LUZ ESPÍRITA
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O CAMAFEU - Wilson Frungilo Júnior

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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 05, 2020 8:26 pm

O CAMAFEU
Wilson Frungilo Júnior

I
- Vamos lá, Fernando.
A festa promete muito e você precisa distrair-se um pouco, conhecer novas pessoas, fazer novos amigos.
Quanto tempo faz que não sai de casa, a não ser para trabalhar?
Tenho certeza de que seu pai não gostaria de vê-lo assim.
- Meu pai...?
- Sim, seu pai.
Desde que ele morreu, há...quanto tempo, mesmo?
- Quatro meses e cinco dias.
- Pois faz exactamente quatro meses e cinco dias que você resolveu fechar as portas para o mundo, enclausurando-se neste apartamento e vivendo duas personalidades.
- Duas personalidades?
O que quer dizer com isso?
- Quero dizer que no trabalho você continua o mesmo de sempre:
atencioso, polido, solícito, sorridente, agindo como sempre agiu, porém, no momento em que sai do serviço, uma grande modificação ocorre, numa metamorfose que o modifica radicalmente e nem consigo reconhecê-lo.
Torna-se distante, triste, taciturno, sombrio.
- Nem sei o que dizer, Álvaro, somente peço que me perdoe e que tenha um pouco de paciência comigo.
- Nada tenho a lhe perdoar.
Apenas gostaria de ajudá-lo.
Imagino o quanto deve estar sofrendo e quanto sacrifício deve estar fazendo para agir normalmente na empresa, sem deixar transparecer o que se passa em seu íntimo.
Gostaria muito de ajudá-lo.
- Sei disso.
Você está sendo muito atencioso comigo, porém ainda não consegui conformar-me com a morte de meu velho.
Desde que ele partiu, sinto um vazio muito grande.
- É por isso que insisto em que deve sair um pouco.
Você não irá conseguir superar essa tristeza ficando aqui dentro deste apartamento, onde muitas lembranças devem angustiá-lo ainda mais.
Não é o apartamento que me angustia, Álvaro e, sim, o vazio que instalou-se dentro de mim.
Desde que mamãe faleceu, há mais de quinze anos, você sabe, sempre vivi com meu pai e éramos muito amigos, aliás, mais que amigos:
parecíamos fazer parte um do outro, resolvendo juntos todos os nossos problemas e partilhando todas as nossas alegrias, além do que, a sua morte veio muito de repente, sem estarmos preparados para ela.
Tudo foi tão súbito.
Nem ao menos o velho chegou a adoecer.
Velho...Na verdade, nem velho era.
Tinha apenas cinquenta e dois anos de idade e possuía um físico até invejável.
- Realmente, seu pai parecia muito forte e saudável, porém, o derrame...você sabe...
- Aneurisma traiçoeiro...
Fernando e Álvaro são amigos há muitos anos, ambos trabalhando no sector contábil de uma grande indústria, onde possuem um razoável salário que os permite viver comodamente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 05, 2020 8:26 pm

