LUZ ESPÍRITA
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Série Lúcius - RENASCER DA ESPERANÇA / Sandra Carneiro

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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 17, 2014 8:34 am

RENASCER DA ESPERANÇA
SANDRA CARNEIRO

(PELO ESPÍRITO LUCIUS)

Embora este romance utilize experiências verdadeiras vividas por diversas personagens, para aprendizado de todos nós, não se propõe narrar factos históricos, não obstante revele casos que ocorreram nos primórdios do Espiritismo.

Lucius

PREFÁCIO

O encontro da alma humana com o Criador é a experiência mais profunda e uma das mais desejadas por todos nós, quer estejamos encarnados ou fora do corpo físico.

Ao vasculharmos nossos mais íntimos anseios, percebemos essa necessidade, por vezes adormecida e até amortecida.

Quando a alma se abre para a luz divina, inicia a compreensão de si mesma e do Universo à sua volta.
A existência ganha novo significado e passamos a melhor entender nosso papel no mundo;
e encontrando nosso lugar, começamos a fazer real diferença. Sentimos como se o mundo, antes acinzentado e sombrio, adquirisse brilho e cor.

E o princípio da jornada de autoconhecimento e de descoberta das verdades espirituais.
O homem adia essa caminhada, iludindo-se e distraindo-se com extrema facilidade; entretanto, a dor e o sofrimento o alcançam, levando-o a lutar p ara tirar de seu interior a angústia e o desespero.

Muitos se entregam à revolta e ao desalento, desistindo da vida.
Ainda assim, Deus continua esperando Sua Criatura acordar do torpor em que está submersa e enxergar a luz extinguível que sempre a envolveu, sem que se desse conta.

A Providência se faz presente de mil modos diferentes, cuidando de nós e nos guiando.
A Doutrina Espírita, codificada e sintetizada pelo grande companheiro Allan Kardec, amplia nosso entendimento do Criador e de Suas leis, descortinando as verdades do mundo invisível, ajudando-nos a compreender melhor nossa existência, nossa realidade interior e a realidade social a que estamos vinculados.

Em toda a história da Humanidade, Deus conduziu os acontecimentos e, amoroso e actuante, enviou socorro àqueles que se desviavam do caminho do bem e do amor, mas que a ele desejavam retomar.

Na infância do espírito humano, os ensinos religiosos educavam com rigor, sem admitir questionamentos, pois éramos ainda limitados para realizar raciocínios complexos.
No tempo em que o homem já estava mais preparado, Deus enviou Jesus, o espírito mais puro e perfeito que viveu sobre a Terra, para nos revelar as verdades espirituais e nos transmitir as lições morais de que tanto necessitávamos, e assim nos reaproximar do Pai.

Todavia, o Mestre dos Mestres não podia dês vendar mistérios que naquela etapa o homem seria incapaz de compreender.
Quando, mais amadurecida, a Humanidade viu a ciência florescer, trazendo o conhecimento de factos antes encobertos pelo misticismo e pelas crendices da ignorância, Deus enviou a Doutrina Espírita, que, penetrando o invisível, harmoniza o homem com sua essência divina.

Através deste romance, desejamos convidar o leitor a testemunhar a experiência de homens e mulheres que enfrentaram seu destino e viram a esperança renascer em seus corações, vivendo o momento histórico em que novo alento chegava à Terra:
a revelação espírita acontecia por todo o mundo.

Rogamos ao Pai que a mesma luz que um dia nos tocou, conscientizando-nos de Seu amor e Sua grandeza infinitos, possa alcançá-lo, amigo leitor, despertando-o para a magnitude da Vida da qual fazemos parte.

Somos filhos de Deus e por isso imprescindíveis onde quer que estejamos.
Entreguemos o melhor que temos ao Criador, e seremos surpreendidos pela inesgotável fonte de bênçãos, sabedoria, luz e amor a que iremos nos conectar.

Lucius
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 17, 2014 8:34 am

Era um dia frio.
O vento gélido castigava o corpo cansado de Emílie, que caminhava titubeante pelas estreitas vielas de Bilbao, pequena província ao norte da Espanha.

Enxugando as lágrimas que não paravam de correr por seu rosto, ela procurava desviar os olhos da indiscrição dos viandantes.
Experimentava naqueles olhares fria curiosidade, pois sabia que ninguém se preocupava com ela.

Não estavam interessados em sua dor, em seu sofrimento.
Naquela hora extrema não havia sequer um braço amigo para ampará-la.
Estava cansada e absolutamente só.
Enquanto andava, pensava que a vida era penosa demais para ela, oferecendo-lhe apenas amargura e desgosto que não compreendia.

Nada fazia sentido.
Seguindo com dificuldade, passou duas vezes em frente ao vendedor de frutas;
sentiu o aroma suave das maçãs frescas e quase lhe roubou uma.
Entretanto, o temor de ser descoberta era maior do que a tortura da fome.

Emílie se conteve e continuou andando.
Por diversas vezes parou e se virou, temendo que já estivessem atrás dela.
Mas o que realmente desejava era que alguém a socorresse naquele instante.
Uma vez mais olhou para trás e se convenceu de que ninguém a perseguia.

Voltou-se devagar e retomou a marcha, atordoada.
Seus pensamentos eram confusos, descontrolados, e o coração lhe batia freneticamente no peito arfante.

Emílie estava desesperada.
Continuou vagarosamente em direcção aos limites da província.
Ao se aproximar dos portões, as sentinelas a observaram de alto a baixo, mas nada fizeram, tomando-a por mais uma mendiga.

Estava maltrapilha, vestindo restos rotos das roupas que outrora usara;
tinha os cabelos despenteados e embaraçados.
Irreconhecível, era apenas uma sombra da jovem, bela e rica mulher que fora até poucos meses antes.

Sem maiores dificuldades, ela transpôs os limites da província.
À medida que se afastava dos portões, olhava para trás com ansiedade.

Embora desejasse voltar, avançava.
Ainda que continuasse vacilante, a decisão estava tomada.
Já era noite quando se desviou da estrada, entrando na floresta em direcção ao mar.

Sempre sentira medo da floresta, especialmente à noite.
Mas àquela altura nada a deteria, estava determinada.
Caminhou por entre as árvores, afastando os galhos e o mato, quase sem enxergar nada à sua frente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 17, 2014 8:34 am

As lágrimas lhe caíam incessantemente pela face.
Tropeçou em um toco e foi ao chão.
Permaneceu ali prostrada, chorando agoniada.
Quase adormeceu entre as lágrimas, mas então, como que movida por uma força desconhecida, lembrou-se dos acontecimentos que a haviam conduzido até ali.

Levantou-se e prosseguiu.
Sabia que, continuando naquela direcção, chegaria ao mar.
Já era noite alta quando ouviu os primeiros sons das ondas agitadas ao pé do penhasco.

Embora esgotada, não parou.
Fazia dias que não comia, bebendo apenas água.
As árvores altas foram diminuindo, se espaçando, e ela pôde divisar o grande penhasco de onde se avistavam os navios que partiam para o alto-mar.

Até onde a vista alcançava, estendia-se o imponente penhasco;
a praia se espalhava lá embaixo, aos seus pés.
Emílie se aproximou devagar.

