Nada mais descobrindo, deram-se por satisfeitos, dizendo-nos, com escárnio:
- Somos valentes e não costumamos atacar aleijados.
Estais livres, com a harpa, mas a Roma irá um emissário nosso, para verificar se não burlastes a nossa boa fé...
Ai! de ambos, se estiverdes mentindo!
Aqui voltareis, ou lá iremos; e, no caso de burla, sereis forçados a pertencer ao nosso bando invencível!
- Será preferível que nos tireis a vida, pois, no caso contrário, mataríamos de desgosto a nossos pais! - exclamou Pedro, em um ímpeto de revolta, com os olhos brilhando.
- Se não fosses um imprestável, um inútil, um morto-vivo, nós saberíamos punir o teu orgulho, mendigo! - retrucou um dos malfeitores, rangendo os dentes de raiva incontida.
- Sou inútil para vós, amigo, mas não para Deus...
- E em que 'servirás tu para Deus, se é que Deus existe ?
- Para trabalhar na Seara Divina, fazer o Bem, recebendo o Mal, estancando lágrimas, arrancando almas... do abismo do crime, encaminhando-as para o Céu!
- És louco ou cristão? garoto!
- Discípulo de Jesus!
- De que te tem valido o teu Jesus, na vida?
Não és cego?
Porque te não concede Ele a vista?
Porque precisas de trabalhar, cego assim, para não morreres de fome?
- Para remir os meus crimes do passado; para adquirir mérito perante Deus, que não ama os ociosos, e sim os que vivem do seu trabalho honesto.
- Não nos insultes, garoto, pois de outra forma não responderemos por tua vida!
Não necessitamos de teus conselhos.
Preferimos arranjar fortuna, facilmente!
Só os loucos e os imbecis é que trabalham.
Nós herdamos... o que constitui o fruto de seus sacrifícios!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:44 pm

- Foi por haver pensado assim no passado... que agora nasci cego! - tornou Pedro, com humildade comovedora, e com tanta tristeza em sua expressão, que o salteador se aproximou para, quiçá, melhor gravar na mente o seu rosto pálido e merencório.
- Agora chegou a vez de mostrares que não tens senso...
Já foste acaso bandoleiro, antes de teres nascido?
A esta hora, neste deserto, francamente, as tuas maluquices divertem!
- Os delitos que se praticam, amigo, nunca deixam de ser punidos - pelos magistrados da Terra ou pelos do Céu!
A vida não termina na sepultura, como supondes, mas prolonga-se pela Eternidade afora!
Temos que resgatar todos os erros que já praticámos:
eis porque nascemos infelizes, parecendo que somos inocentes, que estamos isentos de máculas!...
E' por esse motivo que nascemos cegos, defeituosos, mudos, deformados; porque, embora estejamos deslembrados do que já fizemos, essas lacunas da Natureza... revelam que fizemos mau uso dos olhos, das mãos, ou da voz..
- Estamos fartos de te ouvir, garoto, e não penses que te vamos dar crédito...
Nós, seres normais, só acreditamos no que nossos olhos enxergam, e que o nosso futuro será este: o corpo, de que ora nos utilizamos, desaparecerá no sepulcro, devorado pela terra, sempre faminta!
Só contamos com o presente e com o dinheiro.
- Já pensei da mesma forma, amigo; hoje, porém, bem vedes que todo o ouro da Terra não poderá comprar uma gota de luz para meus olhos cheios de trevas!
Compreendeis que o dinheiro não pode comprar a vista nem a paz da consciência?
-- Cada um segue o destino que quer!
- Podemos modificar o nosso destino, conforme o nosso proceder.. .
- Porque, então, és mais desgraçado do que nós?
- Porque sofro as consequências do passado cheio de crimes!
Porque já errei muito, ceifei muitas vidas preciosas, causei muitas dores, e não mereço ainda a felicidade que Deus concede aos bons e aos justos, em lugares isentos de sofrimentos. . .
- Basta! Já ouvimos mais do que costumamos!
Estamos habituados a não dirigir a palavra aos viajantes...
Mandai fustigar os cavalos e desaparecei de nossa vista...
para não sermos tentados a fazer-vos calar para sempre... a fim de ficarmos com a sege e as alimárias. . .
- Obrigado! Deus que vos recompense por vossa generosidade!
Ainda nos encontraremos... no futuro eterno de nossas almas! Boa noite, irmãos!
Irmãos! Esta expressão do compassivo Pedro parece-me que emocionou, profundamente, os filhos das trevas...
Não sei se me iludi, adorados pais, vendo um estranho fulgor nos olhos dos salteadores, que mais próximos se achavam do carro...
Disse-me Pedro, que, naquele momento, sentiu dele abeirar-se um ancião, e estas palavras lhe foram segredadas:
- "Pedro, é tua missão, na Terra, conquistar os desditosos transviados do Bem para levá-los ao carreiro da virtude e da honra!
Lançaste em suas almas torvas a semente luminosa do amor fraterno.
Deus abençoará os teus esforços e os de teu companheiro de peregrinação!"
Eu, confesso-vos, quando vi nossa vida em perigo, ao acercarem-se de nós os malfeitores, meu primeiro ímpeto foi o de empunhar a arma que trouxemos connosco, defendendo-nos e ao que trazíamos na sege, mas algo de imperioso me tolheu o mau impulso e lembrei-me de vossas palavras, quando me entregaste o mosquete:
- Não são as armas homicidas que nos protegem, mas os Mensageiros divinos, nos quais deveis confiar, sempre, por mais angustiosa que seja a vossa situação!
Esta arma servirá, apenas, para intimidar algum malfeitor.. .
Vede, pai, como se realizou a vossa previsão no acontecimento que ora vos relato.
Permita o Redentor que, no decorrer de nossa existência, possamos ter ensejo de encaminhá-los à Senda da Luz, aonde nos conduzistes, com os vossos salutares conselhos e proceder irrepreensível!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:44 pm

Atingimos a meta de nossa viagem, sem outro incidente digno de referência, e já estamos instalados em modesto aposento, ainda muito fatigados, mas com a alma tranquila, em véspera de tomarmos parte em um festejo nocturno. Aproveitamos, para vos levar esta carta, um viandante que se dirige a Florença, com o qual nos relacionamos em uma das hospedarias durante o trajecto.
E' mister que o gratifiqueis, com generosidade.
Vai, à margem desta, a direcção exacta de nosso abrigo, para o qual podeis enviar-nos os vossos afectuosos pensamentos.
Vamos iniciar os nossos trabalhos musicais e de pintura, na semana vindoura.
Pedro tem composto diversas melodias, mais merencórias do que as que já conheceis, pois é a saudade que as inspira.
Assim que nos for possível, mandar-vos-emos as nossas impressões sobre a nossa estreia, em uma casa de diversões públicas, para a qual fomos contratados.
E' preciso que muitos se divirtam a custa de nossas mais pungentes amarguras, a fim de que possamos suavizar as alheias...
Eis o nosso destino!
Osculam-vos as mãos queridas, bem como as da inesquecível tia Júlia, os muito saudosos, sempre amigos e filhos extremosos - Plínio e Pedro".