Fernando, vinte e seis anos, solteiro, perdera a mãe aos onze, vítima de uma forte pneumonia e Orestes, seu pai, passara a ser para ele o grande herói de sua vidar preenchendo todo o vazio que o amor materno deixara em seu coração de menino.
Eram mais que pai e filho:
eram grandes amigos que, há quatro meses, inesperada morte veio separar, de maneira implacável e sem aviso, funesto acontecimento que Fernando não consegue aceitar, passando a guardar enorme mágoa em relação ao mundo.
Nunca seguiu nenhuma forma de filosofia religiosa e, por isso, não tem a que se apegar, isolando-se das pessoas, num doloroso ponto de interrogação que parece crescer cada dia mais em seu peito, asfixiando a sua alma sedenta de consolo. Álvaro, vinte e nove anos, casado há quatro, possui uma vida bastante tranquila, junto à sua pequena família:
Eliana, sua esposa e Marina, sua filha, de apenas dois anos de idade.
Tanto seus pais como os de Eliana, ainda vivos, moram em pequena cidade do interior do Estado.
Foi nessa cidade que Álvaro e Eliana nasceram e passaram sua infância, vindo para a cidade grande logo após se casarem e de Fernando ter arrumado ao amigo uma colocação na firma onde já trabalhava.
Eles haviam se conhecido há algum tempo, quando cursavam a mesma Universidade em cidade próxima à capital.
Nessa época, tornaram-se amigos inseparáveis, apesar de Fernando viajar todas as noites para estudar e Álvaro morar em uma pensão com outros estudantes, sendo que, semana sim, semana não, Álvaro viajava com o amigo, hospedando-se em seu apartamento, no intuito de aproveitarem o sábado e o domingo juntos, frequentando muitas festas.
Por diversas vezes eram acompanhados por seu Orestes, que os jovens consideravam um grande amigo, nem chegando a perceber a diferença de idade entre eles.
Após se formarem, Fernando, que já trabalhava desde os vinte e um anos, conseguiu uma colocação para Álvaro na mesma empresa da qual era dedicado e reconhecido funcionário.
A amizade foi se fortalecendo cada vez mais e agora que Fernando encontrava-se preso a dorida angústia, o amigo tudo queria fazer para amenizar o seu sofrimento e tentar reorganizar-lhe o íntimo bastante desestruturado pela súbita morte do pai.
- Mas você precisa lutar, Fernando, e sair desse abatimento.
Afinal de contas, a vida continua e ela ainda será muito longa para você.
O rapaz fica por algum tempo pensativo, até confessar o que, na verdade, lhe martiriza o pensamento:
- Sabe o que é, Álvaro?
Além de não conformar-me com o facto de não poder mais conviver com meu pai, fico tentando imaginar onde ele poderá estar agora.
Álvaro franze o cenho como quem não está entendendo as palavras do amigo.
- Estou falando sério, Álvaro.
Não posso aceitar que a morte venha pôr um fim a tudo porque, senão, nada mais haveria sentido na vida e martirizo-me com isso.
Creio que papai deve estar em algum lugar e, pode parecer loucura de minha parte, mas gostaria de saber onde e como ele está.
- Você está falando sério?
- Estou. Nunca, antes, havia pensado sobre esse assunto, mas agora que papai se foi, não posso conceber que um homem como ele, tão pleno de vitalidade, com tanta vontade de viver, com tantos planos ainda por realizar, esteja se decompondo dentro de um túmulo e que tudo o que conseguiu conquistar, tanto intelectualmente, como em sua própria organização moral, tenha se perdido para sempre.
Porque se a vida for assim, para que tanto trabalho, tanto sacrifício, tanto estudo para, um dia, tudo se perder na deterioração, na decomposição de uma massa encefálica?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 05, 2020 8:26 pm

Algo deve sobreviver à morte do corpo, em alguma outra localização, em alguma outra dimensão. Entende?
Álvaro fica por alguns segundos em silêncio, raciocinando sobre essas palavras, a fim de poder emitir uma opinião a respeito do assunto que, a seu ver, parece-lhe um tanto difícil, apesar de entender plenamente a preocupação do amigo.
Também nunca havia pensado nada a respeito do destino dos homens após a sua morte, preferindo ficar com a opção aprendida nos tempos de garoto e sobre a qual argumenta:
- Você acredita que possa existir um Céu e um inferno?
- Talvez, Álvaro, mas não da maneira como um dia aprendemos ou da maneira que alguns propalam.
Sabe, tenho pensado bastante sobre isso nestes últimos meses e cheguei à conclusão de que, se existir mesmo um Céu, este deverá ser um local não de simples contemplação, mas um lugar de trabalho onde as almas, Espíritos, ou sei lá o quê, possam continuar a evoluir moralmente porque, na verdade, nós não podemos imaginar que a simples morte de um corpo possa dar a um ser a prerrogativa de vir a tornar-se um anjo ou mesmo de encontrar-se com Deus.
Também não consigo imaginar que possa existir um inferno onde os maus sofram eternamente, como um dia aprendemos.
- Por que, Fernando?
Você não acha que os bons tenham que ser premiados e os maus punidos?
- Punidos por quem, Álvaro?
Por Deus?
- Talvez pelo demónio, se ele existir, realmente.
- E você acha que Deus iria criar algo dessa natureza, apenas para punir os maus?
Penso que Deus é amor, justiça e perdão, não punição.
Se Jesus veio até nós pedindo que perdoássemos uns aos outros...
- Percebo onde quer chegar, Fernando, mas penso que aqueles que praticam a maldade, como por exemplo, os assassinos, os estupradores ou aqueles tantos personagens que conhecemos que tanto mal fizeram à Humanidade, devam receber algum castigo.
- Acredito mais num castigo, talvez, da própria consciência, Álvaro.
Além do mais, já li em algum lugar, algo mais ou menos assim:
"como entender a justiça de Deus que permite que um recém-nascido cresça, tenha um desenvolvimento normal e se transforme em, digamos, um assassino, vindo a sofrer, depois da morte, a dor eterna do inferno e que outro recém-nascido morra após alguns dias de seu nascimento e seja encaminhado às glórias do Céu, simplesmente porque, talvez, não tenha tido a oportunidade de incorrer em graves erros como o outro?"
- Fernando, você está me surpreendendo com essas suas ideias e, realmente, parece-me bastante claro e lógico esse seu pensamento.
Mas a que conclusão você chegou a respeito de tudo isso?
O rapaz permanece por algum tempo em silêncio, parecendo colocar as ideias em ordem, antes de dar a sua opinião final:
- Como você mesmo disse, acredito que deva existir algo de mais lógico e justo.
Agora, de uma coisa tenho uma grande convicção:
a morte não existe e todos nós, como alma ou espírito que devemos ser, apenas abandonamos este nosso corpo e continuamos a viver em alguma outra dimensão.
- E que seu pai deve estar, neste momento, localizado nessa dimensão?
- Só posso acreditar nisso.
- Meu grande amigo, se realmente crê nessa possibilidade, e devo confessar que chego a aceitar alguns pensamentos nesse sentido, imagino que isso possa servir de grande consolo para você.
Creio, até, que um dia você poderá vir a encontrar-se com seu Orestes, nesse, digamos, outro plano da vida.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 05, 2020 8:27 pm

