LUZ ESPÍRITA
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Série Conde J. W. Rochester - Enigma / Maria Gertrudes

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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 08, 2023 7:27 pm

Enigma
Maria Gertrudes

J. W. Rochester(Espírito)

Introdução
Primeira Parte

1. Juventude de Cambyses
2. A Rainha
3. Presságios
4. Cambyses na Babilónia
5. Conselhos Paternos
6. Cambyses, vice-rei da Babilónia
7. Cambyses, um rebelde
8. Primórdios cristãos
9. A coroação
10. Esmérdis
11. Culto a Moloch
12. A doença
13. Um funeral
14. A despedida
15. Luto no País
16. Outro pesadelo

Segunda Parte
1. Cambyses II, Rei absoluto
2. Batalha de Pelusa
3. A farsante
4. A vingança
5. Ao amanhecer
6. Egipto
7. Intrigas e ódio
8. O artista Artestes-Dahr
9. Aristona
10. Prexaspes e Esmérdis
11. Sumo-sacerdote de Amon
12. Aristona e Artestes-Dahr
13. Celebração ao boi Ápis
14. A visita ao interior do templo de Amon
15. A iniciação
16. Uma presença real
17. No palácio
18. O sol de Osíris
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 08, 2023 7:28 pm

Terceira Parte
1. Encontro com a verdade
2. Planos contra o rei
3. O desaparecimento do príncipe
4. Pasárgadas
5. Aristona sacerdotisa
6. Moloch
7. No Egipto
8. Um vago lampejo de felicidade
9. Uma surpresa
10. Mansão dos mortos
11. A festa
12. Um grande amor
13. A vingança
14. A princesa infeliz
15. Traição
16. Esmérdis, o príncipe persa
17. Dario
18. Em Ecbátana
19. A morte do Rei
20. A história é feita de oportunidades

Epílogo

Agradecimentos
Agradeço às professoras, sra. Juraci Furtado Chaves e sra. Maria Terezinha Vilela de Carvalho, incentivadoras de nosso trabalho. E, ao amigo António Rolando Lopes Júnior, pesquisador das obras de Rochester, por suas preciosas inserções nos rodapés, a minha admiração.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 08, 2023 7:29 pm

Introdução
A História pouco registou sobre Cambyses II, filho e sucessor de Ciro, o grande rei persa. Sua performance como rei aquemênida permaneceu quase apagada, ou fizeram questão de que ela fosse subtraída?
Com todo o respeito aos historiadores que narraram o apogeu persa, nossa intenção não é reconstituir o que, indubitavelmente, ficou esquecido, mas trazer à tona a verdade sobre Cambyses II, seu trágico destino e sua influência.
A civilização persa alcançou tanto poder, fausto e glória, que nem os pomposos romanos, no futuro, a igualaram.
O infeliz rei passou como uma sombra nefasta entre babilónios, egípcios e judeus.
Contudo, após o decesso do corpo físico, o espírito imortal adquire a amplitude e pode, num átimo, ir e vir de uma civilização a outra; formar o amálgama entre o passado e o presente. Apenas o espírito, despojado da matéria densa, consegue penetrar os arcanos celestiais e descortinar os reais acontecimentos.
A História citou o triste percurso de Cambyses, sua loucura e insensatez; sua influência política, porém, foi muito maior do que se escreveu. Talvez porque Cambyses II, o neurasténico, fosse apenas um rebelde déspota.
Passou como uma sombra negra ofendendo as tradições religiosas dos babilónios e contrariando os costumes persas que seu pai defendera até o último instante.
As anotações puramente materialistas não registraram o sofrimento íntimo e atroz de um homem atormentado pela própria insensatez. Senhor absoluto, solitário e odiado, desprezou os salutares conselhos paternos de fidelidade à família e à religião.
Cambyses II, Rei dos Persas, Rei do Alto e Baixo Egipto, O ENIGMA, considerado pelos judeus o próprio anticristo de sua geração, julgado cruel e louco, deixou um lastro de terror e sangue e fez tremer os povos ante a sua insana fúria.
Com a permissão dos guias, relato a paixão de um homem doente e frágil, que tal um anjo decaído, ciente de suas fraquezas, buscou, ferreamente, ascender ao paraíso perdido depois de uma longa trajectória de lutas pelo Planeta.

Rochester
Recanto de Paz, 11/01/2001

(Deus inspira os médiuns que estudam.)
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 08, 2023 7:30 pm

Primeira Parte

1. Juventude de Cambyses
Certo dia, Cassandana1, filha de Farnaspes, descendente da tribo aquemênida2, dirigiu-se a um dos oráculos do templo3 e rogou auxílio aos espíritos para a saúde de seu primogénito.
O oráculo havia prenunciado que seu filho Cambyses seria, em breve, coroado rei da Pérsia.
Seu filho sofria de insónia e do mal sagrado4.
Cambyses era diferente de todos. Vivia febril e sua excitação atingia ao ápice do delírio, nas noites enluaradas.
A preocupação materna tinha fundamento.
Cassandana, ao se ver só, no templo, ousou perguntar ao oráculo:
– Ó, Divino Espírito, que mantém a harmonia da vida, dizei-me quando cessará o terrível mal que assola meu pobre filho?
O espírito do templo fez silêncio ante sua indagação.
Aquele silêncio a incomodou. Julgou que os espíritos não quisessem lhe responder e fez menção de se retirar.
Deu meia volta para sair, quando uma voz sinistra obrigou-a a recuar.
Olhou o oráculo, amedrontada.
Ouviu nitidamente um som, oriundo das entranhas do templo ou das colunas sombrias. Receosa daquele fenómeno, quis fugir, mas o medo a manteve extática.
– O mal sagrado! Ah! Ah! Ah! A ira de Moloch!5 Cassandana arrepiou-se inteira e arrependeu-se de ali estar sem a presença do sacerdote.
Era a voz temida das trevas. Aqueles espíritos riam-se dela e de seu filho.
Àquelas palavras, seguiu-se uma risada terrível e vultos enormes pareciam sair das colunas, aterrorizando-a.
Uma rajada de vento apagou as tochas e a mulher fugiu apavorada.
Cassandana rapidamente atingiu o pórtico e somente se sentiu aliviada quando se viu, segura, em seu camarim.
– Ouvi o Arimã6 e agora ele permanecerá comigo! – pensou aflita, mergulhando a cabeça nas duas mãos e se jogando ao chão, em profunda contrição.
Trazia a cabeça cheia de terríveis presságios quanto ao mal sagrado e o destino do querido filho e fez questão de esconder o que presenciara, temendo a ira daqueles espíritos.
Dias depois, a rainha adoeceu gravemente.
Nenhum médico conseguiu diagnosticar seu mal. Os sacerdotes, desconfiados de algum sortilégio maligno, trataram-na com orações, ervas medicinais e ofertas aos deuses do templo.
Mas a soberana queria ficar longe dos sacerdotes e daqueles demónios.
Talvez tudo estivesse acontecendo porque seu primogénito pouco ligava às lições do Livro Sagrado7.
A infeliz rainha, tão invejada e rica, não recebia do esposo o carinho que almejava.
Farnaspes, seu pai, dera-a em casamento apenas para anexar territórios medas8 aos domínios persas. Contudo, ela amava Ciro9 de todo seu coração. Sentia-se enciumada da atenção que ele dispensava às jovens escravas, beldades, com as quais ela não podia competir.
A rica mulher tinha motivos de sobra para ser infeliz.
* * *
Mergulhada em seus pensamentos, a rainha ouviu alguém gritar no pátio:
– Quietos, os deuses vão agir!
Era Cambyses10, que ameaçava sofrer mais uma crise epiléptica.
– Oh! Não! – exclamou a mãe, sobressaltada.
O herdeiro do trono sofria novo assalto. Nenhum médico era capaz de agir com eficiência naquela maldição divina.
Suas crises eram antecedidas por visões tenebrosas, que o faziam gemer pela casa como se estivesse sendo açoitado por seres invisíveis.
Desesperado e sem alívio, o moço se contorcia, freneticamente.
Alguns escravos cantavam para o espírito mau se afastar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 08, 2023 7:33 pm

Colocavam ramos de plantas medicinais e aromáticas, faziam penitência e se estiravam ao chão. Qualquer tentativa era vã.
Ninguém conseguia deter a fúria daquele ataque. Os escravos, amedrontados, assistiam ao desfecho da cena, impassíveis.
Cambyses, depois de se contorcer todo, exausto, caía ao solo, e na queda sempre se feria. Em consequência disto, vivia cheio de hematomas na cabeça, no rosto e no corpo.
De sua boca escorria uma gosma esbranquiçada que se misturava aos catarros.
– Ariam, Ariam,!... – exclamavam, julgando-o o próprio génio do mal.
Não era feio, mas seu aspecto, naquele momento, tornava-se repulsivo.
Ao tornar a si, suas vestes estavam molhadas de suor e a cabeleira negra, empastada, as pupilas dilatadas e os olhos brilhantes e vermelhos.
Seus próprios irmãos o evitavam, amedrontados. A crise durava minutos, embora parecesse uma eternidade.
– Cessou! – exclamou um escravo, aliviado.
Ninguém ousava tocá-lo.
O palácio passava por um momento de total silêncio.
Ouviam-se apenas as orações vindas do harém.
Os servos espiavam de longe e aguardavam o despertar do amo.
O que se sucederia depois, ninguém poderia imaginar, pois Cambyses, ao sair da crise, percorria o olhar pelo ambiente, desconfiado. Parecia enxergar além das aparências, nada por perto lhe passava despercebido.
Os servos esquivavam-se sem comentários, procurando não incomodá-lo.
Porém, o espírito, a centelha divina que tudo regista, tinha consciência plena daquela tragédia e se revoltava com os olhares discretos, mas críticos, ou seriam as entidades zombeteiras que dele se vingavam?
Os pensamentos daquelas pessoas não tinham barreiras para ele.
Sua consciência parecia se dilatar e todos ficavam ali, presos àquele magnetismo que dele irradiava.
Estranho e amargurado, percebia o temor de todos, então se rebelava, buscando a solidão.
Cambyses subia ao monte mais próximo e de lá não saía, até passar a perturbação que lhe invadia a alma. Outras vezes, montava em seu cavalo, saía pela floresta e só regressava ao anoitecer.