Seu coração batia ainda mais descompassado;
a respiração era ofegante e seu corpo tremia inteiro.
Exausta, faminta e sem esperança, mal conseguia caminhar.
Cambaleante, foi chegando à borda do penhasco.

Observou a magnificência do lugar:
o mar ao longe, a se perder no horizonte;
as estrelas cintilantes acima de sua cabeça e o vento que bafejava o cheiro do mar em seu rosto.

Ali já estivera diversas vezes e vivera momentos de enorme felicidade.
Quantos sonhos, quantos momentos de alegria tivera naquele lugar!
Quantas promessas, quantas juras de amor eterno...

Emílie sentou-se e contemplou o cenário com ternura e saudade: era a última vez que o via.
Queria afastar da mente todas as lembranças, esquecer o quanto havia sido feliz um dia.

Agora tudo lhe fora tirado.
Nada lhe restava além da dor, da revolta e do absoluto desalento.
Diante daquela imensidão, sentia-se entregue à própria sorte, sem forças para lutar.

Havia tentado - reflectia ela.
Tentara de todas as formas lutar contra o cruel destino que a visitava.
Havia buscado ajuda, pedido, implorado.
Ninguém a amparara.

Lutara contra a indiferença de amigos e parentes, pois todos lhe haviam virado as costas.
Quer por medo ou por indiferença, não encontrara um ombro amigo, nenhum auxílio.
Muito chorara pedindo socorro a Deus, mas sentia que até Ele a abandonara por completo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 17, 2014 8:34 am

Melhor seria que lhe tivessem tirado a vida, logo de uma vez.
Assim pensava Emílie, revoltada e desiludida, à beira do penhasco.
Agora, as estrelas desapareciam uma a uma, à medida que os primeiros raios de sol despontavam no horizonte.

Logo o dia nasceria e Emílie não queria ver o alvorecer.
Levantou-se devagar e caminhou para mais perto da borda.
Ah, recuou instintivamente.
A altura sempre lhe causava vertigens.
Respirou então, profundamente, como a buscar forças.

Olhava para além de seus pés e via o gigantesco paredão que terminava no mar.
Aterrorizada, assistia ao espectáculo das ondas batendo nas rochas e pensava que lá estaria em alguns instantes:
junto à espuma das águas do mar, esquecida para sempre.

Sua dor teria fim;
sua humilhação e sua vida, que nada mais valia, acabariam para sempre.
Olhava para baixo hipnotizada, como se algo a chamasse para a queda.

Avançou mais e mais, com lentidão, pé ante pé.
A cada passo, despedia-se mentalmente dos que lhe eram mais queridos:
primeiro do marido, depois dos pais, a quem não via há anos.
Enquanto isso, mais seus pés se aproximavam da beira do penhasco.

Emílie não conseguia desgrudar os olhos das águas agitadas.
Chegou enfim ao limite.
Mais um passo, só um, e estaria tudo acabado.
Seria, finalmente, a libertação.

Respirou fundo de novo: precisava ter coragem.
Olhou mais uma vez para o horizonte.
O sol estava nascendo e o som das primeiras gaivotas espantava o silêncio da noite.

Emílie pensou na filha, e despediu-se dela.
Era a última imagem que queria ter na mente, antes da queda:
Cíntia, sua filha querida com o pensamento nela, preparou-se para o passo fatal.

Quando Emílie ergueu o pé direito, pronta a dar o último passo, ouviu um grito abafado:
- Não, mamãe! Por favor, não faça isso!

Emílie desceu o pé e instantaneamente parou assustada.
Quase se desequilibrou, porém conseguiu se sentar.
Olhou em volta procurando a filha.
Onde estaria? O que faria ali?

Como teria chegado? Procurou, e não viu nada.
Não havia ninguém, ela estava sozinha.
"Deve ser coisa da minha cabeça - pensou -, estou amedrontada e procuro uma forma de fugir ao que deve ser feito".
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 17, 2014 8:35 am

Levantou-se. Ia prosseguir, mas, antes de se pôr novamente à beira do penhasco, escutou a voz suave da filha:
- Por favor, mãezinha, não desista da vida.

Dessa vez Emílie se sentou, desatando dolorido pranto.
Chorava sem entender o que se passava.
Onde estava a filha querida, cuja voz doce ouvia tão nitidamente como há pouco ouvira o som das gaivotas?

O sol subia vagarosamente.
Os tons do céu azul misturavam-se ao verde das árvores e ao esmeralda do mar.
Os pássaros saudavam o amanhecer com voos alegres.
O vento gelado movimentava os cabelos de Emílie, como se beijasse sua face.
E ela chorava e chorava.

"Será que não terei coragem, meu Deus?
Preciso terminar com este sofrimento!" - angustiava-se.
Continuou a chorar convulsivamente. Chorou por horas.

Lembrando a voz da filha a ressoar-lhe na mente, foi incapaz de se reerguer com aquela voz a lhe pedir que desistisse, como continuar?

A alvorada chegou majestosa, invadindo tudo com a alegria matutina.
E Emílie, após horas de angústia e dor, exausta pela longa jornada empreendida até o mar, abatida e faminta, adormeceu.

Dormia profundamente quando alguém lhe tocou o rosto com delicadeza, afastando seus cabelos:
- Você está bem, minha jovem?
Acorde, precisa de ajuda!

Insistentemente a mão acariciava seu rosto e Emílie despertou devagar.

- Quem... O quê...
- O que aconteceu com você?
Como está abatida, meu Deus!

- Deixe-me, quero ficar sozinha - Emílie respondeu, tentando afastar com violência a mão que afagava seu rosto.
- Não tenha medo, deixe que a ajude. Quem é você?
- Não interessa; afaste-se, por favor, quero morrer!

- Ah, então era isso que pretendia à beira do penhasco?
Acabar com a vida?
- Não é da sua conta.
Deixe-me, peço uma vez mais.

- De forma alguma, precisa de auxílio!
Não posso abandoná-la, caso contrário, acabará por fazer o que pretendia.
Não lhe darei essa alternativa.
Já vi outros que fizeram isso, ficam muito feios depois, pode acreditar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 17, 2014 8:35 am

Por que vêm justo aqui, a este lugar lindo, para um acto tão triste?
Vamos, levante-se vou levar você para minha casa.
Lá poderá se alimentar e receber os cuidados de que necessita.

- Não, quero ficar aqui.
- Ora, vamos, está quase morta!
- Então me deixe continuar aqui.
- Como se chama?
- Não interessa.

- Qual é seu nome?
- Como é insistente!
- Meu nome é Lucrécia.
Qual é o seu?

Emílie, fraca e combalida, empenhava-se na tentativa de enxergar a mulher que a socorria.
Olhou-a finalmente.
Grandes olhos pretos a observavam carinhosos e meigos.

Lucrécia era uma mulher de pele escura, quase negra.
Esgotada, Emílie desfaleceu sem dizer mais nada.
Lucrécia sem demora tomou-a nos braços e, num esforço tremendo, desceu a estreita trilha que ligava o penhasco a uma pequena vila de pescadores próxima ao mar.