(8) Júpiter ou Zeus, o pai e o soberano dos deuses, na religião dos gregos e dos romanos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:44 pm

CAPITULO XXVI
A chegada daquela carta dos ausentes estremecidos levou um raio de alegria às almas sensíveis dos habitantes do Solar das Sombras.
Mais alguns meses decorreram sem que novas notícias lhes chegassem às mãos.
Finalmente, após muito esperar, e quando Esténio já havia tomado a deliberação de ir a Roma, um peregrino lhes entregou uma segunda missiva, cuja data era muito anterior à da entrega.
"Aqui vão, queridos, as nossas mais recentes notícias, depois de recebermos as expressões carinhosas de vossos corações: estreámos com êxito, no Paraíso das Rosas, casa de diversões em que executámos, diariamente, as nossas melhores composições, que têm sido intensamente aplaudidas.
Eu e Pedro, no dia da estreia, apreensivos e antevendo um fracasso para ambos, lembrámo-nos muito de vós, desejando que aqui estivésseis para nos encorajar e lenir os nossos corações .
Oramos, porém, com veemência, como sempre, nos instantes aflitivos, e Deus não nos abandonou, antes, coroou de êxito os nossos esforços.
Já nos vamos relacionando, nesta famosa e antiga Roma; e não podeis compreender o contraste que há entre os que se divertem e os que sofrem em mansardas infectas, ou os que oram nos subterrâneos sombrios, voltando os pensamentos para o Criador do Universo.
Temos, queridos nossos, descido às criptas asfixiantes, distribuindo o que pudemos salvar - com a protecção dos amigos invisíveis - quando fomos assaltados por cruéis salteadores...
O que nos resta, porém, já é pouco; e, se não fora o fruto de nossos labores, não teríamos mais o indispensável para a nossa manutenção.
Quando, porém, nos enviardes algum recurso pecuniário, não o façais prodigamente, pois não queremos suscitar a cobiça alheia nem que nos faciliteis ensejo de repouso...
Já passamos por amaríssima decepção: fomos contratados para divertir os convivas de um potentado romano residente em Nápoles; quando, porém, começámos a executar as nossas melhores composições, merencórias reminiscências dos tempos idos, sentindo-nos alheios em uma sociedade corrupta e ébria de libações deliciosas e de gozos impuros, alguns assistentes disseram-nos, com arrogância:
- Não estamos, aqui, para chorar, e, sim, para nos deleitarmos!
Se não sabeis outras músicas, roubastes o nobre Marcus, que vos contratou para que nos divertísseis e não para que nos entristecêsseis!
- Não devíeis, senhores - murmurou Pedro, emocionado - esperar que dois desditosos vos fizessem alegres e felizes!
Só sabemos expressar o que se oculta a vossos olhos e existe em nossos corações: a Dor!
- Que nos importa o vosso sofrimento?
O que queremos é fruir os gozos da vida!
- Permiti, então, que nos retiremos, senhores?
- Não, porque necessitamos de quem execute músicas, para nosso prazer! Se daqui sairdes, depois de nos haver burlado, caro pagareis a ousadia:
Marcus mandar-vos-á encarcerar .
- Mas nós não praticamos crime nenhum!
- Então julgas que os pariás estão isentos do chicote e do cárcere?
- Perante Deus todos merecem a mesma Justiça!
-• Mentes, cego insolente! Somos diferentes em tudo: física e socialmente falando!
- Deve existir uma causa que ignoramos agora! - respondeu Pedro, com a voz trémula de emoção.
- És tu o ignorante; não eu; pretensioso!
Os deuses fizeram, a seu talante, bons e maus, ricos e pobres, nobres e plebeus, para que não tivessem todos as mesmas pretensões nem se julgassem com os mesmos direitos, como pensam os imbecis, em cujo número tu te encontras!
- Não é ser imbecil desejar justiça e igualdade de condições ... o que deve existir nos planos superiores do Universo!
- Quem sabe o que existe, depois de nossa morte?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:44 pm

Deixemos as conjecturas inúteis!
Nós exigimos que ambos executem músicas alegres sem o que serão vergastados por ordem de Marcus!
Quem sabe se não sois cristãos, ousados pariás?
Nós havíamos sido contratados, por um amigo, para certo festim então realizado em Nápoles, onde nos achávamos havia dois dias.
Tão logo foram proferidas aquelas palavras pelo arrogante conviva de Marcus, estranho rumor se fez ouvir, parecendo ululo no interior do solo; e, logo, como um carcinoma de fogo, incendiou-se o Vesúvio, arrojando chamas e lavas, em proporções assustadoras!
Estabeleceu-se grande confusão.
Eu abracei o pobre Pedro, que me disse, emocionadíssimo:
- Eis a resposta àquele infeliz!
Vamos morrer, por certo, Plínio!
Oremos, aqui mesmo, por todos os nossos companheiros na hora suprema!
Lembremo-nos de nossos pais e de tia Júlia, que terão nosso derradeiro pensamento na Terra...
Lembremo-nos de Jesus... que dulcificará todas as nossas amarguras!
- Sim querido Pedro!
Vamos, porém, tentar salvar a nossa vida nesta confusão!
Arrastemos a harpa - a asa morta, que nos auxilia a ganhar a vida!
Com esforço inaudito, pudemos fugir e caminhar, arrastando nosso fardo precioso.
Ao amanhecer, já se ouviam longe os uivos do Vesúvio.
Eis-nos, por isso, há dois dias, de regresso de Nápoles, cuja recordação nos é extremamente penosa. ..
Fomos forçados, pelas circunstâncias prementes de nossa nova situação, a compor canções e músicas menos dolorosas, evitando dissabores...
Há algumas que desejamos sejam ouvidas por vós, mormente as que designamos pelos títulos de Sorrisos dos desditosos e Recordações que consolam.
Ainda este mês haveis de receber notícias nossas".
Uma terceira mensagem chegou ao Castelo das Sombras, enviada pelos ausentes queridos:
"Muito nos comovemos ao dirigir-vos esta portadora de nossas notícias e de nossas saudades...
A nossa vida cada vez se torna mais penosa, embora útil aos desventurados.
Temos recebido, pelo nossos trabalhos artísticos, quantias que nos garantem o sustento, as quais, acrescidas às que costumais remeter, permitem que tenhamos a nosso cargo mais lares, onde a penúria se alojava com tirania impiedosa...
Temos tomado parte em reuniões cristãs, nas sombrias catacumbas.
Há três dias, no meio de absoluto silêncio, enquanto orávamos, Pedro, transfigurado, ergueu o braço direito, e falou, como um inspirado dos templos de Delfos:
- "Jesus está connosco, irmãos!
Eu, que sou cego, estou inundado de uma luz astral, que desce das regiões serenas do Universo, para abençoar os que sofrem, os que seguem o Mestre de Nazaré, os que pregam sua doutrina confortadora!
Que importa o martírio, a luta, a perseguição, a injustiça, se, após todas as pelejas, após todos os suplícios, Ele nos abre os braços de névoa radiosa, e nos acolhe em seu seio onde palpitava um coração de luz!
Ajoelhemo-nos, irmãos, para receber a dádiva celeste de sua bênção luminosa!"
Temos, assim, distribuído o tempo entre os labores que nos auxiliam a ganhar o pão cotidiano, as partilhas de pequenas dádivas aos que se acham em penúria e os deveres cristãos".
Sucediam-se as mensagens de Plínio, narrando todos os sucessos que com ele e o irmão ocorriam.
Para que não se esgotassem os haveres que seus genitores lhes remetiam, aumentavam o trabalho mormente os de menestréis nos festejos nocturnos, nos quais passaram a tomar parte.
Pedro tinha organismo débil, e sua saúde se alterava com frequência, mas, ainda assim, não poupava esforços.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:47 pm