1 Cassandana, filha de Farnaspes: Farnaspes: príncipe de Anshan; casou-se com Atossa, filha de Ciro I. Assim, Cassandana, tal como seu esposo Ciro II (filho de Cambyses I), era neta de Ciro.
2 Aquemênida: antiga dinastia persa, supostamente descendente do lendário Aquemenes, um antigo governante de um distrito no sudoeste do Irã. Fundada por Ciro II, o Grande, em 550 a.C., findou-se em 330 a.C. com a derrota de Dario III por Alexandre Magno.
3 Os oráculos foram introduzidos na Pérsia após a conquista da Grécia por Ciro – Nota do autor espiritual.4 Epilepsia, na Antiguidade, era uma doença desconhecida e seus efeitos eram conhecidos como o mal sagrado, porque era indício de grande mediunidade entre os sacerdotes. O Espiritismo cataloga a epilepsia como a actuação de um espírito mau sobre o médium a título de vingança, cuja acção persistente lesa o cérebro da vítima (Nota do Autor Espiritual).
5 Moloch foi um deus cultuado na antiguidade, no velho Irã. Esta entidade perversa e zombeteira introduziu em seus cultos, bebidas alucinogénias, (o culto ao ahoma) para manter total domínio sobre seus médiuns. Sua influência nefasta trouxe graves prejuízos para as mentes que se aliaram a ele, através de seus cultos exóticos em rituais macabros, culminando com o sacrifício de crianças e mulheres.
6 O Deus da sombra, o Ariam, a personificação do Mal, que se antepõe ao Deus da luz, Ahura-Mazda, a personificação do Bem, ensinamentos oriundos do profeta Zaratustra ou Zoroastro que dominaram a Pérsia na época de Ciro (Nota do Autor Espiritual).
7 Livro Sagrado: O Livro Sagrado do Zoroatrismo é o Avesta, escrito originalmente em antigo iraniano, uma língua similar ao sânscrito védico.
8 Territórios medas: medas: Povo que habitava o antigo Reino da Média, na região noroeste do Irã, ao sul do Mar Cáspio.
9 Ciro: Ciro II, o Grande: Fundador do Império Persa, filho e sucessor de Cambyses I.
Subjugou a Média, a Lídia e Babilónia, libertando os judeus ali exilados. A palavra “Ciro” (Koresh) significa “sol”.
10 Cambyses: Não confundir com Cambyses I, Rei de Ansham e pai de Ciro II. Cambyses II, personagem central desta obra, foi filho e sucessor de Ciro II, o Grande, e governou a Pérsia entre 529 a.C. e 521 a.C.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 08, 2023 7:33 pm

2. A Rainha
Certo dia, sob a sombra das tamareiras, a rainha e uma mulher conversavam, quando vozerio e risos chamaram-lhes a atenção.
Eram os filhos de Cassandana que corriam, seguidos por escravos.
A amiga observou, atentamente, os dois rapazelhos atirarem flechas, numa pacífica competição. Eram belos e atléticos. Viram-se observados pelas mulheres e fizeram questão de exibir seus músculos e sua pontaria.
Astrudes desejou alegrar a infeliz soberana e teceu um espontâneo elogio:
– Oh! Cassandana, nunca vi homens tão belos entre os filhos de monarcas!...
Cassandana sorriu ante a observação, mas sabia o quanto isto lhe custava.
– Ah! Minha boa Astrudes, tão belos quão infelizes!
Apreciar a beleza de seus filhos era-lhe quase impossível em meio a tantas contrariedades.
Como ser feliz se vivia rodeada de servos e familiares insatisfeitos?
O palácio era um mundo de intrigas domésticas e a indiferença do esposo era o que mais a fazia sofrer.
Impossível ser feliz com tantas disputas entre súbditos, conselheiros do rei e de seus filhos que cobravam ciúmes. O grande harém, vigiado por eunucos, constituía um foco ardente de insinuações malévolas. Então respondeu, lamentando-se:
– Sim, Astrudes, pobres filhos, Ciro nem sequer nos olha. De meu senhor, recebo apenas desprezo. Tem sua atenção voltada para as campanhas e o harém de novas escravas que o acompanha por toda a parte, não o deixa sentir minha falta!
Astrudes olhou-a silenciosamente, sem coragem de incentivar o assunto que a amargurava, mas Cassandana continuou falando, necessitada naquele dia de desabafar sua dor.
– De que me vale o título de rainha, se sou humilhada como a pior das escravas! Sinto-me deprimida e penso em morrer. Ciro somente tem olhos para Nitétis11, a escrava egípcia que ele mantém como refém. Como fazer se meu filho, doente e vulnerável, exige meus cuidados? – confessou-se à amiga.
Exactamente naquele momento, Cambyses passou por elas e ouviu sua mãe queixar-se; fingiu-se distraído para compreender o assunto.
Ouviu-a citar a escrava egípcia e aguçou os ouvidos.
Realmente, Nitétis era uma bela e ardilosa mulher, que há pouco tempo fora trazida para o palácio e assumia ares de rainha.
Intrigante e sensual, era a única escrava que havia se deitado com o rei por mais de uma vez.
O belo rapaz aproximou-se das duas senhoras, fez uma graciosa vénia, retirou o arco de seu dorso e ergueu-o para o alto, desejando alegrá-las:
– Senhoras, diante de vós está o Senhor da Pérsia, da Babilónia e do Egipto!
Sem entenderem o motivo daquela encenação, as duas mulheres riram.
Mas Cambyses continuou erguendo o arco para o céu:
– Minha mãe, eu te prometo, quando eu for rei destruirei o Egipto de um extremo a outro e dele nada restará. Aquele tom enfático assustou-as e, sem compreenderem por que ele assim se expressava, calaram-se. Deveria ser mais uma brincadeira de Cambyses. Seu filho, quando queria, tornava-se a pessoa mais terna e encantadora.
Cassandana sorriu e disse para Astrudes:
– Não compreendo o meu filho, suas atitudes me assustam.
Quando se voltou, o jovem havia desaparecido pelo jardim, entre os troncos das palmeiras.
As duas mulheres esqueceram-se dele e voltaram às suas futilidades.
O príncipe, no entanto, registrou o sofrimento de sua mãe e pensou, contrariado:
“Nitétis é a causa de suas lágrimas...”
E a escrava preferida de Ciro ganhou, a partir de então, um ferrenho inimigo.
Cambyses jamais esquecia uma afronta, por menor que fosse.
Egoísta e vaidoso, perseguia sem dó a quem ousasse atravessar em seu caminho ou magoar alguém a quem ele amasse.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 08, 2023 7:34 pm

O futuro herdeiro, inconstante, às vezes, misantropo em outras, palrador, era o que se poderia chamar génio do mal. Era turbulento e armava brigas com os irmãos, fazendo-os sofrer terríveis humilhações por insignificantes discussões. A criadagem temia suas brincadeiras. Não hesitava em torturar os escravos e caçava-os como se fossem javalis, obrigando-os a correr de quatro.
Os escravos sabiam que, se capturados, seriam submetidos à mais dura sorte e fugiam dele apavorados.
– Urutu!... A urutu!...Urutau!
Era assim que os escravos o apelidaram.
– Escondam-se! – sussurrava um escravo, alertando os outros e ninguém ousava aparecer.
E os servos, obrigados a atendê-lo, viviam aterrorizados. As reclamações eram muitas, mas não adiantava, o rei nunca estava por perto, envolvido em viagens e conquistas de mais e mais territórios. Tal situação somente melhorava quando o príncipe fazia longos passeios pelas montanhas e florestas com um bando de jovens eunucos e fortes escravos carregadores. Ninguém ousava comentar o que acontecia por lá.
Cambyses representava um perigo constante.
O estranho príncipe, sem amigos, não permitia sequer um olhar de piedade ou um mínimo gracejo, quanto ao seu problema; se tal viesse a acontecer, o infeliz seria punido mortalmente.
Muitos escravos, por conta disto, haviam perdido as orelhas, outros, a língua e a maioria tinha as unhas arrancadas e os dedos queimados.