O caminho, sinuoso e íngreme, exigia dela toda a energia.
Quando chegou à praia, colocou Emílie cuidadosamente na areia, perscrutando mais um a vez seu rosto magro e sujo.
Percebeu que sob aqueles traços marcados pela dor havia um semblante delicado e belo.

Descansou um pouco junto de Emílie, que permanecia desacordada.
Depois, levantou-se resoluta e, carregando a moça nos braços, levou-a até sua casa e a acomodou numa cama improvisada.

O marido, que à entrada limpava os peixes que trouxera naquela madrugada, não perguntou nada.
Ajudou a esposa e depois examinou a jovem que se debatia em pesadelos, falando coisas ininteligíveis.

Lucrécia, ao seu lado, procurava alimentá-la.
Estava ardendo em febre.

- Pobre coitada. Quem será?
Veja em que estado se encontra, Jairo!
- É... Parece jovem. E está muito abatida...
- Abatida e desesperada, ia fazer a besteira.
Graças a Deus eu apareci.

- Como assim?
- Queria se matar!
- Ela tentava se jogar?
- Não, mas ia tentar, eu sei, e depois ela mesma disse.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 17, 2014 8:35 am

- Meu Deus, que tristeza pode carregar no peito a ponto de desejar tirar a própria vida?
Como foi que a achou?
O que deu em você para subir até o penhasco?
- Senti que precisava ir e obedeci.

Emílie continuava delirando.
Pelo resto do dia e noite adentro Lucrécia, toda bondade, permaneceu ao lado da cama, desdobrando-se em cuidados.
Preparou uma sopa forte e de quando em quando a alimentava.

A noite foi longa. Emílie pedia socorro.
Seus sonhos eram tormentosos, assustadores.
Lucrécia pouco dormiu, buscando atender a pobre desconhecida.
Na manhã seguinte Emílie, ainda dormindo, parecia ligeiramente mais calma.

Assim que o dia nasceu, Lucrécia se dedicou aos seus afazeres e vez por outra se aproximava da cama, atenciosa, preocupada com o estado da mulher que socorrera.

Pelo meio da manhã notou que Emílie abria os olhos.

Carinhosa e solícita, procurou tranquilizar a jovem:
- Aqui está segura, não se inquiete.
- Onde estou? Quem é...
- Fique calma, você precisa descansar recuperar as forças.

E trazendo o pão que acabara de fazer, ajudou a jovem a se sentar na cama, insistindo que comesse.

- Precisa se alimentar.
- Há muito que não como...
- Imaginei, pelo seu estado.
Mas precisa se alimentar.

- Não tenho vontade... Quero morrer...
- Isso eu sei.
Graças a Deus não conseguiu fazer o que pretendia.
Quem é Cíntia?

Emílie arregalou os olhos, dizendo:
- Como sabe de Cíntia? Quem é você?
Foi enviada para me destruir, não é mesmo?
Não lhe direi onde ela está. Isso jamais!
Minha vida pouco vale, pode tirá-la.
Não direi onde ela está!

- Calma, por favor, calma.
Você repetiu esse nome diversas vezes durante o sono.
Não sei quem é, mas deve ser querida, pois fala nela com preocupação e cuidado, como há pouco.
- Falei dormindo?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 17, 2014 8:35 am

- Muito, nem imagina quanto.
- Fiz algo mais, além de falar?
Lucrécia olhou-a como se soubesse em que pensava e disse:
- Não teve forças para mais nada, ao menos por enquanto.
Agora coma, precisa se alimentar.

Dessa vez Emílie ficou calada.
Sentada na cama, comeu o pão embebido em leite que Lucrécia preparara.
Nem sabia quando se alimentara pela última vez.

Ao terminar, Lucrécia lhe perguntou:
- Como se chama?
- Por que quer saber?
- Meu nome é Lucrécia, vivo aqui com meu marido, Jairo.
Não temos filhos - ou melhor, eu tive, porém me foram tirados.

Esta pequena casa é nosso refúgio.
Apesar de não termos muito, tudo o que temos dividiremos com você.
Pode ficar aqui pelo tempo que precisar.
É tudo muito simples, mas não hão de faltar o alimento e o teto, até que se sinta pronta para seguir com sua vida.

Lágrimas brotaram nos olhos cansados de Emílie.
Sentiu-se quase enternecida pelo carinho, tão desejado, que agora só recebia de uma estranha.

Enxugando as lágrimas que lhe desciam pela face, murmurou quase sem voz:
- Meu nome é Emílie.
- Emílie? Esse nome não me parece estranho...
É da região ou de outra parte?

- Sou estrangeira neste país, mas vivo aqui há muito tempo.
- Este é um bom país, mas é preciso aprender a conviver com suas regras...
- Sim... Experimentei os seus preconceitos...

Emílie não pôde continuar.
Começou a chorar convulsivamente, um pranto agoniado e dolorido.
Lucrécia abraçou-a com carinho, aconchegando-a ao peito; acariciou seus cabelos, qual terna mãe abraçando a filha.
Não obstante o constrangimento de estar nos braços de uma desconhecida, Emílie não pôde mover-se.

Quando percebeu que a jovem se acalmara, Lucrécia deitou-a, dizendo:
- Agora descanse que tenho muitos afazeres me aguardando.
O trabalho não pode esperar e você deve descansar.

Emílie não respondeu.
Apenas meneou a cabeça em sinal afirmativo.
Lucrécia deixou o pequeno cómodo em que instalara a jovem e se dirigiu ao balcão onde trabalhava.
Ficava na área externa, em frente ao mar, e dali podia ouvir o barulho das ondas morrendo na praia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 17, 2014 8:35 am

Emílie se ajeitou na cama.
Embora assustada e amargurada, a cama quente, a comida e especialmente o carinho desinteressado da desconhecida aqueciam sua alma, trazendo-lhe um bem-estar que há muito não experimentava.

Adormeceu envolvida por aquelas suaves sensações.
Mais tarde, Lucrécia acordou-a para o almoço, quando conversaram um pouco mais.

Ao final, fez com que ela se deitasse novamente e repousasse.
Sentia especial carinho por aquela jovem desconhecida.
E algo de familiar nela a compelia a mais e mais se dedicar.

Segredou ao marido, após assegurar-se de que a jovem dormia:
- É curioso, Jairo, sinto que conheço essa moça de algum lugar.
Algo nela me parece extremamente familiar.
Não sei o que é:
se o nome, Emílie, se o rosto, ou se as duas coisas, não sei.
Mas ela me parece mesmo muito familiar...

- O nome dela é Emílie de quê?
- Não sei. Ela não contou e eu também não perguntei.
Foi um custo fazê-la dizer o primeiro nome.
- E por quê? De que será que tem medo?

- Não sei... O que sei é que está assustada...
- Precisa descobrir um pouco mais, Lucrécia.
Temos de saber quem amparamos em nossa casa.
Você sabe bem que nos dias difíceis que vivemos, de desconfiança e perseguições, todo o cuidado é pouco.

- Sim, sem dúvida.
Devemos manter total segredo sobre Emílie.
Ninguém deve saber que está aqui, assim teremos tempo de averiguar melhor...

Quando Lucrécia levou o jantar para Emílie, deparou com a jovem sentada, tentando se levantar.