Embora os dois irmãos residissem em um bairro dos mais modestos de Roma, onde eram muito procurados, precisavam multiplicar as actividades para atender aos que os contratavam.
Certo dia, disse Pedro ao irmão:
- Hoje temos menos compromissos...
Quero que me conduzas ao Coliseu.
Andaram por algum tempo, até que Plínio, tocando-lhe no braço esquerdo, disse, com tristeza:
- Eis-nos chegados, Pedro, ao local sinistro onde inúmeros seres humanos, e mormente os cristãos, têm sido supliciados, como verdadeiros heróis de resignação sublime, propagando, desse modo, com intensidade a doutrina do Mestre de Nazaré!
- Quem sabe se não terminaremos, aqui, nossa penosa existência, Plínio? - respondeu o ceguinho, com ansiedade; e, talvez, com desejos veementes de que tal sucedesse, para apressar o seu progresso espiritual.
- Não o sei, Pedro, meu amigo e companheiro de cativeiro terreno.. .
Constringe-me o coração este local tenebroso, de eterna recordação em todas as almas que desceram à arena da vida...
Dir-se-ia... que já ocorreu algo de aterrador comigo, neste macabro recinto.
Não nos demoremos aqui, Pedro!
Pressinto que o meu Espírito, arrastado ao abismo do passado, vai devassar tempos idos e desvendar crimes que já presenciei, nesta arena.
Parece-me haver neste recinto um oceano de sangue, prestes a asfixiar-me, e que só eu vejo; que aqui permanecem falanges de espectros, braços erguidos ao Céu, bradando justiça ao Omnipotente...
Sou um dos que vão ser julgados, e por isso estou apavorado!
Fui impelido a este local por uma força imperiosa, e, agora, para que não fraqueje, ou cometa uma loucura, tenho necessidade de orar, para conforto do meu coração alarmado!
- Tens razão, Plínio.
Eu vi, com os olhos da alma, tudo o que acabas de dizer-me... e, coisa inexplicável, para mim!
Sabes que mais notei?
Numa das tribunas, semilouca, nossa adorada mãe, e, na arena ensanguentada, o cadáver de nosso querido pai!
Será o passado ou futuro que acabámos de ver, espiritualmente?
- Pressinto que já aconteceu.
- Bem haja o Criador, concedendo-nos a compreensão do que fomos.
- Fujamos do Coliseu, Pedro!
Temo enlouquecer!
Tenho necessidade de orar... para esquecer este local sinistro!
Saíram os dois irmãos do recinto apavorante, onde centenas de criaturas humanas já haviam sido chacinadas pelos adversários da Luz, dirigindo-se ao humílimo abrigo que ocupavam.
Naquele dia, tinham que tomar parte em um festival a realizar-se no palácio de opulento patrício romano.
Chegando ao desguarnecido lar, alçaram o pensamento a Jesus, rogando-Lhe conforto e auxílio, e ensaiaram os números musicais do recital nocturno.
O círculo de suas relações aumentava, quase que diariamente.
Tinham a seu cargo diversos desamparados, mormente crianças, enfermos e anciãos.
Pedro, que não os via, já os conhecia pela voz, e quase sempre era inspirado a dizer-lhes algo de confortador.
Uma vez, na presença de um ancião, cujo estado de saúde era grave, Pedro, disse, com tristeza:
- Meu irmão, terminas, agora, uma existência abençoada, pois tiveste ensejo de resgatar muitos dos teus delitos... alguns dos quais já olvidaste...
Lembras-te, acaso, de quando eras opulento e vergastavas os escravos que se achavam sob o teu jugo despótico?
Lembras-te do quanto te ufanavas de teus cabedais e como desprezavas os humildes e os esfarrapados ?
- Como sabes que isso se passou comigo - se não me conheces senão há poucos dias... e ainda não te fiz nenhuma revelação sobre a minha vida?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:47 pm

- Vejo o teu passado... à luz dos olhos de minha alma, irmão!
Sou cego dos órgãos visuais, mas meu Espírito vislumbra o futuro, e devassa o passado.
- Diz, então, o que me aguarda no porvir!
Tenho ânsia de o saber!
- Mudança de situação...
Virás à Terra sob a protecção de um dos luminares do Céu!
Vais trabalhar na Seara do Senhor, e muitas bênçãos conquistarás...
- E ainda reaverei os meus tesouros, como os tive outrora? - interpelou-o o ancião, com avidez.
- Quem deseja conquistar o ouro divino... não se deve preocupar com o ouro das jazidas, que, muitas vezes, arrasta ao abismo dos mais negros crimes!
- Mancebo, auxilia-me a conquistar o ouro do Céu! - exclamou ele.
Pedro, piedosamente, sentado a seus pés, em humilde leito, deu-lhe edificantes instruções, que lhe confortaram o coração, proporcionando-lhe novo alento.
Plínio, que também o escutava com crescente interesse, disse-lhe:
- Pedro, meu querido irmão, és um inspirado de Jesus!
Pedro calava-se, humildemente, murmurando, às vezes:
- Se há fulgor na minha palavra, Plínio, este deve provir do radioso ancião, que me aparece sempre, inspirando-me o que expresso por meio da palavra. ..
Inúmeras foram as conversões ao Cristianismo que o humilde ceguinho conseguiu, por meio da palavra.
Reuniam-se, às vezes, em um subsolo abandonado, nos arredores de Roma, diversas criaturas desalentadas, a fim de receber ensinamentos e auxílio monetário que pudesse minorar-lhe as agruras da vida.
Dentro em limitado tempo, os filhos de Esténio tornaram-se populares na grande metrópole cesariana.
Convidados para executar as mais formosas composições daquela época, apresentaram-se, certa vez, na encantadora habitação de um senador patrício.
Aproximando-se do local, Plínio sentiu-se abalado por um tremor convulsivo.
Julgando-o enfermo, deram-lhe um cálice de falerno para o reanimar, e, alguém, fazendo reparo em suas modestas vestes, disse, penalizado :
- Quem sabe se ele está faminto?
- Não, respondeu Pedro, com humildade; nós trabalhamos o suficiente, e temos sempre o pão de cada dia!
- E' então um doente? Porque aceitastes o compromisso de vir tomar parte no festival de Caio Flávio?
- Nós saberemos cumprir o contrato - disse Pedro, com ânimo sereno.
Nesse ínterim, Plínio segredou-lhe:
- Já melhorei, Pedro, e, graças à protecção de Jesus, podemos cumprir o contrato...
- Mas, que sentiste, Plínio, que te causou uma palidez cadavérica, como disseram os circunstantes?
- Uma sensação indefinível, de angústia e compunção!
Quando chegarmos a casa, dir-te-ei.
Reanimado Plínio pelo vinho generoso, dentro em poucos instantes os dois irmãos executaram admiráveis melodias, que foram aplaudidíssimas.
Plínio pôde narrar o que com ele se passara:
- "Não sei expressar, fielmente, o que ocorreu comigo, quando penetrei naquele local festivo...
Sei apenas que fui presa de um aturdimento, ou antes, de um esvaimento de meu próprio ser... como se minha alma se estivesse extravasando por meus poros...
Enquanto me reanimavam, ouvi alguém murmurar dentro de mim mesmo, como de Espírito para Espírito:
- "Eis o local onde cometeste os mais nefandos crimes!...
Tirano, que foste, aqui subiste a escaleira do crime, da vingança, da barbaridade!
A habitação onde te achas, recentemente reconstruída, relembra cenas apavorantes!
Se o sangue que aqui foi derramado pudesse hoje ser reunido, chegaria para asfixiar todos os convivas que estão aqui...
Vê como a Justiça divina é íntegra e infalível!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:47 pm