11 Nitétis: Princesa egípcia, filha do Rei Apries (595 a.C. – 568 a.C.); deu a Ciro duas filhas: Atossa e Aritona.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 08, 2023 7:34 pm

3. Presságios
Uma vez por semana, Cambyses acompanhava sua mãe ao templo para receber a bênção do sacerdote e acalmar seus impulsos sanguinários.
O sacerdote examinava o jovem príncipe, exorcizava-o, mas ele saía dali pior do que entrava.
Os sortilégios usados pelo sacerdote causavam-lhe risos.
Seu comportamento oscilava entre ímpetos de bondade, que iam às raias do exagero e crueldades indescritíveis aos olhos humanos.
Nunca se sabia qual dos dois sentimentos emergiria entre uma crise e outra: se a cega bondade, ou a louca crueldade.
A vida da nobre família, cercada da mais alta pompa e realeza, era coroada de incertezas.
Esmérdis Tanaoxares12, irmão mais novo de Cambyses e suas duas irmãs, Atossa e Aristona distraíam-se jogando varetinhas e dados, na varanda, quando Cambyses se aproximou deles. Seu aspecto não era nada bom e seu olhar injectado de sangue amedrontou-os.
Os irmãos se entreolharam e adivinharam uma próxima crise.
Esmérdis aconselhou:
– Façamos de conta que não o vimos. É melhor...
E continuaram entretidos na brincadeira...
Não se sabe por que, nada aconteceu.
Viram o irmão se afastar, aliviados. Cambyses, no entanto, enciumado da amizade dos três e da alegria daquele brinquedo inocente, afastou-se incomodado e logo tramou algo.
Esmérdis não podia ser o preferido das irmãs.
A passividade do irmão o irritava e aquela visível afinidade que Aristona lhe demonstrava, magoava-o profundamente.
Aristona não podia gostar mais de Esmérdis do que dele, pensou consigo mesmo.
– Movimentarei este passatempo – murmurou com desprezo.
O alívio que os irmãos sentiram durou pouco.
Logo, Cambyses voltou acompanhado por um escravo que trazia uma jaula e dentro dela um filhote de leão.
Há dias ele estava adestrando aquele animal feroz.
Amedrontada, Aristona, a irmã mais jovem, escondeu-se atrás de Esmérdis, procurando protecção.
Sua atitude só fez irritar mais a Cambyses, que ordenou ao criado:
– Vá buscar os filhotes de Usna!
Usna era a grande cadela que fazia parte de seus entretenimentos diários e cada irmã adoptara um de seus filhotinhos.
Ao ver os mimosos cãezinhos nos braços das irmãs, virou-se para o servo que segurava a jaula:
– Solta o Fogo! – ordenou, referindo-se ao filhote de leão.
Em seguida, instigou o leão para cima dos filhotes de Usna.
– Que travem uma luta! – ordenou Cambyses, sabendo que seu leão era mais forte.
Esmérdis, preocupado com o desfecho da história e as intenções do irmão, sabia que não valia a pena contrariá-lo.
– Deixem-no – sussurrou para as duas irmãs. – Não, Esmérdis, não o meu! – gritou Aristona, apavorada, abraçando-se ao encantador filhote.
Enquanto isso, Atossa, abraçada ao outro cãozinho, tentava fugir.
Cambyses olhou-a irritado e agarrou-a pelo braço, ordenando:
– Fica!
– Estás me machucando!
Sem ligar, voltou-se para o escravo que, indeciso, segurava a porta da jaula.
– Solta-o da jaula! – exclamou o príncipe, raivoso.
O leão foi solto imediatamente, para a briga.
Sem piedade, Cambyses o instigou.
– Vai, Fogo, busca tua carne fresca!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 08, 2023 7:34 pm

O animal escancarou a boca, correndo atrás do cão de Atossa, que era apenas um meigo cãozinho.
Bastou o leão entrar em cena, para iniciar a gritaria. Começou a luta desigual, ante o olhar apavorado de suas irmãs.
O filhote de Usna defendeu-se das garras, debatendo-se valentemente, enquanto que o outro cãozinho permanecia preso pela corrente na mão de Esmérdis.
O filhote, no entanto, vendo o irmão preso, ficou aflito e, num momento de descuido de Esmérdis, soltou-se e atirou-se com toda a fúria contra o leão, travando uma briga intensa para salvar o irmão.
Infelizmente, o leão estraçalhou o valente cãozinho, enquanto o outro conseguiu fugir.
A terrível cena marcou profundamente a alma dos irmãos.
– Odeio Cambyses! – exclamou Atossa, injuriada com o que assistira.
– Nosso irmão é um doente mental – disse Aristona, tentando amenizar a sua raiva.– Não o defendas, Aristona, Cambyses é mau e eu desejo que ele desapareça! – exclamou Atossa com verdadeiro ódio.
Nunca mais se esqueceram deste fato e da atitude daquele que, no futuro, tornar-se-ia rei e a quem elas deveriam se submeter.
Infelizmente, Cambyses seria rei absoluto e seus destinos estariam em suas mãos.
As duas irmãs de Cambyses eram suas meias-irmãs e cada uma era filha de mães diferentes.
Aristona, a mais jovem, era belíssima, inteligente e meiga. Atossa já possuía uma beleza grosseira, cujo espírito atrasado denotava um génio perverso e mesquinho.
Ambas, porém, permaneciam sob a tutela de Ciro e, desde pequenas foram entregues a Cassandana para serem educadas.
Ciro as queria tornar princesas do reino. Elas serviriam para serem enviadas a futuros reis como preciosas mercadorias.

12 Esmérdis: O irmão de Cambyses II, era chamado pelos persas de Bardya; o nome Esmérdis foi dado pelo historiador grego Heródoto.
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4. Cambyses na Babilónia

Passou-se o tempo.
Ciro e seu exército saboreavam suas conquistas. As grandes riquezas amontoadas davam-lhes suporte para muito tempo em descanso. Os generais e soldados que se destacavam, ocupavam, junto ao rei, postos relevantes.
Desta vez, Cambyses acompanhou seu pai a Ecbátana13, onde estava concentrado grande tesouro.
O jovem príncipe, ao montar seu belo animal, perpassou um olhar altivo aos seus irmãos e jogou um beijo para sua mãe, depois acenou e disse:
– Voltarei!
– Queira Deus que Cambyses pereça por lá! – praguejou Atossa, quando se viu a sós com a irmã.
– Não fales assim, Atossa, Cambyses é nosso sangue e nosso futuro rei – disse Aristona, preocupada.
– Não sabes que ele pretende me tomar por mulher, esperando apenas a morte de nosso pai? – falou tristemente Atossa.
– Impossível, se estás prometida a Dario... – disse Aristona, que sabia da conversa entre seu pai e Hystaspes, o pai de Dario.
– Muito me apraz tal decisão, pois Dario me agrada e casando-me estarei, com certeza, minha irmã, muito longe das garras deste malvado... Nem sabes o quanto anseio mudar-me deste palácio infernal! – exclamou feliz Atossa com a notícia.
Tanaoxares, ao contrário de Cambyses, gostava do silêncio do templo. Seu espírito meditativo e calmo era o preferido das irmãs, a quem tratava com respeito e tinha paciência em ouvir suas queixas infantis.
Estando as irmãs a conversar, Tanaoxares Esmérdis aproximou-se com ares de mago, vestido em linho branco e a faixa lilás na cintura.
Esmérdis sonhava tornar-se um grande sacerdote.
Sorridente, fez uma observação que, por certo, agradaria às suas irmãs.
– O templo nunca esteve tão movimentado! – exclamou em tom maroto.
– Por quê? – estranhou, Atossa.
– As oferendas de hoje, dariam para alimentar uma tribo – respondeu com enigmático sorriso, que foi logo entendido.
– É por causa de Cambyses... – disse Aristona, que compreendeu logo a alusão.
– Os escravos, mutilados por ele, fizeram suas dádivas para que os deuses o persigam e ele nunca mais volte – explicou Esmérdis com um sorriso enigmático.
As irmãs deram uma gargalhada, pelo menos estariam livres dele por um bom espaço de tempo.
Todos os que antipatizavam com o primogénito sentiam-se aliviados e ofertaram dádivas aos deuses para que Ciro não perecesse na guerra, pois se Cambyses assumisse o poder eles estariam em grande perigo.