Ao vê-la com o prato de comida, disse:
- Preciso ir embora.
- Para onde?
- Não sei. Para qualquer lugar.
- Está muito fraca, Emílie.
Fique um pouco mais connosco.

- Não me sinto bem aqui parada, comendo e bebendo...
Você nem sabe quem eu sou!
- Sei, você é uma jovem que precisa de ajuda...
Que tem uma pessoa muito querida chamada Cíntia e que deseja muito voltar a vê-la.
E sei que está fraca, tremendamente fraca.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 17, 2014 8:36 am

Precisa se alimentar e descansar para recuperar as forças.
Coma e descanse esta noite.
Amanhã, se estiver melhor, mais refeita e disposta, então concordo que parta.

Convencida, Emílie se sentou e jantou.
A comida era saborosa e comeu como há muito tempo não fazia.
Lucrécia teve o cuidado de preparar alimentação substanciosa e ao mesmo tempo leve, para readaptar o organismo debilitado da recém-chegada.

Não podia ignorar que sentia simpatia e atracção por aquela estranha.
Depois do jantar, Emílie procurou dormir.
Demorou um pouco para se tranquilizar, mas finalmente, vencida pela exaustão que ainda a dominava, adormeceu.

O sono da jovem foi por demais atormentado.
Teve pesadelos que acordaram Jairo e Lucrécia.

Esta correu a acudir a jovem, que gritava desesperada:
- Não! Por favor, não mate minha filha!
Meu Deus! Cíntia!
- Calma, acorde, é só um sonho - acudia Lucrécia -, só um sonho.
Acorde, vamos!

- Eles tiraram minha filha de mim!
- Calma, já passou!
- Por quê? Por que tanta maldade?
Por que fizeram isso comigo?

- Calma, já passou, está tudo bem.
Emílie continuava chorando:
- Quero minha filha!
Quero minha vida!
- Emílie, tente se acalmar, tudo ficará bem!

- Eles tiraram minha filha, tiraram minha vida.
Roubaram tudo o que eu tinha!
- Calma. Quer conversar sobre o assunto, contar o que houve?
- Dói demais...
- Então durma, descanse.

A muito custo, Lucrécia conseguiu fazê-la acalmar-se e voltar a dormir.
Então, retomou para a cama pensativa:
"O que terá acontecido a essa jovem? Quem será ela?"
Foi intrigada e penalizada que Lucrécia acabou por adormecer.

Enquanto dormia, seu corpo espiritual se desprendeu e caminhou até onde estava Emílie.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 17, 2014 8:36 am

Estacou na porta, horrorizada.
Em tomo da moça havia quatro entidades espirituais em terrível estado, que sussurravam no seu ouvido.
Ela tentava desenvencilhar-se das criaturas, debatendo-se na cama.

Eram dois homens duas mulheres.

Ao perceberem a aproximação de Lucrécia, afastaram-se ligeiramente e falaram em tom ameaçador:
- Não adianta tentar ajudá-la. Ela deve morrer.
Ela tem de morrer. Merece sofrer.

Lucrécia olhou para aqueles espíritos em estado lamentável, sentindo profunda ternura por eles.

Observou o rosto de cada um e depois, movida por intensa compaixão, pediu, quase suplicante:
- Meus irmãos, quem são vocês?
Por que perseguem essa moça?
O que querem com ela?

- Você não sabe o que está fazendo ao acolher uma assassina em sua casa.
Ela tem de pagar. Tem de morrer!
- A justiça pertence a Deus.
Se ela fez algo errado, não precisam se preocupar, irá colher as consequências.

E olhou para Emílie com carinho:
- Pelo estado em que se encontra, acho que já está colhendo...
- Pode ter certeza de que ela vai pagar.
E vai pagar caro por tudo o que nos fez sofrer.
Ela nunca vai sair dessa situação, jamais!

Tem de pagar! Tem de morrer!
E você está se metendo onde não deve.
Está começando a atrapalhar.
Nós quase conseguimos, quase!

Uma outra entidade, feminina, disse:
- Ela estava apenas a um passo, um passo do desastroso fracasso.
Mas tiveram de ajudá-la!

A outra entidade feminina disse com desdém:
- Foi a filha.
- Não importa. Ela não há de escapar impune.

Lucrécia insistia generosa, buscando demover as criaturas da intenção de perturbar Emílie:
- Irmãos, de nada adianta ficarem assim, à volta dela, como moscas sobre o mel.
Também precisam de ajuda.
Olhem para vocês! Estão em farrapos!
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Série Lúcius - RENASCER DA ESPERANÇA / Sandra Carneiro Empty Re: Série Lúcius - RENASCER DA ESPERANÇA / Sandra Carneiro

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 17, 2014 8:36 am

Uma das mulheres afirmou:
- Não importa. Enquanto ela não se juntar a nós, não desistiremos.
Nem adianta você falar nada.
Para o seu bem, é melhor que ponha essa mulher na rua. Caso contrário...

Lucrécia enfrentou com olhar firme a criatura que lhe ameaçava a tranquilidade do lar:
- Não adianta ameaçar, minha irmã.
Nesta casa, acreditamos no amor e na justiça de Deus.
Acreditamos em Jesus.
Ele nos ensinou que devemos amar e fazer o bem a todos, tratando-nos como verdadeiros irmãos.
E assim agimos.

- Pior para você.
Se insistir em ajudar essa mulher, sofrerá igualmente.

Lucrécia, sentindo-se estranhamente ligada àquelas criaturas infelizes e brutalizadas, ainda tentou conversar um pouco com elas;
no entanto, intuindo que o trabalho seria demorado e árduo, voltou para seu quarto.
Colocou-se ao lado da cama, vislumbrando o corpo espiritual do esposo que, sentado, meditava.

Juntou-se a ele e permaneceram orando por longo tempo.
Amanhecia quando retomaram ao corpo físico, para o novo dia que se anunciava.
Ao despertar, Lucrécia se lembrou vagamente do que vira como se fosse apenas um sonho.

Mesmo assim teve a certeza de que Emílie necessitava de socorro.
Seus problemas eram graves, muito mais graves do que ela própria conseguia perceber.
Estava sendo perseguida por entidades espirituais que desejavam, ardentemente, prejudicá-la.

Levantou-se naquela manhã pedindo ajuda a Deus para que pudesse ser realmente útil.
Foi até o outro quarto, preocupada. A jovem ardia em febre.
Lucrécia correu à cozinha e preparou água fria com algumas ervas, para fazer baixar a temperatura.
Colocou o emplastro na testa de Emílie e ali o deixou por algum tempo, sem obter qualquer resultado.

Quando Jairo entrou no pequeno cómodo, ela lhe pediu:
- Precisa buscar um médico.
Esta jovem está muito mal.
- Mas não temos dinheiro, Lucrécia.
Um médico vai cobrar caro!

- Jairo, temos de fazer algo, ou ela vai morrer!
A febre está muito alta.
- Então vou pedir ao Belisário que venha ajudar com suas orações.

- Não! Precisamos de um médico.
O caso dela é grave!
Vá buscar o médico e, quando chegar, eu me entendo com ele sobre o pagamento.
Comprometo-me a fazer uns pães, a trabalhar para ele, não sei.
Traga-o, daí veremos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 17, 2014 8:36 am

Jairo saiu sem dizer mais nada.
Confiava na esposa e percebia a gravidade da situação.
Decorrido algum tempo, voltava trazendo o doutor.