Vês, agora, invertida a situação de potentado, feito simples cantor ambulante, igual a um desventurado menestrel... que apunhalaste, outrora, jogando-o no tanque das vorazes moreias, somente porque teve a ousadia de decantar a formosura da que usurpaste aos carinhos de um noivo que desventuraste!"
Julguei, ver, então, Pedro, um jovem ensanguentado, com o coração fendido e, logo após, diversos espectros, em atitude ameaçadora, atirando-me uma névoa denegrida, que me penetrava nos poros, causando-me uma sensação indefinível, de dilaceramento ou de intoxicação. ..
O meu terror foi tão intenso ... que dei graças a Jesus por haver perdido os sentidos!.
Graças sejam rendidas ao Mestre bem-amado e ao Criador por nos haverem concedido esses conhecimentos preciosos .
Entristecidos, voltaram ambos ao tugúrio em que viviam; e, durante alguns dias, Plínio permaneceu enfermo, febril e desalentado.
Por vezes erguia-se do leito, dizendo, com os olhos desmesuradamente abertos:
- Vejo, Pedro, eles vieram até aqui...
Zombam de meu sofrimento, riem-se das minhas torturas...
Meu martírio atinge ao auge, quando me apresentam, morta por enforcamento...
nossa adorada e formosa mãe! Sinto a boca ressequida e amarga e eles me dão taças de sangue para aplacar a sede abrasadora, que, então, recrudesce, requeimando-me o coração e a própria alma!
- Vou expedir um portador, Plínio, chamando nossos pais, para que tenhas mais conforto e possas ser tratado convenientemente ...
Teu estado não me parece bom, Plínio...
- Não, Pedro, não provoques o nosso regresso...
É mister que fiquemos aqui mais algum tempo...
Não te aflijas tanto com o meu estado.
Sei que vou melhorar e poderemos prosseguir o nosso trabalho...
Debelada a febre cerebral, Plínio começou a recobrar a saúde, mas, desde aquela época, tornou-se verdadeiramente taciturno e incomunicável.
Seus cabelos haviam encanecido, como que imersos em cinza branca...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:48 pm

CAPITULO XXVII
Tristes e apreensivos viviam os dois irmãos; mas, além do conforto da prece, possuíam outro; rodeavam-se das cândidas criancinhas, que os amavam, e que eles protegiam com extremos de pais.
- Eis os nossos filhinhos espirituais, Plínio! - exclamou, um dia, o meigo Pedro.
Eis definida a nossa missão terrena: amparar, proteger, justamente o inverso do que fizemos, outrora, se não nos mentem as recordações pungentes que sobem à tona da memória, por meio de sonhos retrospectivos ...
- É bem verdade o que disseste, Pedro!
Quem sabe se essas encantadoras criancinhas não foram, em eras transcorridas há muito, nossas vítimas?
Quem sabe se ora se apresentam tal qual foram, naquela época, para melhor avaliarmos toda a. extensão de nossos delitos?
Vamos encaminhá-las para o Castelo das Sombras?
Vamos encaminhar para nossos pais, que idealizavam filhos formosos, estes arcanjos terrestres, que, certamente, suavizarão as amarguras da saudade dos ausentes, e hão-de alegrar a sua solidão ?
Que metamorfose se há-de operar naquele casarão cheio de sombras e saudades!
Quanto consolo hão-de sentir nossos caros paizinhos e nossa boníssima tia Júlia! deixará de existir o Castelo das Sombras, para surgir em seu lugar o - Solar das Luzes!
- Acho magnífica a tua ideia, Plínio!
Deus deve ter-te inspirado o que acabas de imaginar!...
Que felicidade vamos proporcionar a nossos desolados parentes e a estes anjos da Terral
Plínio foi buscar a harpa, e o ceguinho começou a dedilhar harmoniosos acordes. Subitamente, bafejado, aquele entoou uma comovedora canção, improvisada no momento:
Crianças que nos cercais, qual um bando de andorinhas, guardadas, no Céu deixais as vossas brancas asinhas!
Viestes suavizar agruras de nossa vida...
Agora ides, a espalhar os beijos de despedida!
Ide, andorinhas serenas! Buscai feliz região, deixando connosco as penas, Dentro em nosso coração...
Esta canção, que foi largamente aplaudida e se tornou1 popular em Roma, deu maior nomeada aos dois artistas; e, dentro em pouco, as suas previsões foram totalmente realizadas:
suas amiguinhas, a cândidas companheirinhas de suas horas de lazer, seguiram, algumas acompanhadas pelas progenitoras, viúvas e em estado de penúria, para o Solar das Sombras, onde foram recebidas com demonstrações de carinho, e lá se instalaram, definitivamente, alegrando a solidão em que todos viviam, saudosos dos ausentes bem-amados.
A canção de Plínio, enviada a seus pais e a Júlia, muito os comoveu, arrancando lágrimas de saudosas recordações...
Plínio escreveu aos pais:
- "Perdestes dois monstros - ganhastes quinze formosos arcanjos!
Vede quão generoso é o Criador de todas as coisas...
Aqui vão os nossos mais belos irmãozinhos... que não nasceram no Solar das Sombras, mas no da Penúria.
Vão, aí, em busca de carinho, de um lar honesto, farto e acolhedor. Recebei-os como se fossem vossos filhinhos..."
Pedro e Plínio viram partir seus encantadores companheirinhos pelo alvorecer de um radioso dia, dentro de humildes veículos, fornecendo-lhes eles tudo quanto necessitavam para a jornada.
Disse o mais velho, vendo-os partir lacrimosos:
- Eu os amo tanto com se fossem, realmente, filhos enviados por Deus, e não sei como resignar-me com essa nova separação!...
Fazem-me falta os seus risos e as suas inocentes palestras...
Para que os possamos esquecer... vamos ausentar-nos de Roma por algum tempo, Pedro...
Pedro concordou cora o irmão; e, dentro em poucos dias, foram peregrinar em Salerno - aprazível cidade, pouco distante de Nápoles, onde se apresentaram em público, sendo contratados para diversos festivais.
Já, então, se haviam passado alguns anos, desde quando deixaram o lar paterno.
Amarguras pungentes, por vezes, surgiam por desconsiderações recebidas, por falta de trabalho, que os deixava em situação penosa, por injustiças que lhe infligiam, arrancando-lhes lagrimas de dor profunda.
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Dor Suprema - Victor Hugo/Zilda Gama - Página 16 Empty Re: Dor Suprema - Victor Hugo/Zilda Gama