13 Ecbátana: Capital do reino dos Medos, fundada no final do século VII a.C. Actualmente chama-se Hamadan.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 09, 2023 11:30 am

5. Conselhos Paternos
Havia conquistado o coração dos babilónios e dos judeus por suas felizes concessões e por isso gozava de grande conceito entre os povos escravizados.
Os reinos da Média, da Babilónia e da Grécia, a ele submetidos, fundiam-se, agora, formando a Mesopotâmia14.
Faltava-lhe dominar o Egipto para completar suas conquistas.
Mantinha relações amistosas com os egípcios que, em parte, já lhe pertencia, pois o faraó Amásis15 lhe pagava tributo, através da aliança que havia feito com Creso16, o rei da Lídia. Formando uma boa política, Ciro deixava que os egípcios se mantivessem autónomos. O grande governador tinha seus olhos voltados para além do rio Jaxartes17 – queria conquistar o país dos Massagetas18.
Difícil enfrentar aquelas tribos bárbaras, que tudo fariam para defender as fronteiras orientais.
– Meu pai, – disse o príncipe – tenho uma meta ao acompanhar-te.
– Qual seria esta meta, meu filho? – indagou Ciro, analisando as intenções de seu herdeiro.
– Meu desejo é tornar-me senhor do Egipto. E não descansarei enquanto não subjugar este povo. Não compreendo por que ainda não o subjugas, meu pai!
– Oxalá, meu filho, trata-se de povo muito religioso, poderás conquistá-los ganhando-lhes a submissão, desde que não os impeças de reverenciarem a Deus. Caso contrário, não hesitarão em se rebelarem. Preferirão a morte, a renunciarem à sua religião. À semelhança dos babilónicos, pois somente lhes consegui a confiança depois de lhes permitir perpetuarem seus cultos e tradições. E o que há de mal? – filosofou Ciro, adepto do Zoroastrismo19. Cambyses mordeu o lábio inferior, contrariado, porque discordava das ideias religiosas do pai.
– Cada povo tem sua crença e o modo peculiar de reverenciar a Deus – aconselhou, sabiamente, Ciro.
– És muito tolerante, meu pai. Já penso que todos devem se submeter à vontade do soberano. Quando governar, destruirei os deuses que adoram e os farei vergarem-se à minha vontade! – exclamou cheio de raiva daqueles judeus que impunham sua vontade.
– Qual é o Deus que os ensinaria a reverenciar, Cambyses? – indagou-lhe o pai, irónico, porque o filho era avesso às práticas religiosas de seu país.
Cambyses silenciou.
O pai aguardava sua resposta com um sorriso nos lábios.
Depois insistiu, curioso, pois já havia sondado as tendências de seu querido filho e desconfiado de suas práticas misteriosas:
– Diz-me, filho, que Deus é este?
Ante o olhar penetrante de Ciro, o jovem príncipe respondeu, nervoso:
– Moloch! – A palavra saiu sufocada de sua boca.
Ciro deu uma gargalhada.
Em seguida, muito sério, fitou Cambyses profundamente nos olhos:
– Moloch, antiga deidade do mal? Ah! Todos fazem questão de esquecê-lo!... Tu queres reacender sua chama? Ah! Cambyses, todo persa deve temer o Mal como a noite teme o dia! Jamais se guiar pelas potências do Mal e dos cultos malsãos! Não sabes, meu filho, que Ahura-Mazda representa o Bem eterno? O Bem vencerá todo o Mal. A alma que habita o corpo sobreviverá e prestará contas a Deus de seus actos.
Preocupado com as paixões do filho excêntrico e com o destino de seu povo, quanto às secretas reuniões do antigo culto, Ciro, pacientemente, aconselhou-o:
– O culto a Moloch pertence à legião do mal. Esquece-o, Cambyses! – ordenou o pai. – Os babilónios fazem questão de esquecer Moloch e seu fogo destruidor. Jamais o pronunciam desde que adotaram a Marduk20 – afirmou, desejando evitar um confronto entre seu filho e os babilónios.
A Pérsia sofria a influência das tradições religiosas dos assírios, dos babilónios, dos gregos e dos medos. Ciro acreditava na imortalidade da alma e oficializara o Zoroastrismo como a religião persa, mas para manter a ordem interna o sábio rei tolerava os cultos de seus conquistados.
– Vê, meu filho, desde que nossas gerações adotaram Zaratustra como o profeta abençoado, tudo começou a entrar em ordem. Peçote que mantenhas a harmonia entre os povos, enquanto que Moloch apenas fará sofrer barbaramente a quem com ele se envolver... Ele é o próprio Ariam!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 09, 2023 11:30 am

Cambyses calou-se, porque vinha cultuando Moloch e praticava magias, ele e alguns jovens, às ocultas.
Seu pai julgou que seu silêncio expressava consentimento, depois continuou:
– Bem, Cambyses, quero que conheças minha estratégia, porque ela tem sido o sucesso de minhas conquistas. Não se governa bem com imposição. Quanto aos povos, melhor torná-los felizes enquanto escravos, deixando-os livres nas práticas religiosas – explicou, referindo-se aos judeus. – É muito humilhante para um rei tornar-se escravo de outro rei. Pensa melhor, Cambyses, um dia, não me terás para contemporizar...
Ao que Cambyses respondeu altivo:– Quando este dia chegar, meu pai, terei todos os povos enfeixados num só governo, então a Pérsia será o povo, e o povo falará o meu idioma e obedecerá a um só Rei!
Era inútil discutir com o filho e sua juvenil irreverência. Olhou-o compadecido e, como se visualizasse o futuro, falou:
– Ah! Meu filho querido, como te enganas, pensando que uma batalha se ganha apenas no primeiro momento. Um Rei escravo, aliado ao Rei dominante, é a chave do sucesso. Assim se quebra a força do inimigo. Destarte, aproveita-se do que os outros povos têm para nos oferecer!... Como te enganas, filho! Um rei prescinde de ceptro e coroa para governar, leva-se tempo para que os conquistados se aclimatem... Pensando em tudo isto, mais vale ter um aliado sob os pés, que todo um povo submisso à força e revoltado. Não é fácil, Cambyses, manter a ordem perene, não se pode descuidar a nenhum momento das satrapias21.
Cambyses admirava o grande monarca à sua frente, mas não conseguia gravar os seus sábios conselhos. Reconhecia a mão férrea do rei que estreitava os laços de suas conquistas, mas não admitia a tolerância religiosa.
Ciro parecia adivinhar suas dificuldades e alertou:
– Jamais te esqueças, Cambyses, que os povos, no futuro, se vergarão a um só Deus: o Deus Bom. Dia virá, em que um Profeta, um homem apenas, será capaz de unir todas as nações e estabelecerá o seu reinado legítimo entre o céu e a terra. Assim falou o profeta Zaratustra e está inserido no livro sagrado.
As palavras do rei o confundiram. Moloch falava alto a seus sentidos. Aquele profeta de que seu pai se ufanava, permanecia muito distante e irreal.
As noções religiosas adoptadas na Pérsia, e o julgamento das acções de cada ser por um Deus Bom, como a liberdade de escolher o caminho entre o bem e o mal, confundiam a mente do príncipe persa, que pendia para o culto do mal. Na verdade, a essência desta doutrina antiga era a de despertar nas consciências a responsabilidade de seus actos.
– Estás a dar azo a estes judeus, ó meu pai – reagiu ele, crítico. – Logo mais haverá um templo em cada canto do país! – disse Cambyses desejando se livrar daquele assunto inoportuno e julgando as atitudes condescendentes de seu pai, incoerentes para com a religião persa.
– Não, meu filho, o verdadeiro sentimento persa está no coração e na adoração à natureza! Não se deve obrigar estes povos a uma instrução que a sua mente não compreende – explicou Ciro, mais uma vez. – Desde Ciaxares22 é assim que tem sido! Um persa verdadeiro jamais erguerá altares e templos. Por que necessitarmos de templos, senão este da natureza exuberante e a abóbada azul que nos cobre?
– Estes judeus, meu pai, querem templos sumptuosos, enquanto nós erguemos altares ao fogo e amamos a vida livre e o disco solar que nutre o chão... Esqueceste, por acaso, do sangue aquemênida que corre em nossas veias? – argumentou Cambyses, que não concordava com os largos recursos que seu pai dispensava às construções dos templos judaicos.
– Nossa religião nos pede a tolerância. Jamais te esqueças!
Cambyses calou-se, porque assim falava o profeta Zaratustra.
Ciro, então, aproveitou aquele instante, julgando que seu filho o pudesse compreender:
– Nunca te esqueças, ó Cambyses, pois serás meu sucessor.
Escuta, os judeus declararam-me servo de Yahweh...23 É a maior honra que me concederam e alguns acreditam que seja eu o enviado de Deus, mas após conversa particular com o grande mago, eu te afirmo que eles se enganam, pois o Deus que virá em carne e osso não conhece as guerras e nem o mal. Ahura-Mazda reinará no Eterno.
– Que novo Deus é este, meu pai, tão covarde? – disse em tom zombeteiro de quem nada enxerga. – Os livros sagrados narram que seu poder é soberano sobre todo o mal e todos se vergarão ante ele, sua conquista será eterna,
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 09, 2023 11:31 am

Ele sim, é o ungido do Senhor absoluto. Ele é o Príncipe da Luz que banirá toda a treva do mundo... É o Ahura-Mazda!
– Meu pai, pobre soberano cuja cabeça se enche como taça de vinho das ideias destes semitas!24 – zombou Cambyses, afrontando o pai, ansioso para interromper aquela conversa.
– Enganas-te, Cambyses, o poder do rei é tão passageiro e incerto, que amanhã, tu ocuparás o meu lugar, se me sobreviveres...
Somos apenas seres mortais!
Ciro desejava prepará-lo melhor, pois contava com ele para continuar o destino de seu império, mas somente o tempo poderia modificar seu filho.