Fora difícil encontrar um que aceitasse ir até a pequena cabana que ficava um pouco distante da vila, numa região pobre, onde só viviam simples pescadores.

Finalmente, falando em nome de Miguel, um amigo que residia em Barcelona e tinha também negócios em Bilbao, Jairo alcançou seu intento.
Por sorte, Miguel lhe falara desse conhecido médico de Barcelona que ultimamente vinha passando temporadas na província.

Lucrécia, aflita, aguardava o marido:
- Que bom que chegaram.
A febre não cede, ela está piorando.
- Este é o doutor Francisco.
Minha esposa, Lucrécia, que encontrou a jovem no penhasco.
- Senhora...
- Ela está muito doente.

O médico se aproximou da cama, levando pequena maleta preta e o estetoscópio.
Sentou-se na beira da cama.
Afastou os cabelos da jovem e ao ver seu rosto empalideceu, levantando-se assustado.

- Não posso fazer nada.
- Como não, doutor? Ela está muito mal!
- Não posso. Não há nada que possa fazer para ajudá-la.

Ele estava pálido e agia como se tivesse medo de alguma coisa.

- Mas, doutor, esta moça precisa de ajuda ou não vai resistir.
O médico tentou sair do quarto, porém Lucrécia segurou-o pelo braço e lhe disse, sem pensar:
- Não fuja do passado, enterrando o presente.
Francisco olhou-a e respondeu, espantado:
- Não sei do que está falando.

- Nem eu tampouco, só sei que não quer dar ajuda a alguém que precisa muito.
Por quê? O senhor é médico e seu trabalho é salvar vidas, não é?
Senão socorrer esta moça, ela acabará morrendo!
Precisa fazer algo.

Surpreso e sem saber bem o que fazer, Francisco retomou à beira da cama.
Sentou-se, tirou seus equipamentos da pequena mala e começou a examinar Emílie, sob a vigilância atenta de Lucrécia e Jairo.

Por fim, fechou a maleta, dirigiu-se ao casal e entregou receita prescrevendo alguns medicamentos:
- A senhora tem razão, é muito grave.
Suspeito de pneumonia.
Dêem a ela esses medicamentos.
Deveria voltar amanhã para mais uma visita, mas não quero que ninguém saiba que estou ajudando.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 17, 2014 8:37 am

Jairo perguntou ao médico, hesitante:
- Qual o problema, doutor?
- Não sabem quem é essa jovem?
- Não. Como disse meu marido, encontrei-a lá em cima, no penhasco.
Acho que pretendia se matar no mar, e por algum motivo não conseguiu.

- Quando foi isso?
- Dois dias atrás.
- É... É o tempo que estão procurando por ela.
- Quem?
- Familiares, médicos, policiais, entre outros.

- Por quê?
- Fugiu de uma clínica que trata de doentes mentais.
- Doentes mentais?
Ela não me parece doente - disse Lucrécia, pensativa.
- Não sabem mesmo quem é ela? - insistiu o médico.

- Não!
- É Emílie de Bourbon e Valença.
- Emílie de Bourbon e Valença... - Jairo procurava na memória onde ouvira aquele nome.
De súbito, disse:
- Aquela que foi acusada de tentar matar o marido e a filha?

- Sim, isso mesmo.
Tive a oportunidade de conhecê-la meses antes da tragédia.
- E é verdade tudo o que dizem sobre essa jovem?
- Conhecem a história?

Foi Lucrécia quem respondeu:
- Ouvimos alguns comentários a respeito.
Entretanto, ela não nos pareceu doente mental.
- Temo que estejam acobertando uma assassina em sua casa.
Precisam avisar a polícia.

Antes que ele terminasse, Lucrécia pediu energicamente:
- Não, por favor, não fale nada a ninguém.
Essa moça precisa de ajuda, doutor Francisco.
Ela não é criminosa, tenho certeza disso.

- Como pode estar tão certa se mal a conhece?
- Não sei, apenas sinto que ela é inocente.

Francisco hesitou e olhou para o casal, desconfiado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 17, 2014 8:37 am

Todavia, intrigado, especialmente pela figura de Lucrécia, enfim respondeu:
- Por enquanto não direi nada.
Se alguém me perguntar se estive aqui, ou se sei de alguma coisa, negarei com veemência.
A responsabilidade é toda de vocês.
Pode ser perigoso ajudar essa moça.
Ela incomodou pessoas influentes e importantes da nossa sociedade.

Lucrécia insistiu:
- Estou certa de que não fez nada.
- Como pode ter essa certeza?
- Apenas sei.
O doutor poderá vir de novo amanhã, por favor?

- Só se for durante a madrugada, antes que o sol nasça.
Assim será mais difícil que me vejam.
- Para nós está óptimo, aguardaremos pelo senhor ao amanhecer.

Jairo foi com o médico até a porta e perguntou:
- Quanto nos custarão essas visitas, doutor?
- Ainda não sei.
Cuidarei da moça por algum tempo para ver se ela apresenta alguma melhora.
No entanto, insisto que vocês a entreguem à polícia.
Ela representa encrenca séria.

Lucrécia e Jairo, à porta da pequena casa, observaram o médico desaparecer trilha acima.
Os dois se entreolharam sem coragem de falar, mergulhados em reflexões sobre o que deveriam fazer.

Lucrécia, depois de prolongado silêncio, fitou o marido e disse:
- Nós temos de ajudá-la.
- Como poderemos?

- Ainda não sei.
Apenas sinto que é o que devemos fazer.
Não consigo explicar.

- Costumo confiar em suas intuições, Lucrécia, mas não acha que estamos nos arriscando demais?
E se ela for mesmo doente?
E se for perigosa e nos causar algum dano?
Não sei, estou preocupado.

- Confie em mim, Jairo.
Não tenho dúvida de que devemos ajudá-la.
Algo me diz, aqui dentro do peito, que essa jovem precisa de nós.
Do jeito que está, se a desprezarmos agora, o que será dela?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 18, 2014 11:47 am

- O pior é que ela fugiu de um manicómio.
Tem noção do é isso? Pode ser louca!
E se for? Se a polícia está à procura dela, deve realmente ser perigosa.
Como disse o médico, é uma fugitiva a quem estamos dando protecção.
Seremos considerados cúmplices...

- Jairo, pense comigo:
por que o médico, reconhecendo a jovem, decidiu deixá-la connosco?
Não acha estranho?
Se tivesse tanta certeza de sua culpa, por que concordaria em cuidar dela, mesmo em segredo?
- Não sei, pode ter ficado com pena de nós.

- Por quê? Quem somos nós, simples pescadores, para que ele nos dê qualquer tipo de importância?
Não, Jairo, não creio que seja esse o motivo.
Ele deve ter outra razão para ajudar Emílie.
De alguma forma essa história soa esquisita, e precisamos ir com cautela.

Você bem sabe que tudo o que nos acontece tem uma razão.
É preciso ler nas entrelinhas.
Nunca vou ao penhasco.
A bem da verdade, aquele lugar me causa calafrios.

Sinto aflição assim que me aproximo.
É como se ouvisse vozes, você sabe.
- E por que foi até lá naquela manhã?