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:48 pm

Muitas vezes desejavam regressar ao Solar das Sombras, onde poderiam desfrutar algum repouso; mas, contratempos imprevistos foram prolongando a sua permanência em Salerno.
Na era em que estavam, ainda havia intensa perseguição aos cristãos, os quais, para encontrar conforto às suas atribulações, se reuniam secretamente, nos subterrâneos, mormente nos dos prédios em ruínas, que não eram escassos naquela região.
Por aquela época, governava a afamada Salerno um crudelíssimo assecla de Tibério, sanguinário e despótico, adversário dos cristãos, os quais, a seu mando, eram levados a infectos calabouços, existentes na esplanada da urbes, onde havia residido um famoso procônsul romano.
Tristeza avassaladora dominava os dois irmãos, pressagiando sucessos funestos, numa localidade onde tinham superficiais relações, sendo tratados com geral indiferença e desconsideração por muitos.
Algo de anormal, porém, ocorreria com Pedro que, repentinamente, tornando parte em uma reunião cristã, foi tomado por súbita inspiração, falando com a eloquência de verdadeiro Apóstolo.
Desde essa vez, as reuniões tomaram nova directriz, aumentando o número de adeptos.
Plínio escreveu a Esténio relatando o extraordinário sucesso, convidando-o e aos outros membros da família para irem até Salerno ouvir as comovedoras composições e prédicas do inspirado ceguinho.
Antes de haver recebido tal carta, Norma, que possuía uma surpreendente faculdade psíquica (depois denominada medianimidade pelo insigne apóstolo Allan Kardec), sentiu na alma a repercussão do que se passava com os filhos em Salerno.
Sabia ela que ainda perseguiam, tenazmente, os crentes na doutrina de Jesus, e um vago temor pelos filhos a assaltava sem cessar, qual se soubesse que estavam em perigo iminente, desejando ir ao seu encontro para os conduzir ao lar e jamais se apartar deles...
A chegada das criancinhas muito concorreu para avivar a saudade que lhe oprimia o coração.
O Castelo das Sombras, sempre imerso em silêncio e em dolorosa tristeza, reanimou-se.
A princípio intimidadas, depois contentes com o conforto e o carinho que lhes dispensavam, espargiram elas alegria e risos pelos parques e pelos varandins, onde outrora reinava silêncio tumular.
Grande foi o júbilo de todos quando, por um emissário expedido de Salerno, lhes chegou às mãos a missiva de Plínio relatando-lhes os triunfos de Pedro.
Norma, que acabara de orar profundamente, reconhecida pelas alegrias que lhe haviam sido concedidas, foi como que tomada de uma vertigem; e, logo após, tornando-se ofegante, disse solenemente às pessoas presentes:
- Ides, dentro em pouco, ao encontro dos que partiram do Castelo das Sombras... e melhor fora que tal não sucedesse; mas, o que constitui a trama do Destino, acontece com o nosso próprio concurso, e involuntariamente!
Graves acontecimentos estão iminentes sobre o vosso lar, irmão Esténio...
Não vos revolteis, em nenhuma hipótese, contra os sucessos, sejam quais forem!
A execução da Justiça eterna muitas vezes nos parece severa em demasia, porque todos ignoram os acontecimentos do passado, os frutos opimos da resignação.
Nós vos acompanharemos a Salerno, irmãos bem-amados, e aqui deveis de tudo dispor, como se fôsseis para uma viagem da qual jamais houvésseis de regressar.. .
Deus que vos abençoe e inspire!"
Esténio, surpreso embora pelas palavras desse amigo invisível, tudo dispôs para a partida.
Dulcina permaneceria no solar, assumindo todas as responsabilidades; e, se por motivo imprevisto não voltassem, todos os haveres passariam a pertencer a ela e aos sobreviventes, a fim de poderem continuar a sublime missão que estavam desempenhando.
- Vamo-nos separar pela primeira vez, nesta existência, Dulcina! - exclamou Norma, abraçando com ternura a adorada companheira de infância.
Deus, porém, há-de permitir que seja esta a única vez.
Sinto que somos eternas aliadas.
Nossas almas são imortais e jamais se hão-de separar uma da outra, senão momentaneamente.
Na Terra ou no Infinito hão-de vibrar gémeas e nunca se apartarão!
Grandes modificações se haviam operado naqueles três seres.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:48 pm

O escultor, sua esposa e a cunhada, embora não tivessem atingido ainda meio século de existência, tinham algumas estrias prateadas a pincelar-lhes as belas frontes.
A dor moral, que se irradia da alma para o corpo, impregnando este de elementos depressivos, que, aos poucos, lhe tiram o fulgor da mocidade, aprimora, por outro lado, a estátua imponderável, com seu envoltório sideral, que se torna mais formoso e lúcido!
Nunca haviam desfrutado uma ventura integral; sempre se interpusera entre eles e as prováveis alegrias da vida a consócia de todos os mortais que estão remindo, com lágrimas e decepções, suas penosas dívidas terrenas: a Dor!
A tristeza envelhecera-lhes os rostos, mas realçara-lhes a beleza moral - que se percebe mesmo através da clâmide carnal, como se fora uma lâmpada acesa e oculta em um cristal fosco, como se seus raios fossem punhais de luz capazes de penetrar todas as trevas, de um só e certeiro golpe...
Terminados ligeiros preparativos, Esténio e Norma, depois de beijar os que iam ficar, soluçando, não esquecendo nenhum dos fieis servidores, com as almas ansiosas de reverem os ausentes queridos, deixaram o Solar das Sombras, pressagiando que jamais tornariam a vê-lo... com os olhos materiais!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:49 pm