14 Em 539 a. C Ciro havia conquistado o vale da Mesopotâmia e a Caldeia, formando o poderoso Império Persa).
15 Faraó Amásis: Amásis (Ahmes ou Ahmose) II (? – 525 A.C.): Rei do Egipto (569 a.C. – 525 a.C.), durante a XXVI dinastia. Faleceu pouco antes da invasão persa de Cambyses II.
16 Creso, rei da Lídia: Creso: Último Rei da Lídia (560 a.C. – 547 a.C), um antigo Reino situado na parte oeste da Ásia Menor. Creso estendeu seu território até ao rio Hális, mas acabou sendo derrotado por Ciro II.
17 Rio Jaxartes: Actualmente Syr Darya (ou Syrdarya), um dos principais rios asiáticos que se estende do Kazaquistão ao Uzbequistão.
18 País dos Massagetas: Massagetas: Termo dado por Heródoto para designar a tribo nômada conhecida pelos persas com Mâh-Sakâ e que teriam vivido ao longo do Rio Jaxartes.
19 Zoroastro ou Zaratustra e seu código moral ( o Avesta) constituía a religião oficial adoptada por Ciro. O profeta Zoroastro recebeu instruções através de Ahura-Mazda, criador do céu e da terra. Seus cultos eram realizados em plena natureza e seus seguidores adoravam o fogo, o elemento sagrado e purificador. Ingeriam o ahoma (bebida alucinogénia) para terem visões. Quando o rei aboliu este uso, porque estava prejudicando seus adeptos, os que não ficaram satisfeitos formaram uma sociedade secreta. Esta sociedade desenvolveu-se na Média e criou uma escola de magos que praticava seus cultos, às ocultas, com o sacrifício de animais e pessoas
20 Marduk era o principal deus da Babilónia.
21 Atrapias: Cada uma das províncias em que estava dividido o antigo império persa.
22 Ciaxares II, filho e sucessor de Fraortes, conquistador meda. Foi o verdadeiro construtor do Império Medo. Cerca de 612 aC. tomou Ninive e depois conquistou a Mesopotâmia.
23 Título dado pelos judeus a Ciro, por sua tolerância religiosa e por lhes ter permitido restaurar seus templos e retornarem a Jerusalém. Nota do autor Espiritual.
24 Semitas: Família etnográfica e linguística, originária da Ásia ocidental, e que compreende os hebreus, os assírios, os aramaicos, os fenícios e os árabes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 09, 2023 11:31 am

6. Cambyses, vice-rei da Babilónia
A família real encontrava-se em Persépolis25, onde, diariamente, caravanas chegavam carregadas de tesouros conquistados em Ecbátana.
Meses depois, a família e a corte se transferiram para a Babilónia, onde Ciro tinha grande interesse em permanecer por mais tempo, a fim de desfrutar da longa jornada e das grandes conquistas alcançadas.
Era o momento propício para coroar Cambyses.
Foi com grande entusiasmo que a real caravana se pôs a caminho a fim de assistirem à coroação de Cambyses na Babilónia.
Ciro, considerado pelos judeus o enviado de Yahweh, rendeu-se aos rituais judaicos e lhes permitiu restaurar os templos. Decretou a sua volta à terra prometida; tal atitude eliminou as discórdias políticas e religiosas e seu conceito cresceu entre aqueles homens arraigados às suas leis e tradições.
Que importância teria aquele deus Marduk, a quem a Babilónia caldaica se vergava? Desde que mantivessem a paz e pagassem os tributos...
Ciro reconhecia, também, a força dos magos orientais que ouviam os espíritos e adivinhavam o futuro. Ele procurava tirar total proveito para si próprio e seu povo.
Proclamado rei da Babilónia, todo o Próximo Oriente agora lhe pertencia.
* * *
A ideia de tornar Cambyses vice-rei contrariou seus assessores, que julgavam o rei precipitado, mas quem ousaria contestar as suas resoluções?
– Hystaspes, – chamou o conselheiro – enquanto Cambyses assume o trono, iremos nós buscar o país dos massagetas, pois tenho grande interesse naquele lugar de pedras preciosas e outras riquezas. Anexarei valioso território ao meu império, forçando a fronteira oriental.
Não agradava a Hystaspes, principal conselheiro do rei, ver Cambyses ocupar o trono. “Ele é um louco”.– pensava.
Hystaspes estava ligado ao rei pelos laços consanguíneos, quis ainda intervir, mesmo sabendo que seus rogos de nada valeriam.
– Devias aguardar mais um pouco, majestade, mais trinta luas! – retrucou o conselheiro, referindo-se a Cambyses.
– Como ousas pensar que é cedo, Hystaspes, Cambyses II tem idade suficiente para fazer valer sua autoridade.
– Idade sim, mas pouco juízo – ousou Hystaspes, que detestava Cambyses.
O conselheiro intencionava ver Dario, um de seus filhos, ser mais tarde coroado rei aquemênida, restaurando o antigo reinado da Média. A aliança entre ele e a princesa Atossa era o primeiro passo, mas Cambyses e Tanaoxares constituíam um empecilho a seus projectos.
Sentia-se no direito de opinar. Excluindo os dois sucessores legítimos de Ciro, caberia a Dario, seu filho, a chance de subir ao trono da Pérsia e da Média.
Infelizmente, Ciro afastava qualquer hipótese que retardasse a coroação.
O soberano percebeu as intenções do primo e, para que não deixasse mais dúvidas quanto à sua decisão, encarou-o com o olhar chamejante de poder e sorriu melífluo:
– Não te preocupes, Hystaspes, teu filho permanecerá junto a Cambyses como seu tenente mor.
Hystaspes fingiu não perceber a ironia e fechou o semblante. Ciro perpassou um olhar altivo a seus conselheiros e ordenou:
– Preparem a coroação de Cambyses!
Nenhum deles ousou mais contestar.
Estava feito.

25 Persépolis se tornou a capital do antigo Império Persa aquemênida à época de Dario I, sucessor de Cambyses II; foi incendiada por Alexandre Magno em 331 a. C.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 09, 2023 11:32 am

7. Cambyses, um rebelde
Ciro e seu filho conversavam, acomodados no terraço de pedra.
– És jovem! Terás tempo para aprender! Vamos à luta! Verás, meu filho, que aceitando a Marduk, teremos os babilónios submissos à nossa vontade!
Cambyses mostrava-se rebelde às ideias paternas.
No plano espiritual, percebia-se nitidamente que o príncipe persa sofria o assédio de entidades malignas ligadas ao culto de Moloch.
Enquanto seu pai insistia, sua fronte tornava-se escura e sombria, prestes a ter uma nova crise.
Aquelas perversas entidades espirituais, antigas deidades do mal, não lhe davam tréguas. Emergiam de seu passado milenar, do sacrifício de inocentes criaturas ao deus do mal, molestavam sua alma para vingar.
Eram as vítimas de Moloch, atormentadas pelo sangue e pelo fogo que lhe cobravam paz. Uma voz grossa e rouca falava dentro de sua cabeça, concitando-o a obedecer ao pai e depois fazer tudo quanto eles queriam. Aquela voz sinistra não brincava com ele.
Procurou, então, mudar a sua táctica rapidamente.
Cambyses percebeu que seu genitor jamais lhe cederia, não teve outra alternativa, senão obedecer:
– Será como quiseres, meu pai!
– Assim é que se fala, Cambyses! – exclamou o pai beijando-o nos lábios.
Ciro retirou do anular um anel de esmeralda e entregou-o a Cambyses.
– Aqui tens meu selo![/b]
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 09, 2023 11:34 am

8. Primórdios cristãos

O grande rei permitiu aos judeus retornarem para Jerusalém, reabilitou seus templos e lhes concedeu falarem em suas línguas.
Seu harém foi acrescido de mais de duas mil escravas judias, todas belas e jovens.
A cultura persa, sob a influência dos gregos e de todo o Oriente Próximo, sofreu grande modificação nos costumes, nas leis e na fé religiosa.
Os povos escravizados receberam o Avesta, que incorporava da grande Índia a ideia do bem e do mal e a superioridade do bem sobre todos os fatos. Sob a égide do profeta Zaratustra, Deus preparava o seio da Mesopotâmia inserindo a sua sagrada lei: “Não façais aos outros o que não queríeis que vos fizessem”.
O ensinamento do profeta era um verdadeiro chamamento do homem ao dever, implantando o temor sobre o destino dos maus e a glória sobre o destino dos bons.
O lendário profeta Zaratustra foi um dos enviados de Jesus à terra para preparar, no seio da Mesopotâmia, um código de Ética, capaz de levar o Homem a pensar num ser supremo, no dualismo entre o Bem e o Mal. Um convite a se afastar das potências do Mal e se tornar merecedor da Luz.
Naquele emaranhado de povos bárbaros, de línguas e culturas, uma mistura de pensamentos e ideais formava, paulatinamente, nova sociedade que, no futuro, receberia Jesus como o messias que viria redimir o mundo.
Cambyses II, porém, recusava aquelas ideias para seguir seu culto a Moloch e ao haoma26, o mesmo culto que seu avô, sanguinário guerreiro aquemênida, defendeu até a morte, cujo nome e características ele havia herdado27.