- Não sei. Apesar da angústia que o lugar me causa, fui atraída para lá, sem razão aparente.
E naquela manhã encontrei Emílie, desfalecida, quase morta de cansaço e fome.
Com certeza ela ia pular Jairo, e algo a impediu.

Depois eu cheguei.
Para mim, diante de tudo o que temos aprendido, são sinais de que devemos ajudá-la.

- Muito bem, você me convenceu.
Vamos ajudá-la, então, mas devemos ser muito cautelosos.
Não sabemos nada sobre os fatos que envolvem a vida dela.

- Concordo plenamente.
Sinto que se trata de uma situação complicada.
Primeiro quero ganhar a confiança dela, compreender bem o que se passa e depois, sim, pensamos no que fazer.

- E nenhuma palavra a ninguém sobre a presença dela aqui.
- Claro, vamos manter isso em segredo, ninguém na vila precisa saber.
- Agora tenho de cuidar da vida, ou não teremos o que comer.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 18, 2014 11:47 am

Jairo abraçou carinhosamente a esposa e a deixou com os afazeres domésticos.
Lucrécia se desdobrou o dia todo em atenções para com Emílie, que continuava delirando.
Dizia coisas sem sentido e por vezes Lucrécia estranhou o que ouvia.

Em seus delírios, pedia:
- Por favor, afastem-se de mim!
Não se aproximem mais, por favor!
Já me tiraram tudo! Não suporto mais.
Vão embora, parem de me atormentar!

Lucrécia fitava Emílie, intrigada.
Sabia que ela poderia estar falando com entidades espirituais, assunto que conhecia bem.
Ela própria, por diversas vezes, já fora vítima de espíritos infelizes.

Somente o estudo constante e o esforço em compreender e aplicar as leis divinas a haviam levado a superar aquelas crises.
Agora tentava ajudar a jovem, que parecia ter problemas semelhantes.

Cuidava carinhosamente de Emílie, falando-lhe ao ouvido palavras de incentivo:
- Eles não podem lhe fazer mal algum, Emílie.
Confie em Deus, peça ajuda a Ele!

A jovem, inconsciente, continuava atormentada, dando a impressão de nada registar.

Entretanto, Lucrécia não se poupava.
Preparou diversos chás elaborados com ervas medicinais que a fazia ingerir a todo momento.
Continuava muito preocupada com seu estado de saúde, que parecia não melhorar.

No início da tarde, foi até o quarto e conferiu suas economias, para ver se poderia dispor de algo com que comprar medicamento que o médico prescrevera.
Procurou em vão:
o que poupara era insignificante.

Vasculhou os armários em busca de algo que pudesse vender qualquer coisa.
Ela sequer sabia direito o que procurava, pois o casal não dispunha de objectos valiosos;
viviam tão-somente do resultado da pesca, que o marido arduamente conseguia todos os dias, nas águas do Atlântico.

Mas Lucrécia não desistiu.
Instintivamente, sem atentar para os próprios actos, revirava e remexia tudo, até que afinal encontrou esquecida no fundo de um baú que quase não abria uma carta:
a que receber a da mãe ao deixar sua terra natal, na esperança de uma nova vida.

Lucrécia nascera em Marrocos e deixara o país, com Jairo, fugindo de sua sorte.
Na partida, a mãe colocara a carta em suas mãos, pedindo que lesse apenas quando estivesse longe.

Junto lhe entregara uma moeda antiga, que estivera na família por muitas gerações.
A mãe queria que ela mantivesse o elo com suas raízes, mesmo vivendo distante.
Lucrécia não teve dúvidas com a moeda nas mãos, fechou o baú e se levantou decidida.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 18, 2014 11:48 am

"Por certo esta moeda deve ter algum valor! - pensou, entusiasmada.
Se a vender bem, conseguirei dinheiro para comprar os remédios".
Como não poderia sair enquanto o marido não chegasse, guardou a moeda no bolso do avental e prosseguiu nas tarefas ao mesmo tempo em que pensava:
a quem procurar para obter' um bom preço pela venda?

Quando Jairo surgiu na ponta da praia arrastando a rede, Lucrécia correu até ele:
- Jairo, ela não melhora.
Precisa do remédio que o doutor receitou.
- Mas se não temos dinheiro, como vamos pagar o remédio?

- Tenho isto! - mais que depressa e tirou a moeda do bolso.
- O que é?
- Lembra-se daquela moeda que minha mãe me deu quando deixamos o Marrocos?
- Não, Lucrécia, isso não! É da sua família!

- Não temos escolha, Jairo!
A moça está piorando!
Precisamos fazer alguma coisa!

Jairo olhou-a resignado.
Sabia que nada a demoveria da ideia.

Continuando a caminhar, perguntou:
- O que faço então?
Quer que venda a moeda?

- Não sei. Pensei muito, e não sei onde poderíamos obter melhor valor.
Na vila, acho difícil encontrar alguém que pague.
Não conheço ninguém que mexa com isso.

Na província, não saberemos a quem recorrer.
Se demorarmos a obter os remédios talvez ela não sobreviva.
Acho que deveria ir até o doutor e lhe pedir que fique com a moeda, em troca do remédio.

- Será que ele irá aceitar?
Apesar de atender ao nosso pedido, ele me pareceu muito indiferente.

- Temos de tentar.
Conte a ele sobre a origem da moeda.
É um homem inteligente, da cidade grande, sabe das coisas.

Acho que vai apreciar uma antiguidade.
Só precisa fazer com que se comprometa a comprar todos os remédios em troca da moeda.
Sei que ele gosta dessas coisas, vai concordar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 18, 2014 11:48 am

- Como sabe que ele gosta de antiguidades?
Você pouco conhece o doutor Francisco.

- Algo me diz para tentar.
Afinal, que mais poderíamos fazer?
Agora vá, Jairo.
Largue tudo aí, as redes, os peixes, deixe tudo!
Vá depressa ou a moça pode não resistir.

Sem dizer mais nada, Jairo entrou em casa e deu uma espiada em Emílie, que molhada de suor continuava delirando, febril;
foi para o quarto, trocou as roupas e partiu, não sem antes prometer a Lucrécia que faria o melhor para trazer os remédios.

Ele não conseguia dizer não à esposa, mesmo nas muitas ocasiões em que não concordava com suas ideias.
Na verdade, ele não podia reclamar, pois desde que a conhecera Lucrécia tinha premonições, intuições e pressentimentos.
E os sonhos... O que ele mais temia eram os sonhos.

Pelo menos agora, depois que eles haviam descoberto, através dos princípios espíritas, a relação entre o mundo material e o mundo invisível, a mulher parecia ter mais controle e compreensão daqueles estranhos fenómenos.

Jairo foi até Bilbao procurar pelo médico.
Assim que ele saiu, Emílie piorou.

Debatia-se mais e mais, gritando desesperadamente:
- Não! Não façam isso!
Por favor, me deixem!

Lucrécia tentava acalmá-la:
- Sossegue Emílie, tenha calma.
Tudo vai dar certo.