CAPITULO XXVIII
Na noite em que partiram para Salerno, Norma empalideceu; e, com voz magoada, assim transmitiu ao companheiro de viagem outra mensagem dos bondosos Invisíveis:
- "Caro irmão Esténio - tende coração ao enfrentar os obstáculos e os sucessos para que caminhais...
Não fraquejeis na hora das tempestades que se aproximam...
Graves acontecimentos ocorrem em Salerno, onde se encontram dois pedaços de vossa alma...
Não duvideis, porém, da protecção do Alto, nem lamenteis as prováveis ocorrências que ides presenciar, não vos esquecendo de que os mais graves episódios da existência - dependem da intervenção divina!
Nossos caros irmãozinhos, que partiram do Castelo das Sombras em busca da luz da redenção, estão no limite de suas missões terrenas.
Vossos Espíritos, porém, hão-de acompanhar sempre a trajectória fulgurante daqueles que, na actual existência, chamais filhos, e são vossos seculares companheiros!
Quando partirdes da Terra, em cumprimento de missões celestes, jamais vos esquecereis dos que arrancastes ao resvaladouro do Mal, norteando-os para Jesus.
Que o Mestre dos Mestres, pois, vos conforte as almas, e faça cada vez mais inabalável a vossa Fé na Justiça divina!
Tende coragem e vencereis galhardamente as vossas derradeiras provas terrenas!. . ."
Norma, sem consciência das palavras que havia proferido, tinha o rosto pálido e banhado de torrentes de lágrimas.
Esténio, que a escutara com profundo interesse, achou prudente preveni-la das verdades que lhes foram transmitidas por seu intermédio:
- Norma, querida companheira de existência, algo de contristador se aproxima de nós. . .
- Que é que te faz crer nesses tristes eventos, Esténio?
- As palavras que pronunciaste, inspirada por um Nume:
ele nos previne de graves acontecimentos, iminentes sobre nossas frontes!
- Deus que nos proteja e nos conceda a precisa coragem para não fraquejarmos na hora da peleja... Esténio!
Circularam, naquele dia, notícias aterradoras.
Os cristãos iam ser supliciados em Roma, com a crueldade dos adversários de Jesus.
Dizia-se que os cristãos eram chefiados por iluminado pregador, um ceguinho, cuja palavra eloquente arrebatava.
Atónitos, os esposos, que já se haviam dirigido a Salerno, tinham o coração opresso de angústias.
Chegados que foram ao local desejado, todas as notícias alarmantes se confirmaram.
- Se, ao menos, pudéssemos vê-los! - exclamou Norma.
Ter a graça de morrer unidos em presença e em alma, eternos vinculados pela Fé; quanto me sentiria ditosa!
- Sim, querida, penso o mesmo que tu.
Copo poderemos resistir à tortura de não os ver jamais, senão à hora do suplício?
Que vale a fortuna material que possuímos, se não os poderemos salvar?
- O que se passa em teu íntimo - passa-se dentro de meu próprio ser...
Tudo, porém, agora, parece conspirar contra nós!
Vamos fazer um fervoroso apelo!
Não nos esqueçamos de que Jesus há-de compadecer-se de nós...
- Tanta é a perturbação de minha alma, Norma querida, que eu espero que se acalme a procela, que ruge em meu íntimo, para podermos orar, serenamente...
- Ele também elevou o pensamento em horas trágicas de desolação, no jardim das Oliveiras, e o Enviado celestial entregou-lhe o cálice de amargura, que Ele teria de esgotar!
Quem sabe se vamos receber o nosso... terminando uma prova, ou uma dor, que, na Terra, será suprema?
- E' verdade, Norma, vamos implorar a coragem, a resignação e as forças que ora sentimos faltarem-nos...
Ajoelharam-se, ambos, com os olhos súplices voltados para a amplidão sidérea, rogando, com veemência, que lhes fosse permitido poderem sorver todo o dourado cálice de sofrimentos, sem um pensamento de revolta, com verdadeira serenidade cristã.
Confortados com os eflúvios celestes que receberam, Esténio disse à esposa:
- Vou propor ao chefe dos centuriões o resgate de nossos infelizes filhos, providenciando sobre sua libertação e partida definitiva para o Castelo das Sombras... de onde jamais se ausentarão...
E, levantando-se, saiu, à procura das altas autoridades, de Salerno.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:49 pm

CAPÍTULO XXIX
A noite desceu sobre a Terra uma sombria mantilha de trevas.
Raras estrelas cintilavam pela amplidão sidérea, parecendo diamantes luminosos incrustados em um manto negro.
Lufadas frias, iniciais do Inverno, atiravam ao solo as derradeiras folhas das árvores que se despiam, e que, frágeis, rodopiavam nos ares antes de se aquietarem no solo, parecendo pássaros fulminados, ciciando ainda um doce pipilo...
Esténio e Norma, recolhidos em humilde aposento de hospedaria dos arredores de Salerno, a mais próxima do cárcere onde se achavam encerrados seus estremecidos filhos e seus companheiros de martírio, recordavam o passado.
Depois de prolongadas rogativas dirigidas ao centurião, que ia levar para Roma os prisioneiros, apenas conseguira que, ao alvorecer, antes que partissem, lhes fosse concedida licença para abraçar, pela derradeira vez, os jovens cristãos, pelos quais tanto se interessavam, não lhe sendo permitido libertá-los antes de uma decisão que aguardavam da Metrópole do país.
Na iminência de os não reverem senão por alguns momentos céleres e angustiosos, Esténio e a esposa aguardaram o amanhecer do dia, orando e chorando, firmemente resolvidos a declarar que também eram discípulos de Jesus, acompanhando os filhos para o local dos suplícios...
Só haveria um meio de salvar da morte os adorados filhos:
fazendo-os abjurar publicamente o Cristianismo!
Como, porém, cometeria ele semelhante crime, sem graves responsabilidades para seu Espírito e para os dos entes que lhe eram queridos?
Porque se sentia desditoso, justamente no instante em que mais necessitava dar testemunho da confiança em Jesus?
- Anda unia tentação, querendo arrastar-me para o abismo! - exclamou ele, com desalento.
Norma, meu tesouro do Céu, vamos orar novamente e implorar uma orientação aos dedicados amigos que nus têm falado nos momentos acerbos...
Os dois esposos, em concentração profunda, com as mãos unidas, imploraram uma palavra que os norteasse naqueles instantes de amargura.
Subitamente, Norma ergueu-se, com o braço direito estendido, o rosto lívido, e falou, com entonação de doçura e mágoa infinita:
- Sois realmente soldados do Exército Divino?
Legionários de Jesus?
A vitória que se obtém, encaminhando almas para o Criador do Universo, os transviados da Virtude, os delinquentes mais nocivos à colectividade, é incalculável!
E vós bem a conquistastes, irmãos queridos!
Estais aptos para realizar as provas máximas, unidos, eternamente, pela Fé, pelo Perdão, pelo Amor, que podem atingir o Infinito!
Estão terminadas, para ambos, as mais rudes provas planetárias.
E' mister, porém, que deis a prova definitiva, o testemunho final.
Eia, pois, irmãos bem-amados! Tende coragem e Fé absoluta nos desígnios supremos!
Entregai-vos às mãos luminosas de vossos Protectores invisíveis!
A voz de Norma e sua fisionomia de jaspe vivo revelavam indefinível amargura, que as tornava de uma beleza imaterial.
Depois, elevando as mãos ao Alto, disse, com inenarrável inflexão:
- Jesus! Jesus! abri-lhes os braços paternais!
Não os deixeis vacilar no instante magno das provas supremas!
Logo após, quase em sussurro, murmurou:
- Terminei árida missão, Pai, que me confiastes, há muito - a de infundir em almas tíbias inquebrantável Fé e confiança nos desígnios divinos!
Estão entregues em vossas mãos, agora e sempre!
Recebei-os, amparando-os nos momentos das provas remissoras!"
Calou-se Norma, escapando-se-lhe do seio um suspiro profundo.
Despertou, então, e assustou-se vendo Esténio ajoelhado e com o rosto banhado de pranto.
- Que se passou comigo, Esténio, durante o tempo em que estive amortecida? - interpelou-o a esposa.
Ele se ergueu, e, tomando-lhe a mão entre as suas, disse, enternecido:
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:49 pm