26 Haoma: Espécie de narcótico tóxico utilizado na Antiga Pérsia para comunicação com o mundo espiritual em rituais de sacrifícios animais; seu uso foi combatido por Zoroastro.
27 Ao tempo de Cambyses, avô de Cambyses II, os persas se vestiam de peles de lobos e se transformavam em próprios lobos numa dança frenética sob o efeito da planta alucinogénia e elevavam altares de fogo, sacrificavam seres humanos e bebiam o sangue de suas vítimas e depois partiam para a guerra como lobos vorazes. Aplicavam os sagrados conhecimentos da religião para se fortalecerem na guerra. – (Nota do autor espiritual)
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9. A coroação
Enorme séquito seguiu o rei.
Cambyses mordeu os lábios, tentando se controlar.
Seu olhar demonstrava a pressa em se ver livre daquelas honras, para ele, medíocres e enfadonhas.
Seu pai insistia em que sua coroação se realizasse frente ao deus Marduk.
Tamanha inquietação d´alma provocou nele um violento ataque. A cerimónia foi adiada.
Bailarinas, ao som de tambores, deram início a uma extravagante coreografia programada para a cerimónia, e ninguém mais se preocupou com o jovem rei.
Instantes depois, pálido como um cadáver, Cambyses submeteu-se aos rituais babilónicos.
Vestiu a roupa sacerdotal e acompanhou a cerimónia que nada lhe significava.
Enojado da carranca que deveria reverenciar, abaixou-se, encostou a testa ao solo, em profunda vénia. Disfarçadamente, cuspiu ao chão.
Depois daquele acontecimento, aumentou a expectativa em torno dele. Cambyses, com o semblante altivo, o olhar frio e distante, finalmente ouviu três vezes a mesma frase:
– Cambyses II, meu filho, coroado vice-rei da Babilónia!
Os súbditos reverenciaram o grande rei e seu filho.
Três vezes se abaixaram e gritaram:– Cambyses, nosso rei!
Ciro respirou aliviado e Hystaspes fechou o punho de raiva.
Dario acompanhou toda a cerimónia ao lado de Atossa e Aristona.
O invejoso pretendente da coroa disfarçava seu descontentamento, pensando com qual das duas deveria fazer aliança.
O longo ritual estendeu-se noite adentro. O esforço que Cambyses fizera para se controlar, extenuou-lhe as energias e, após a coroação, ele foi afastado, porque sobreveio nova crise epiléptica.
Aquele sombrio jovem, a quem deveriam doravante se submeter, não agradou aos babilónios, mas nada se podia fazer ante a vontade de seu soberano.
Todos, em respeito, ajoelharam-se quando ele saiu.
Doze dias e doze noites de festas precederam a cerimónia da coroação com lautos banquetes, danças, oferendas de flores e animais na entrada do Ano Novo babilónico.
* * *
Após a coroação, Ciro retornou a Pasárgadas28 para reorganizar seu exército e construir uma ponte. Despedira alguns mensageiros, com caríssimos presentes, na tentativa de propor uma aliança à rainha dos massagetas, sua próxima conquista.
– Partiremos para o Sul! – ordenou a seus generais.
Ciro, despótico, parecia uma grande árvore, em cuja sombra todos se deleitavam.
O rei, apesar da idade, conservava-se forte e belo. Ninguém conseguia ultrapassá-lo em sabedoria e presença. O grande magnetismo que ele irradiava não comportava rivais. Sua personalidade era sempre envolvida por um bando de bajuladores que o copiavam nas mínimas atitudes. Ciro, vaidoso, se deleitava com aquelas disputas infantis.
Reuniam-se, geralmente, sob enorme tenda, enquanto descansavam os camelos e cavalos. Ciro pronunciava longos discursos a seus generais, que descansavam entre bocejos, bebidas e belas escravas. Ele oferecia a seus generais lindas mulheres para entretê-los. As mulheres que eram descartadas jamais retornavam a seu harém.
Outras reuniões de carácter oficial aconteciam, no interior do palácio, com a presença de alguns magos e sacerdotes que rodeavam Ciro. Momentos em que eram incluídas no Avesta, novas leis sobre os cultos e seus efeitos. Estas reuniões obedeciam a um carácter menos mundano.
– Todos os meninos neófitos terão suas cabeças raspadas – decretou o rei.
– Todo homem que tenha pelos no rosto usará cabelos longos.
– Os sacerdotes usarão a mitra em ocasiões próprias.
Um secretário anotava, em tabuinhas, aquelas leis de usos e costumes.
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Naquele emaranhado de cultos e religiões era preciso decretar algumas normas necessárias aos filhos dos escravos.
– Os filhos de babilónios serão submetidos à circuncisão. – continuou o soberano.
– As mulheres prestarão obediência e serviço e serão mantidas, em alojamento separado, aquelas que estiverem imundas.
Cambyses ouvia atento, analisando aquela corte que, mais tarde, faria parte de seu dia-a-dia. Aguardava apenas seu pai se retirar com as tropas para impor livremente sua vontade, como soberano.
Herdara de seu pai o espírito guerreiro e destemido, mas sua ansiedade em dominar os inimigos, torná-los escravos, desfrutar das belas escravas era enorme. Queria levar novamente Moloch ao palco, ao sabor de suas paixões. Ficava demasiadamente nervoso.

28 Pasárgadas: Capital da Pérsia durante o reinado de Ciro II, situada a cerca de 87 km a nordeste de Persépolis.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 09, 2023 11:35 am

10. Esmérdis
Tanaoxares Esmérdis ordenara-se mago.
O mago exultava quando o pai e os soldados se afastavam para as campanhas de guerra. Meses em que o palácio e a cidade se esvaziavam e os cultivadores do campo enchiam os celeiros e os artesãos trabalhavam incansáveis.
A cidade ficava serena. Todos podiam se deleitar em caçar javalis e treinar pontaria com arcos e flechas. Correr livres pela floresta.
Os dois irmãos haviam participado dos cultos babilónicos, dos judeus e dos semitas e tinham compreendido a essência filosófica de cada fé.
Todos os povos cultuavam o sacrifício de animais, à excepção dos Citas, que ainda sacrificavam seres humanos.
Esmérdis, dedicado à magia, havia alcançado os sete estágios, enquanto Cambyses, sob o efeito da haoma, perdia-se na busca do Eterno.
Cambyses e alguns companheiros aproveitavam a ausência de Ciro para perpetuarem o culto a Moloch.
Para isso, ele e um grupo de jovens se dirigiam às montanhas, nos lugares mais desertos, onde se erguiam altares de pedra em plena natureza. Acendiam fogueiras, assentavam-se em círculos, enquanto um deles atirava ao fogo castanhas da árvore sagrada. As castanhas queimadas exalavam uma fumaça e um forte cheiro que os embriagava e alguns começavam a ter visões.
Nas entranhas dos animais e no sangue das vítimas, acreditavam desvendar o futuro e se tornarem mais fortes. Essa droga actuava em seus cérebros provocando visões e alterações fisionómicas. Seus olhos se dilatavam, o nariz e a boca pareciam aumentar como se estivessem inchados.
Esmérdis criticou o irmão pelos excessos, pois aquele ritual perigoso que atraía os jovens tinha consequências muito graves.
Muitos guerreiros se excediam e, depois daquele culto, perdiam a razão ou ficavam imprestáveis, outros sucumbiam.
Cambyses, entretanto, não lhe quis dar ouvidos, porque era sob o efeito daquela droga e daquele ritual que todo o seu potencial energético surgia.
– Estás te excedendo, Cambyses, poderás perder totalmente os sentidos. Recordas-te de Abdias, o mago, que morreu tão jovem?
– Sim, mas ele era fraco e covarde – respondeu, despreocupado.
– Muitos aboliram o sacrifício de seres humanos – disse Esmérdis, que não aprovava aquele ritual com o sacrifício de vidas humanas. – Olha os babilónios... – continuava Esmérdis para convencê-lo.
Cambyses fez um muxoxo.
Esmérdis insistiu:
– Nosso pai é considerado, por eles, um enviado do próprio Deus!
É um dos eleitos de Israel! Deram-lhe a maior honra. E se descobrem os nossos cultos ao luar? Criarás tamanha inimizade, e não sei se valeria a pena, Cambyses...
– Se temes o licor dos deuses, Esmérdis, nada posso fazer. Não me submeterei a mudanças.
– Não mais participarei, Cambyses – disse enfim Tanaxoares, cansado de duelar em vão.
– Tu irás, amanhã! – ordenou, Cambyses altivo.
– Não poderás me obrigar – reclamou sereno, Esmérdis, sem se intimidar.– Preciso que vás, Esmérdis, peço-te – insistiu Cambyses com doçura na voz. – Somente mais esta vez. Imploro-te, não me deixes!
Esmérdis continuava indeciso.
Cambyses riu do irmão.
– És um grande covarde, irmão, por que não experimentas?
Todos os teus poderes aumentarão! Afinal, o que temes? Somente irás ganhar!
– Não – respondeu, prudentemente, Esmérdis.
Cambyses calou-se.
Aquele silêncio fúnebre convenceu Esmérdis de que ele não estava bem. Conhecia todas as suas fraquezas, mas temia abandoná-lo às extravagâncias de seus cultos nas montanhas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 09, 2023 11:36 am