Não se sente mais confortado e fortalecido com essa certeza? — insiste Álvaro, com a finalidade de levantar o ânimo do amigo.
- Sim, isso tem me ajudado muito.
- Pois então, Fernando, abandone de vez esse casulo no qual se meteu e procure voltar a sorrir, a viver intensamente, como sempre o fez.
Vamos, meu amigo! Força!
- É que...você pode até achar que estou um pouco fora de minha razão mas...sabe o que é...?
- Diga, Fernando.
Estou aqui para auxiliá-lo.
Desabafe. Isso lhe fará bem.
Fernando reflecte um pouco antes de responder e, quando o faz, fá-lo num só ímpeto:
- Quero entrar em contacto com meu pai.
- - O quê?! - exclama Álvaro, profundamente atónito.
- O que você ouviu, meu amigo.
Quero falar com meu pai.
- Mas como, Fernando?!
Você endoideceu?!
- Não. Não estou doido, não.
Já ouvi falar, já li a respeito e sei que existe essa possibilidade.
- Espiritismo?
- Não sei. Talvez esse seja o caminho.
Agora, de uma coisa estou certo: eu vou conseguir.
Álvaro que, alguns momentos atrás, estava animado com o rumo da conversa, achando que o amigo voltaria à normalidade, pois encontrara um ponto de apoio, sente, agora, um novo desânimo ao ouvir a franca determinação do rapaz, assustando-se com essa atitude que, para ele, parece um tanto tresloucada.
E procura, mais uma vez, convencer o amigo:
- Tudo bem, Fernando, tudo bem.
Acho até bom esse seu propósito, mas quero insistir para que volte a viver a vida.
Tomo a insistir:
se quiser levar avante esse seu intento, faça-o, mas, por favor, aceite os conselhos desse seu amigo que muito lhe quer bem.
- Aceitarei os seus conselhos, Álvaro.
Dê-me apenas um tempo.
Logo, logo, retomarei à minha antiga e agitada vida social. Prometo-lhe.
- Assim é que se fala e espero que cumpra essa promessa.
- A propósito, quando será essa festa na qual insistiu tanto, hoje, para que eu vá?
- Na próxima sexta-feira, nos salões do Clube.
Eliana já providenciou uma babá para Marina e já reservamos três ingressos.
- Três?
- Sim. Um é para você.
- Como tinha tanta certeza de que conseguiria convencer-me a acompanhá-los?
Álvaro sorri e explica:
- Esse baile sempre foi muito concorrido e não quisemos correr o risco de ver esgotados os ingressos.
- Está bem, Álvaro. Eu irei.
- Assim é que se fala.
Assim é que se fala.
E sabe quem vai estar também nessa festa?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 05, 2020 8:27 pm