- Ouve-me, querida: um dia, no início de nossa ventura, fugimos de Roma, enquanto nossos companheiros de crença eram levados ao Coliseu, para o suplício...
Agora, depois de alguns anos de sofrimentos e alegrias - pois as tivemos bem intensas, em um local tranquilo, rodeado de amigos e servidores desvelados - ao primeiro embate da Dor, partimos no encalço dos amados fugitivos, deliberando salvar de morte trágica aqueles que estavam cumprindo uma missão dignificadora, e que nós, por egoísmo paterno, desejávamos ver novamente no Castelo das Sombras, vivendo placidamente a nosso lado...
Teríamos o direito de lhes interceptar uma missão redentora... salvando-nos e libertando-os, como pretendemos fazer?
- Que deliberaste, então, Esténio? - interpelou Norma ao esposo, trémula de emoção.
Bem sabes que, nesta existência, nunca discordámos na mínima decisão...
- Amiga e companheira idolatrada, deliberei, firmemente, no caso de não poder libertar os nossos filhos... confessar que também sou cristão e mereço o mesmo suplício que está reservado a ambos...
Não posso, porém, conformar-me com que tenhas igual sorte...
Voltarás ao Castelo das Sombras,. e, juntamente com a nobre Júlia, continuareis a tarefa dignificadora que, há muito, empreendemos.. .
- Pois então pensaste em separar-te de mim, no momento mais angustioso de nossa vida, Esténio ?!...
- Sim. . . Esperar-te-ei no mundo espiritual, ansioso por nossa união perpétua!
Concebi esse pensamento para não trair a Jesus, que precisa emissários sinceros, convictos, para propagação da sua doutrina salvadora na Terra!
-• E não tens trabalhado, acaso, na Seara Bendita, Esténio ?
- Sim, mas falta-nos a prova mais grata ao Redentor,
- Pois bem, meu amigo: eu também quero dar essa prova de amor a Jesus, não me separando de ti um só momento!
- Amada companheira, falta-me a precisa coragem para consentir em tão grande imolação!
Lembra-te de que a pobre Júlia poderá enlouquecer, ficando privada de todos os entes que mais ama na vida!
Lembra-te de que ela vai ficar só, para uma acerba tarefa; e, combalida e insulada, talvez não resista ao' golpe desferido em seu sensível coração...
- Ela não ficará só, meu amigo, pois tem uma corte de anjos terrestres a circundá-la...
Os divinos Protectores hão-de ser incessantes sentinelas de nossa cara irmã, suavizando as angústias que lhe pungirão, certamente, o nobre coração... já tantas vezes ferido pelo punhal de rudes provas...
Vamos orar, até que rompa a alvorada, fitando os olhos na apoteose do amanhecer.. . para que jamais a esqueçamos, mormente quando estivermos mergulhados nas trevas...
luminosas de um cárcere - do mesmo cárcere onde se acham os nossos queridos filhinhos.
Abre a janela, de par em par.
Quero gravar na alma todos os aspectos desta noite decisiva para nossos atribulados Espíritos...
- Sou um covarde, Norma querida, porque não tenho o ânimo preciso para repelir o que me propões, com heroicidade: a imolação de tua luminosa existência!
- Não te considero um covarde, Esténio; não aceitaste com indiferença a minha renúncia à vida, mas compreendeste, tanto quanto eu, que as nossas almas são inseparáveis, e juntas hão-de comparecer ao Tribunal divino...
- Seja feita a vontade do Pai de infinita misericórdia, assim na Terra como no Céu! - exclamou Esténio, levantando-se para abrir a janela.
Um hausto de ar gelado inundou o aposento.
Norma tentou desvendar as sombras nocturnas para olhar o calabouço, que, qual mole de trevas, estava a pouca distância do aposento, que ela e o esposo ocupavam.
- Como custava ainda o romper do dia! - exclamou ela, com voz trémula.
Tenho a impressão de que jamais meus olhos mortais hão-de vê-los!
Compreendo, meu amigo, que meus lábios transmitiram salutares conselhos... para as horas supremas da vida...
Tuas palavras de há pouco fizeram-me perceber essa verdade...
- Elas me deixaram perplexo, Norma.. .
- Muitas vezes entrevemos a luz... por um orifício diminuto, Esténio.
Enlaçados ternamente, com as lágrimas bailando nas pálpebras, fizeram ambos mais uma prece muda e fervorosa, rogando as inspirações do Alto, para consumarem cristãmente as suas angustiosas provas planetárias...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:50 pm

Como se houvesse uma misteriosa transmissão de suas almas para as dos encarcerados, irrompeu, de repente, um suave murmúrio de vozes, modulações dolentes, que subiram do fundo da prisão para as trevas daquela noite aterradora, e que, certamente, além da estratosfera, se transformariam em harmonias incomparáveis, em harpejos maviosos que Deus havia de escutar compadecido, abençoando-as.
Eram os cristãos prisioneiros que oravam, almas enclausuradas na matéria, prestes a libertarem-se de seu liames efémeros; aliados pelo mesmo Ideal sublime, o da Redenção de seus Espíritos em árduas provas; coligados na vida terrena e por toda a Imortalidade.
Ouvindo aquele hino dolente e comovedor, Esténio e Norma logo recordaram que ele fora composto por Plínio, quando se sentiu propenso ao Novo Credo, recebendo em seu Espírito rebelado as primeiras vibrações da Fé.
- Ouves, Esténio? - interpelou a esposa, soluçante.
- Sim, querida de minha alma! Como poderia esquecer-me desse hino, se ele está gravado, de há muito, no meu coração?
Estará lá a harpa do nosso Pedro, Norma?
Mas, que digo eu?
Entoam esse hino na harpa que ninguém, na Terra, lhes poderá tirar, na harpa de suas próprias almas vibrantes do mais excelso amor - o que consagramos a Jesus e ao Criador do Universo!
- Também eles não dormem - velam connosco!
É a mensagem da saudade que ora nos enviam... supondo que estamos longe, no Castelo das Sombras!
Parece-me, Esténio, que já não são eles que cantam: são as trevas que choram; é a própria Terra, infelicitada pela maldade humana, que reza e soluça como nós!
É do seio do mundo, de seu coração de fogo, que parte essa vibração, que há-de atingir o Firmamento, em busca de Deus e de Jesus - a síntese da Justiça e da Misericórdia incomparável!...
- Confiemos no Senhor, querida.
Estes cânticos dolorosos, que ouvimos emocionados, hão-de despertar os Arautos divinos, as Sentinelas siderais... que virão, pressurosas, em socorro de tantos infelizes...
Jesus, certamente, está perto de nós, escutando o mesmo hino comovedor que Lhe é consagrado... e há-de amparar-nos, com as falanges de Arcanjos que o cercaram no Horto das Oliveiras, a fim de sorver, até à derradeira gota, o cálice dourado das amarguras, das dores supremas!
Vamos juntar às vibrações de suas almas as das nossas, com as asas das preces...
Já recebemos as suas mensagens afectuosas; sabemos que pensam em seus desolados genitores...
Vamos, agora, enviar-lhe as nossas...
Vamos entoar, baixinho, enquanto todos dormem^ e imperam as sombras da noite, aquele hino que Plínio compôs, antes de partir para sua dolorosa peregrinação...
Ele e Pedro hão-de sentir... que estamos perto.
Com uma voz suave - mais soluço do que cântico.
Norma e o consorte entoaram o plangente hino que o primogénito havia composto nos primeiros arroubos de Fé, fazendo-se acompanhar pelo ceguinho, na harpa dedilhada por este:
Vinde, Jesus, nortear-nos para o Céu o coração!
Vinde acolher nossas preces - as flores da gratidão!
Buscam elas vosso seio - abrigo de ovelha mansa - e vinde dar-nos conforto, muita Fé, muita Esperança!
Mal soara a derradeira palavra do cântico profundo, algo de extraordinário ocorrera em Salerno: -- um estrépito fragoroso, um abalo sísmico aterrador, um ruído ensurdecedor, fez as casas trepidarem nos alicerces, parecendo afectadas de uma convulsão colectiva, dançando tragicamente, ao clamor de uma apavorante trovoada, que não provinha das nuvens em colisão, mas das entranhas da Terra, que, dir-se-ia, estava sendo abalada por alviões de titãs invisíveis enlouquecidos.
Dir-se-ia, também, que as habitações - moles compactas de argila, pedras e madeiras se desconjuntaram a um só tempo, atingidas por uma coreia incoercível, impulsionadas por um ciclone devastador, ou, talvez, ensaiando uma dança macabra, para um lúgubre festim das Trevas Eternas...
Gritos de terror e sofrimento cortaram os ares. Moradas e criaturas humanas desapareceram no solo, tudo tragado pelo sorvedouro monstruoso das fendas, como se estas fossem fauces de leões famulentos que houvessem encontrado avezinhas adormecidas e todas desaparecessem nos seus esófagos insaciáveis ...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:50 pm