– Prexaspes te fará companhia – disse, convicto, Esmérdis.
– Eu sei, mas necessito de ti – tornou a lhe pedir.
– Talvez eu vá, pela última vez – disse Esmérdis, dando-lhe uma esperança.
Não estava disposto a participar do ritual. Mas, quem levaria Cambyses de volta ao lar? – pensou, ciente da sua louca imprudência.
Cambyses não conhecia todos os efeitos daquela planta maldita e temia uma perigosa reacção, Esmérdis olhou ao seu redor, viu Prexaspes e chamou-o:
– Prexaspes, não podemos deixar Cambyses só – pediu Esmérdis, preocupado com o desfecho daquela próxima noite enluarada. Eu não confio em Dario.
Para Cambyses, nenhum culto era mais emocionante que aquele sob o luar. O culto só terminava com o sacrifício de inocentes crianças e jovens, ou de um boi, na falta dos primeiros.
Tudo estava propício, Ciro já havia partido para Ecbátana.
Tanaoxares não queria abandonar Cambyses.– Prexaspes, irei, mas saibas que será a última vez. Ciro aboliu tais práticas e, se nos descobre, seremos banidos – explicou ao amigo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 09, 2023 6:56 pm

11. Culto a Moloch
Cambyses aproveitou a ausência de seu pai para realizar seus desejos.
Aquele extravagante culto acontecia raramente, mas deixava marcas horríveis na alma de quem dele participava.
Sob o belo luar da Mesopotâmia, cantos e tambores anunciavam a chegada do rei.
Moloch estava horrendo entre as duas colunas de pedras, em cujas pontas erguiam-se duas tochas que iluminavam suas faces. A enorme máscara pintada estava envolta num cocar de penas vermelhas e brancas, o corpo vestido com uma pele de tigre e plumagens brancas nas extremidades. Ninguém poderia jamais adivinhar quem estaria ali sob aquele terrível disfarce.
Moloch parecia um animal, um pássaro, um ser das entranhas da terra, o próprio génio do mal ali encarnado, qualquer fosse a pessoa que, sob sua aparência, se escondia.
Os tambores batiam baixos e, aos poucos, os sons tornaram-se ensurdecedores. As vítimas surgiram carregadas em macas, quase nuas.
Uma das vítimas ostentava a pele muito alva que ressaltava sob a luz do luar: era uma jovenzinha, a última vítima daquela cerimónia.
Nenhum mortal poderia registar cena mais macabra.
Uma flecha atravessou a ponta de seus seios erectos.
A criança, sob o efeito da droga e do medo, estremeceu apenas.
Duas lágrimas escorreram dos tristes olhos quando um fino punhal retirou seu órgão genital e depois o coração, que foi entregue a Moloch, que primeiro bebeu o sangue e, depois, entregou-o a Cambyses que, impassível, sorveu aquele líquido vermelho ainda quente das entranhas de sua vítima.
Aquele gesto acabou por exaurir o resto de forças do infeliz príncipe que, não suportando o peso daquele momento, fechou os olhos e desmaiou.
Nem sequer viu a vítima ser colocada entre as duas colunas e ofertada ao deus malsão das trevas.
No dia seguinte, nenhum daqueles jovens ousava comentar sobre o ritual.
Em seus rostos adivinhava-se uma tortura íntima a sugar-lhes as energias. Eles todos pareciam feitos de cera e, tais quais zumbis, ficavam melancólicos, nervosos e irritadiços, amolecidos e insatisfeitos por vários dias.
Cambyses encerrava-se no leito com febre altíssima e era tratado com poções de remédios e compressas na região frontal.
Esmérdis, igualmente, fugia para o recolhimento e ficava dias em completo jejum e orações até passar o terrível mal-estar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 09, 2023 6:56 pm

12. A doença
Ciro partiu para a grande planície do Irão, mas adoeceu durante a viagem. Febre e dores na testa não lhe deram sossego.
Foi trazido, às pressas, de volta à Pasárgada.
As dores na região ocular, que se estendiam por todo o crânio, acabaram por aniquilar o valoroso monarca.
Nenhum médico conseguiu curá-lo.
Então, apelaram para a ciência egípcia.
– O rei ordena que tragam um médico egípcio, apenas eles sabem tratar este mal com eficiência – disse Xenefrés, secretário do rei, aos oficiais.
Imediatamente, partiram alguns súbditos com tesouros para que trouxessem, à presença do rei, o melhor médico do Egipto.
O Egipto, governado por Amásis, era o único povo que permanecia pagando tributos a Ciro, mas independente.
Amasis recebeu a notícia com um leve sorriso. Detestava aqueles bárbaros persas, apesar de suas relações amistosas.
– Não é bom que provoquemos estes malditos persas – disse a Psamético, com um sorriso estranho.
– Trazei Udjahorresne! – ordenou o governador do Egipto.
Amásis referia-se ao oficial médico que lhe causava sérios problemas e viu, naquela oportunidade, uma desculpa para descartá-lo.
Mas, o oficial não recebeu a incumbência com bons olhos, porque conhecia as intenções do faraó e sua antiga implicância para com ele e suas ideias de abrir os portos, também aos árabes. Udjahorresne foi obrigado a se separar de sua família a quem amava com desvelo e sentiu seu coração se incendiar de ódio por Amásis e seu filho Psamético.
“ Amásis não pode se vingar pelas minhas ideias, não desse modo! – suspirou. – Ah! Mas eles não perdem por esperar!”
O médico deixou o Egipto, prometendo a si mesmo que se vingaria daquela afronta.
* * *
Cassandana, experiente enfermeira, tudo fez para aliviar as dores de Ciro e, jubilosa, recebeu o terapeuta que adentrou no palácio, disposto a tudo fazer para curar o rei, cativar sua protecção e depois se vingar do faraó.
– Minha cabeça parece um martelo. Não suporto mais, Cassandana, creio que morrerei – reclamou o rei.
– Acalma-te, meu senhor, o médico egípcio está manipulando os remédios.
O médico tratou o rei.
Dias depois estava bem melhor. Udjahorresne ensinou a Cassandana algumas práticas de medicina.
A mulher, feliz em demonstrar ao soberano seu novo aprendizado, exultou com os efeitos que seus cuidados exerceram sobre ele.
A vida de Cassandana, na velhice, tomava outro rumo. Apesar de nunca mais ser procurada por Ciro para servi-lo como mulher, agora assumia seu antigo posto, cuidar dele.
– Udjahorresne, tudo farei para que recuperes tua mulher e filha a teu lado; um homem tão bom como és, não merece ser infeliz!
– Ah! Soberana, se todos pensassem assim!...
Selava-se uma grande amizade e o médico passou a fazer parte dos nobres conselheiros do rei.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 09, 2023 6:57 pm

13. Um funeral
Ciro recuperava-se, lentamente, daquela terrível doença. Certa noite, acordou desolado, por causa de um terrível pesadelo.
– Vou morrer! – exclamou suando e trémulo.
Cassandana, vigilante, vendo-o remexer-se na cama e virar de um lado para outro, foi até ele.
– O que te acontece, meu senhor? – perguntou-lhe, preocupada.
A esposa, que lhe devotava grande amor, era a única mulher que entrava naquele aposento.
Udjahorresne havia lhe ensinado como fazer algumas compressas úteis, mas agora não se tratava de doença física.
Ciro não tolerava a claridade e explicou:
– Quando o dia amanhecer, depois das orações, contar-te-ei o que vi. Somente quando Airimã tiver ido – disse o rei, aguardando o alvorecer, tal era a sua preocupação.
Desde que adoecera, uma sombra vinda do Amenti o acompanhava por todos os flancos, e sofria de delírios febris, que o deixavam exausto. Todos aqueles sintomas levavam-no a se preocupar com um possível fim.
Cassandana colocou os incensos preferidos de Ciro, preparou as almofadas sobre alcatifas e ficou aguardando.
Finalmente, o dia amanheceu e assim que os primeiros raios do sol entraram no aposento, Ciro saudou o disco solar com uma venda branca nos olhos e reverenciou a Deus:
– Ahura-Mazda!
– Ahura-Mazda!
– Ahura-Mazda!
Fez suas abluções e orações e, finalmente, se acalmou.
Cassandana esperou-o, pacientemente, para ouvir o terrível pesadelo que sofrera à noite.
Ciro começou a dizer pausadamente:
– Sonhei com um real cortejo. Acredito que meu fim se aproxima.
O rei descreveu o funeral, como se fosse o seu.
Já havia algum tempo que aquelas sombras o perturbavam, nenhum sacerdote conseguia acalmá-lo e nenhum sacrifício ou doação aos deuses resolviam aquele problema.
– Acalma-te, meu senhor, o profeta virá abençoar-te, és justo e magnânimo! Talvez te poupem e sacrifiquem outro em teu lugar! – disse para animá-lo.
Os raios solares aumentaram e, com uma cortina, Cassandana diminuiu a claridade.
– Não findarei sem concluir meus últimos desejos. Acredito que chegou o momento de reunir todos. Não quero as pompas antigas, pois a morte nos iguala, como esta dor que ainda teima sobre meus olhos; nem todo o meu ouro é capaz de amenizá-la.
Depois ordenou a um servo:
– Traz-me Cambyses, é preciso prepará-lo.
O fiel servo do rei saiu à procura de Cambyses.
Despediu outro a procura do médico:
– Traz-me Udjahorresne.
Udjahorresne, quando no Egipto, fazia parte da casta sacerdotal.
Fora praticamente banido de seu país e a gratidão que Ciro lhe tinha por tê-lo curado, fizera dele, agora, seu grande aliado.
Cassandana, fervorosamente, orava a Deus, enquanto aguardava o médico e o filho.
O primeiro a chegar foi o médico. Logo que este entrou no aposento imerso em ténue luz, acercou-se de seu real paciente, examinou-o e disse:
– Em menos de uma semana estarás apto a ver a luz e toda a névoa se passará, ó, Soberano.
Ciro esboçou um sorriso descrente e falou, convicto de sua morte:
– Tua medicina é eficiente, mas as sombras me atacaram sem piedade, nesta noite. As sombras ameaçadoras da morte a ninguém poupam; logo meu corpo se deitará no solo, então verei a luz de Mazda. É esta luz que haverei de ver!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 09, 2023 6:57 pm