Subitamente, como que sonâmbula Emílie abriu os olhos, fitou Lucrécia com olhar parado e disse:
- Não se meta com essa mulher!
Afaste-se dela enquanto é tempo!
Não poderá ajudá-la. Ninguém pode!
Lucrécia se assustou.
Até a voz parecia outra.

Enchendo-se de coragem, disse:
- Jesus a protege!
Fiquem longe dela!
Com voz estranhamente alterada, Emílie respondeu:
- Nunca! - e soltou uma gargalhada aterradora.

Lucrécia baixou a cabeça e começou a orar.
Pediu com fervor que Deus socorresse Emílie.
Lágrimas desciam pela sua face.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 18, 2014 11:48 am

Sem poder raciocinar, Lucrécia compreendia com o coração que a jovem estava profundamente perturbada, precisando de socorro.

Sentia-se até aliviada por entender o impulso que a movia.
Estava, sem dúvida, no caminho certo.
Se não recebesse ajuda, Emílie iria sucumbir.

Ao curto diálogo seguiu-se o silêncio.
Enquanto orava, crescia em Lucrécia a vontade de ajudar.
E mais veemente se tomava a prece.

Por fim, Emílie se acalmou.
Lucrécia, então, viu pela pequena janela que estava anoitecendo.

O tempo passara muito rápido.
Ela se levantou e começou a preparar o jantar.
Estava quase tudo pronto quando, finalmente, Jairo chegou.

A mulher olhou para ele ansiosa:
- E então? Conseguiu?
Emílie está piorando.
- O doutor vem aqui amanhã para vê-la.
- Graças a Deus. E o remédio?

Jairo sorriu.

- Você tinha razão.
Ele gosta muito de antiguidades.
Quando bateu os olhos na moeda, não conseguiu desgrudar dela.
Não só saiu para comprar os remédios, como me deu comida também.

Disse que ela precisa se alimentar bem, para o tratamento dar certo.
Prometeu que irá providenciar todo o remédio necessário.
Acho que a moeda é mais valiosa do que pensávamos.

- Não importa Jairo.
O que interessa é que nos foi útil.
- A nós, não; a essa desconhecida.
- Vai salvar uma vida, Jairo!
E nós estamos ajudando!

- Só mais uma coisa.
- O quê?
- O médico realmente não quer que ninguém saiba que está cuidando dela.
- Conseguiu descobrir o porquê?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 18, 2014 11:48 am

- Ele afirmou que Emílie é mesmo louca e tentou matar o marido;
que foi bem educada e é uma moça de boa família, mas enlouqueceu de uma hora para outra.
Ela tem uma filha chamada Cíntia, que está com a família do marido.
Disse que formavam uma família feliz, antes que ela ficasse totalmente louca.

- Louca como, Jairo?
- Ele não explicou.
- Mais cedo ou mais tarde, nós iremos descobrir.
Agora, o importante é que está com os remédios.

Tirando tudo da mão do marido, Lucrécia correu para o quarto e ministrou a dose inicial.

A noite foi longa.
De hora em nora, Lucrécia dava, alternadamente, os remédios que o médico indicara e os chás de ervas que preparava.

Aos primeiros raios do alvorecer, Emílie estava um pouco mais tranquila e a febre começava a ceder.
A partir daí, apesar de Emílie engolir os remédios com dificuldade, Lucrécia não desistia de dispensar-lhe cuidados cada vez mais atentos.

Na pequena casa, simples cabana de madeira, o vento penetrava pelas diminutas frestas e o fogão que servia para aquecê-los à noite nem sempre tinha fogo.

Para protegei a jovem, Lucrécia colocou algumas de suas poucas roupas de inverno sobre ela, pois sabia que o frio iria dificultar ainda mais sua recuperação.

O médico retomou na madrugada seguinte;
depois de demorado exame, continuava céptico em relação às possibilidades de melhora:
- O estado dela é muito grave, não creio que conseguirá resistir.
Está muito fraca, o organismo não terá condição de combater a pneumonia, ainda mais nesta época do ano.
E vocês se cuidem, que essa doença é contagiosa.

- Não se preocupe doutor, estamos tomando várias precauções.
- É bom mesmo que se cuidem - reiterou-o, sem demonstrar maior interesse pela saúde do casal.

Lucrécia conhecia muito sobre o poder curativo das ervas.
Sua mãe lhe ensinara algumas receitas que ela aprimorava com elas vinha cuidando de si e do esposo, pois já desconfiava que o problema da jovem fosse sério.

Não esperou pela confirmação do médico.
Antecipou-se, buscando na natureza toda a protecção que conhecia.

Doutor Francisco terminou seu exame, deu o remédio que trouxera consigo e disse, ao sair:
- Bom, é tudo que posso oferecer.

Continuem tentando fazer a febre baixar.
- Vou cuidar dela, doutor, e estou certa de que irá melhorar.
O médico sorriu ironicamente, sem dizer nada, e partiu.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 18, 2014 11:49 am

Lucrécia mostrou-se animada:
- Ela vai ficar boa, Jairo, sei que vai.
- Você está obstinada com essa ideia, não está?

- É evidente que essa jovem precisa ser auxiliada.
Não aprendemos que devemos ajudar aqueles que necessitam?
Não estamos aprendendo que a caridade e a fraternidade são práticas que temos de aplicar no nosso quotidiano?
Então, homem!

Você é o primeiro a defender isso em nossas reuniões.
E na hora em que a oportunidade aparece, fica em dúvida?
Não podemos agir assim, Jairo.
Se vemos alguém sofrendo, e está ao nosso alcance algo fazer em seu socorro, por que negar?

- Neste caso pode ser perigoso.
- Jairo, ser cristão é de certa forma viver em perigo;
e ser espírita, então, nem se fale!
- Baixe a voz que o médico ainda pode estar por perto.

- Não, ele já está longe - disse Lucrécia, olhando pela porta.
Jairo prosseguiu:
- Tenho conversado com algumas pessoas sobre o caso.
Ela está muito encrencada.

Puxando uma cadeira para junto da cama de Emílie, a mulher indagou:
- É mesmo? E o que falam sobre ela?
- Foi pega tentando envenenar o marido e a filha, a única filha.

- Cíntia?
- Sim, parece que o nome é esse.
- Mas têm certeza de que ela estava tentando envenená-los?
- Ela havia colocado veneno no vinho e no prato que ia servir ao marido e também no refresco que daria à filha.

- E como descobriram?
- Um pouco antes de cearem, chegaram uns parentes, junto com um médico...
- Com um médico?
- É.
- E como eles sabiam?

- Não sei. Parece que estavam desconfiados e a pegaram em flagrante.
Não havia como negar, eles tinham provas:
como o marido não acreditou, levaram a bebida a um laboratório e deram a um animal de pesquisas, que morreu horas depois de ingerir algumas doses.
Continha veneno, efectivamente.

- Meu Deus, que coisa!
E por que ela faria isso?
- Parece que era uma pessoa estranha.
Dizem que era adoentada, e que o melhor seria interná-la para tratamento.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 18, 2014 11:49 am

- E ela, concordou?
- Não teve escolha.
Coube ao marido decidir: ou a internação em clínica para doentes mentais ou a prisão comum.

- Pobre Emílie...
- Pobre do marido e da filha, Lucrécia.
É o que estou tentando lhe dizer.
Essa jovem está doente, mas doente da cabeça, e talvez o melhor fosse levá-la de volta ao lugar de onde saiu.