Gritos de angústia, choros convulsivos, brados de pavor... formaram uma rumorosa filarmónica para acompanhar o último ato de uma tragédia colectiva...
No dia imediato ao do sinistro, verificaram os poucos sobreviventes dos arredores de Salerno que alguns quarteirões' se haviam sumido, como por efeito de apavorante sortilégio.
Não prossigamos, pois, a nossa pungente narração, para que não tenha ela uma duração infinita...
Aqui termina a - Dor Suprema - de alguns Espíritos que, trilhando já o carreiro do Bem, tiveram provas mais torturantes do que as de seus companheiros de peregrinação planetária, a fim de que fossem aquilatadas as suas potências psíquicas.
São necessários os grandes terremotos morais, o harmatão (9) vigoroso dos infortúnios, os padecimentos superlativos para que as almas - comparsas de trágicos acontecimentos - se libertem de erros seculares, e entrem, definitivamente, no carreiro do Labor, da Virtude e do Sacrifício redentores!
As mortes violentas, quase sempre, são a sequência de existências dramáticas, agitadas por delitos horripilantes...
Nenhuma alma, porém, fica eternamente acorrentada à masmorra das Sombras, que é a Terra.
Todos os seres humanos têm que ascender ao Infinito, para Deus.
São suas almas centelhas inextinguíveis, que se desprendem da Forja celeste, do Núcleo-divino, voam pelo Universo, iluminam-se pela prática das Virtudes, do Dever, do Trabalho e da Justiça; e, finalmente, transformadas em falenas siderais, buscam, por todo o sempre, as Rosas fulgurantes, que são os astros radiosos que pairam no azul, de onde já foram banidas as trevas que lá jamais encontrarão abrigo!
No local onde estava edificada a formosa cidade de Salerno - em que imperavam primores de Arte, de arquitectura apurada, habitações principescas, havia agora, à flor do solo, escombros fumegantes, ruínas desoladoras...
Nenhum rumor pela Acrópole que se metamorfoseara, às súbitas, em extensa Necrópole. ..
Parecia que um carcinoma, de dimensões incalculáveis, havia devorado tudo o que existira sobre o mundo sublunar...
Os prisioneiros cristãos e todos os que se achavam nas proximidades do calabouço, tinham sido tragados pela voragem insondável cavada no solo, ao furor do abalo sísmico...
A novela, que ora termina, não está, realmente, consumada, pois as suas personagens são imperecíveis e ela continuará por todo o galopar dos milénios!...
A neblina viva e luminosa - constituída por miríades de almas libertas em um só instante - alçou-se, dos escombros fumegantes, tomou formas humanas, e, algumas destas, atingiram o Espaço, alçadas, naves de luz e névoas, escoltadas pelos Mensageiros siderais, a fim de que despertassem em alguma ditosa Região do Universo - conforme as conquistas espirituais efectuadas no Planeta das Lágrimas... tornando-se, desse modo, habitantes da Criação, cujas Pátrias não têm limites, nem fronteiras!
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Dor Suprema - Victor Hugo/Zilda Gama - Página 16 Empty Re: Dor Suprema - Victor Hugo/Zilda Gama

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jun 19, 2022 6:50 pm

ELUCIDAÇÕES
Muitos leitores, talvez, da novela mediúnica - "Dor Suprema" - hão-de estranhar que, em suas páginas, se verifiquem fenómenos psíquicos, e que algumas de suas personagens acreditassem na Palingenesia, ou Lei das reencarnações, numa era muito afastada da codificação do Espiritismo por um dos luminares da Humanidade, Allan Kardec, na França. . .
Eu lhes direi que as manifestações dos Espíritos existiram sempre no mundo sublunar, em todas as eras, desde muito antes da primeira cena da Bíblia, com a aparição de Jeová que expendeu diversas determinações aos habitantes do Paraíso Terreal, até os nossos dias.
Para me não alongar, porém, demasiadamente, com centenas de fatos espíritas comprobantes de minhas asseverações, transcrevo alguns trechos da magistral conferência - "A reencarnação na Bíblia e na História" - do Dr., Correia de Araújo, realizada no templo de Ebnezer, do Maranhão, em 1925:
"A reencarnação é uma doutrina antiquíssima e tão universal como a doutrina da imortalidade de que é ela o corolário lógico.
"Crêem na reencarnação mais de 650 milhões de pessoas do Oriente e mais de 50 milhões no Ocidente.
Esotérica e exotericamente, ela tem sido ensinada por todas as religiões.
Os gregos criam que as almas, depois de alguns séculos, bebiam água do Letes para esquecimento das suas vidas passadas, e voltavam em seguida à Terra."
Creram nos fenómenos psíquicos Moisés e Maomet, pois escreveram o "Decálogo" e o "Alcorão", por inspiração do Espírito Divino, sendo, assim, segundo suas próprias afirmações, médiuns de Deus.
Pitágoras, Platão, Jesus, Buda, criam nas reencarnações.
Os profetas, os iluminados, as pitonisas, os oráculos, os inspirados, os Magos - eram os médiuns da antiguidade.
Foram as faculdades psíquicas cabalmente demonstradas nos templos de Delfos e de Elêusis, na Grécia, mas ficaram ignoradas as que ocorreram no recesso dos lares.
Foram observadas no Antigo e no Novo Continente, pois é notório que os selvagens americanos eram animistas, realizando ruidosos cultos aos desencarnados e escolhiam os seus dirigentes dentre os que possuíssem faculdades mediúnicas mais desenvolvidas, os chamados Pajés.
Não devem, pois, causar surpresa aos leitores de "Dor Suprema" os fenómenos nela descritos, tratando-se de Espíritos evolvidos e que já possuíam conhecimentos das religiões do Oriente e da doutrina pitagórica, que antecedeu o advento do Cristianismo. Lembre-se também de que suas páginas foram ditadas pelo emérito reencarnacionista, Victor Hugo, com a lucidez que lhe é peculiar.
Relatou ele o que, certamente, observou através dos séculos, pois o seu Espírito fúlgido, de grande tirocínio, deve ter sido habitante deste planeta desde épocas imemoriais, e, durante milénios, já conseguiu ser Águia divina, Entidade sideral que já pode desvendar os arcanos deste Orbe e os dos Mundos radiosos do Universo!
Aceitemos as suas experiências seculares - adquiridas no plano terreno e no sideral.
Eu nelas creio, com fé inabalável!

Zilda Gama.
Belo Horizonte, 26 de janeiro de 1939.

§.§.§- Ave sem Ninho
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