Udjahorresne compreendeu o delírio do rei e nada disse, porque seu aspecto físico apresentava grandes melhoras. Queria falar-lhe sobre o outro mal que o assaltava, quando ouviram um barulho.
Era Cambyses que entrava sombrio e angustiado. Ele, também, não tivera uma de suas melhores noites.
O rei alegrou-se com a presença dele, estendeu-lhe a mão e disse:
– Meu querido filho, Cambyses II, precisas ouvir-me.
– Sim, meu pai, aqui estou – respondeu Cambyses ajoelhando-se numa perna e segurando a mão do rei em sua destra.
As sombras ameaçadoras da morte pareciam se aproximar e envolvê-los.
Ciro estava lúgubre e sua voz rouca pausada, mas firme, adiantava ao filho querido suas últimas recomendações.
– Ahura-Mazda, com seu poder, virá me envolver e não quero me perder nas trevas do abismo. Quero me despojar de todo o mal praticado e no Avesta está escrito: Fazei do inimigo, amigo; fazei do iníquo, justo; fazei do ignorante, instruído. Não quero altar e tampouco que me idolatrem. Desejo ir para o monte, que me enterrem junto à natureza; à sombra dos cedros construam meu túmulo em nossa divina Pasárgada. É lá, ó Cambyses, meu filho, que deverás me colocar. Escreva sobre o meu túmulo: “ Mortal, eu sou Ciro, que firmei o Império dos Persas e governei a Ásia: não invejes o meu túmulo”.
Atento às instruções de seu pai, Cambyses, ajoelhado ao leito, deitou seus lábios descorados em sua destra em profundo respeito.
– Cambyses, ouve-me, pela última vez. Sê persuasivo, filho meu, herdeiro de meu país, O Fogo Eterno queimará as impurezas da alma. Distribui alimentos, flores e perfumes a Deus, Ele apenas ouve a prece do justo. Não sacrifiques as donzelas nem as crianças, porque eles têm alma e derramam o sangue que ferve nas artérias.
Sê piedoso, filho, com teu inimigo, pois ele te pagará a misericórdia com o suor de seu trabalho o que já é uma humilhação. Tens meu exemplo, Creso tornou-se meu grande amigo e seu espírito veio do túmulo agradecer-me. Vê, ninguém morre. A alma sobrevive e encontra Deus. Constrói em meu túmulo, Cambyses, duas colunas gregas na entrada em homenagem a Creso, este pórtico é o símbolo de nossa amizade. Os magos zelarão por meu túmulo e cuidarão de que tudo fique na mais perfeita ordem para que ninguém o assalte. De onde estarei haverei de receber os presentes que me forem ofertados. Meu desejo agora é dividir o meu reino entre tu e Tanaoxares, para que não haja dúvidas.
O grande monarca fez uma ligeira pausa e Cambyses enxugou-lhe o suor, depois continuou:
– Vou partir, desejo pronunciar um discurso antes de minha morte, reuni todos da casa e os dilectos, daqui a dois dias ao pôr-do-sol.
Ciro acreditava que ia de fato morrer, e, dois dias depois, ocorreu um grande tumulto no palácio.
Sua família e seu povo estavam ali com o semblante fúnebre e muitos não haviam dormido porque passaram a noite em orações e abluções em torno de lareiras incandescentes pela saúde do rei.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 09, 2023 6:58 pm

14. A despedida
Não se podia conter a multidão à porta do grande palácio cheio de colunas talhadas em pedras. Palestinos faziam orações e ofertas no templo principal para que o rei se curasse.
O pórtico, guardado por duas estátuas de touros alados, fora todo enfeitado por guirlandas para receber o rei.
Dois enormes touros ajoelhados formavam as colunas para compor a apadana onde o rei se assentou, pálido, mas firme.
Ciro ostentava roupa em púrpura e dourado, seu belo rosto e seu porte erecto de rei não lhe davam aspecto de quem estava prestes a morrer. Como a palavra de rei era a última a ser dada, ninguém ousou contestar.
O real harém encontrava-se em rebuliço. Os guardas eunucos caminhavam agitados acendendo círios e incensos por todos os cantos.
As mulheres não continham o choro e a desgraça parecia invadir os corredores.
Os lamentos descontrolados cessaram ao som grave de um portador:
– Calem-se, o rei vai falar!
Muitos acreditavam que ele era o escolhido para salvar o povo da servidão, aquele que os profetas haviam anunciado e se encontrava registado nas escrituras, o livro sagrado dos judeus.
Ciro, filho de Cambyses I e de Mandane, princesa da Média, era o último rei aquemênida, muito amado por seu povo.
Os tambores e as trombetas calaram-se e o oficial anunciou: – Vai falar Ciro, Senhor da Babilónia, Senhor da Lídia e Senhor da Média, Rei dos Persas, Rei de Anshan!
Vários secretários anotavam em tabuinhas as últimas palavras do soberano.
A fúnebre cerimónia tinha como objectivo sua despedida e determinar aos filhos, territórios e obrigações.
Mobilizou todo o reino e chamou o principal sacerdote do templo para a cerimónia dos sacrifícios.
Depois de entregar a Deus alguns alimentos, flores e pequenos animais, o rei estava devidamente ungido e preparado para adentrar no reino da morte. A grande fileira de magos fez um semi–círculo ao redor da apadana e aguardaram, solenes, o pronunciamento do grande monarca.
O magnânimo rei acreditava na sobrevivência da alma e na comunicação dos espíritos, convicto da superioridade do Bem sobre todo o Mal, não temia a morte.
Durante o jejum a que se submeteu, Ciro teve uma visão em que o espírito de Mandane, sua mãe, lhe falava:
– Meu filho, Ciro, usa a tua autoridade aquemênida e unge teus filhos de amor, porque Cambyses e Tanaoxares necessitarão de tua protecção e sob a tua égide deverão reinar.
Ante o conselho materno que vinha do reino da luz, desejou conciliar seu vasto trono e acabar com as discórdias entre seus filhos e conselheiros do Império.
Abriram-se as portas e grande número de pessoas adentraram, lotando a sala de audiências.
Os presentes aguardavam seu pronunciamento, em estranha expectativa.
O momento era patético, afinal ele não se encontrava tão ruim assim para morrer.
Solenemente, Ciro fez longo discurso sobre seus grandes feitos, ante os bocejos dos próprios súbditos. Somente os interessados ficaram mais atentos, quando o rei se referiu à divisão de seu reino entre os dois filhos varões:
– Sou o Rei dos Reis. Meu poder se estende por toda a Ásia e a Europa. É momento de passar o meu reino; nada melhor que destinar a meus filhos o que recebi de meu pai e o que conquistei com a bravura do sangue aquemênida que me corre nas artérias. A ti, Esmérdis Tanaoxares, deixarei o governo da Média, da Arménia e dos cadúsios. É verdade que terás mais facilidade que teu irmão, quanto às províncias orientais. Teu governo será mais ameno. Não terás tributos para arrecadares, poderás cuidar da religião e da educação.
– A ti, Cambyses II, meu primogénito, destinarei a coroa de todo o Império. Reinarás soberano, auxiliado por Tanaoxares. Quero que saibas que não é este ceptro de ouro que te conferirá o poder. Os amigos fiéis são o verdadeiro ceptro dos reis. Não é o temor que te dará amigos, mas a beneficência. Terás por aliado Tanaoxares Esmérdis. Que maior honra ter-se um irmão como aliado?
Tanaoxares é o único que poderá governar contigo sem excitar inveja.
O rei fez uma pausa.
Grande silêncio reinou.
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