Lucrécia meditou por instantes e então respondeu:
- Jairo, esperemos que melhore.
Quando recobrar a consciência, estudaremos atentamente o seu comportamento;

se acharmos alguma coisa inadequada, então concordo com você em levá-la de volta.
Está bem assim?
Não lhe parece justo darmos a ela uma chance?

Jairo fitou bem os brilhantes e negros olhos da esposa e perguntou:
- E se ela for realmente louca?
- Está muito fraca para fazer qualquer coisa que nos prejudique.
Se agirmos com atenção e cautela, dado seu estado, nada de mal poderá fazer a nenhum de nós.
E não discutiremos mais esse assunto até ela melhorar.
O que acha?

Sem poder discordar da esposa, Jairo consentiu, afinal.
A cada pequeno progresso, Lucrécia ficava satisfeita e entusiasmada.
Dedicava-se agora à jovem Emílie com tanto empenho como se fosse sua própria filha.

E aos poucos, gradativamente, desfrutando seu desvelado carinho, a jovem passou a apresentar indícios de melhora.
Após dias de intensos cuidados, a febre diminuiu.

Para Lucrécia aquilo era o maior sinal de que precisava.
Já não tinha dúvida de que Emílie iria se recuperar.
Naquela manhã, em especial, ao verificar que a febre quase desaparecera, animou-se ainda mais.

Os remédios estavam começando a fazer efeito.
Porém, acima dos medicamentos estavam o amor e a dedicação de Lucrécia, bem como a oração e a leitura do Novo Testamento, que ela fazia três vezes ao dia, pedindo a protecção de Deus para aquela vida.

A fé e a determinação daquela mulher estavam sendo fundamentais na recuperação espiritual de Emílie.
Enquanto orava com carinho e desvelo, luzes suaves fluíam de seu coração, envolvendo a mente e o corpo de Emílie, que, enredado por densas e pesadas energias, ia sendo beneficiado por aquelas emanações subtis.

Embora ainda aflita e agitada, quando Lucrécia orava a jovem experimentava alívio momentâneo, o que a fortalecia mais e mais.

A muitos quilómetros dali, Cíntia custava a dormir, com imensa saudade da mãe.
Não lhe haviam dito que Emílie fugira da clínica e, embora contasse apenas doze anos, estava atenta a tudo o que se passava.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 18, 2014 11:49 am

Mesmo sem saber da fuga, sentia-se estranhamente preocupada.
Rolou na cama e antes de o sol nascer já estava de pé.
Foi com a tia que comentou, à mesa do café, a dificuldade de dormir.

Filomena desconversou, autoritária:
- Cíntia, sua mãe não está bem, é natural que você se preocupe.
- Mas estou muito apreensiva.
Gostaria de vê-la.

- Nem pensar. Sabe que não pode!
Não admitem crianças naquele lugar!
- Não sou mais criança, tia.
E estou com saudade dela!

- Sabe que seu pai não vai deixar.
Sua mãe está doente, Cíntia.
Quando ela melhorar, quem sabe?
- Minha mãe não está doente!

- É claro que está, ora essa!
Quem é você, fedelha, mal saída das fraldas, para saber de alguma coisa?
Seu pai jamais concordaria com colocá-la no hospí... naquele lugar, se ela não precisasse de ajuda.

- Tenho certeza de que ela não está doente, tia Filomena.
Vocês vão ver... - Cíntia afastou-se da mesa chorando e foi para o grande pátio que contornava a mansão.

Quando saía, Fernando entrou e sentou-se, interrogando Filomena:
- O que se passa?
- Deixe-a. Fiquemos de olho.
Precisamos saber se a filha não puxou à mãe.

- Que ideia!
Ela é uma menina saudável!
- Todos pensavam que Emílie também fosse não se lembra?
E olhe agora. Que vergonha!

Uma louca, uma bruxa em nossa família!
Precisamos manter Cíntia longe dela.
Foi o que o bispo nos pediu.

Mais que isso:
disse que é fundamental para toda a família.
Não devemos sequer visitá-la. Ele foi muito claro.
Se deixarmos que Cíntia a veja, sofreremos as consequências.
Talvez tenhamos de internar as duas!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 18, 2014 11:49 am

Fernando aceitou o chá que a prima lhe oferecia e a repreendeu:
- Parece esquecer que Ricardo é seu irmão e está sofrendo.
- E daí? Ele vai encontrar outra mulher.
E espero que dessa vez escolha a pessoa certa, e não uma jovenzinha francesa com ideias extravagantes.

Uma moça daqui mesmo de Barcelona, de família tradicional e com profundas convicções católicas, será muito mais adequada para Ricardo.
E melhor que tudo tenha acontecido agora do que mais tarde;
assim ele tem tempo para reconstruir a própria vida.

E foi providencial que tivessem uma única filha.
Quando se casar outra vez, meu irmão poderá encher a casa dos filhos desse novo casamento e pronto!
Não se lembrará mais de Emílie, nem quando olhar a primeira filha que, aliás, a cada dia se parece mais com a mãe!

- Não acho as coisas tão simples.
Ele tenta disfarçar, especialmente na presença da filha, mas está cada vez mais calado e amargurado.

- Melhor assim.
Ricardo tem mesmo de reflectir para dar mo mais acertado à vida.
Deus nos livre, Fernando, de ele criar mais problemas para nossa família!
Meus pais morreriam de desgosto.

Fernando sorveu já em pé o último gole de seu chá e despediu-se, apressado:
- Preciso ir, tenho muito que fazer.
Volto mais tarde para conversarmos com calma.

Beijou Filomena na testa e, sem esperar por qualquer comentário, saiu depressa.
Após longa caminhada, Cíntia se sentou sob frondoso arvoredo.
Eram oliveiras antigas que se amontoavam nos limites do jardim da mansão.

Os dias ainda estavam menos claros naquele final de inverno e, por causa dos rigores da estação, Cíntia não podia se refazer ao sol como lhe dava tanto prazer.
Aquela seria a primeira primavera sem a presença da mãe.
A esse pensamento, a menina baixou a cabeça e chorou dolorosamente.

Na mansão luxuosa e confortável, a agitação prosseguia.
Filomena começava a preparar a festa tradicional que a família promovia há muito tempo.

Nela se congregavam e confraternizavam a poderosa família de dom Felipe e dona Isabel de Valença e os mais ilustres e influentes membros e autoridades da Igreja Católica que vinham de toda a Espanha.

Os fortes elos que uniam aquela família e a Igreja se fortaleciam através de várias gerações e o encontro entre elas era sempre motivo de orgulho e celebração.
Mesmo parentes que haviam fixado residência em países distantes faziam questão absoluta de comparecer à festa, que se realizava anualmente.

Aquela era uma oportunidade em que a força política dos Valença se legitimava Pessoas de prestígio na sociedade eram convidadas, e a Igreja aproveitava o momento para distribuir bênçãos e angariar a colaboração de todos.

Com força política e o apoio da Igreja, a família se mantinha poderosa.
Fernando, primo de Filomena e de Ricardo havia ingressado no ministério clerical e vinha rapidamente se destacando.
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