- Quem?
- Hermínia.
- Hermínia? Há muito tempo não a vejo.
Ela está com alguma peça em cartaz?
Da última vez que conversei com ela, estava produzindo uma peça infantil na Polichinelo, aquela casa teatral, construída por seu pai.
Nada como ter dinheiro, não, Álvaro?
Hermínia formou-se em arte cénica e o pai construiu uma sala de espectáculos para ela.
- Mas ela merece.
Inclusive, tem dado oportunidade a muitos atores principiantes, recém-formados.
Actualmente, está apresentando uma comédia e parece que tem levado muito público.
- Ela merece, sim.
É uma boa moça.
- E ainda gosta muito de você, Fernando.
- Ora, deixe disso.
- É verdade. Aliás, foi ela quem pediu para que eu insistisse com você.
Irá sentar-se connosco.
Além dos ingressos, reservei também uma mesa para nós quatro:
eu, Eliana, você e Hermínia.
- Você não devia ter feito isso, Álvaro.
Sabe muito bem que não existe mais nada entre mim e Hermínia.
- Ela me pediu, Fernando, e não tive como negar.
É uma boa moça.
Eu e Eliana sentimos muito quando você decidiu terminar o namoro por causa daquela...daquela Ilusão...
Sinceramente, até hoje não consegui entendê-lo.
- Pois se quer saber, nem eu.
Foi um sentimento muito forte e que perdura até hoje.
E não foi nenhuma ilusão, não.
- Você ainda tem as fotos?
- Tenho.
- Pelo menos tirou da cabeça aquela ideia maluca de publicá-las, não?
Fernando permanece em silêncio, olhando para o amigo que, temeroso, pergunta-lhe novamente:
- Tirou da cabeça, Fernando?
- Sinceramente não.
Só não o fiz ainda, por única e exclusiva falta de coragem.
Tenho muito medo de sofrer uma desilusão.
Álvaro meneia a cabeça e suspira inconformado com a ideia fixa do amigo.
- Você sente mesmo alguma coisa por essa moça?
- Eu a amo, meu amigo.
- Não posso acreditar. Não é possível.
Como pode amar alguém que não conhece, a não ser por algumas fotos tiradas à distância?
Você nunca mais a viu?
- Nunca mais.
- E queria colocar um anúncio nos jornais?
- Talvez ainda o faça.
- Você é doido, Fernando.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 05, 2020 8:27 pm

Indiscutivelmente, você é doido - repete Álvaro, sem conseguir conter um curto riso nervoso e preocupado.
- Talvez eu seja mesmo um doido, mas pode crer que o que sinto é realmente muito forte.
Não consigo tirá-la do meu pensamento.
Há mais de um ano, Fernando convive com um sentimento de amor um tanto estranho que, seu pai, quando vivo, o exortava a seguir adiante, aconselhando o filho a fazer tudo o que seu coração lhe sugerisse para não correr o risco de arrepender-se um dia.
Mas Fernando tinha muito medo de sofrer uma decepção ou algum tipo de humilhação por parte da misteriosa jovem, receio esse que seu Orestes não aprovava, pois dizia que seria muito melhor sofrer uma desilusão naquele momento do que viver aprisionado a alguém pelo resto da vida.
E esse era o termo exacto do que ocorria com o jovem:
estava aprisionado pelo amor.
Um amor por uma jovem que somente vira uma vez e que não chegara a aproximar-se mais que alguns metros.
Tudo acontecera num shopping center, quando lá fora com a intenção de comprar uma máquina fotográfica, pois pretendia dedicar-se um pouco a esse hobby.
E não poupara dinheiro na compra de um equipamento, adquirindo uma câmara bastante sofisticada, de variados recursos e um jogo completo de objectivas e outros acessórios.
Decidiu também começar, ali mesmo, no shopping, o seu debute na arte fotográfica.
Dessa forma, saiu da loja de departamentos devidamente preparado:
pendurada ao pescoço, uma câmara equipada com uma objectiva zoom, daquelas que aproximam a imagem a ser fotografada, ampliando-a e um filme de alta sensibilidade, devidamente instalado, pronto para uso.
Fernando, naquele momento, nem podia imaginar o que o destino lhe reservava, ao começar a testar o equipamento.
Imóvel defronte da grade de um mezanino, começou a focalizar diversas partes do shopping através da câmara, alterando a distância no zoom, observando, através das lentes, pessoas, letreiros, objectos os mais diversos, divertindo-se muito, até que, apontando para uma escada rolante que subia em direcção ao locai onde se encontrava, recebeu o impacto que modificaria todo o rumo de sua vida, principalmente o de seus sentimentos: uma moça de seus vinte e poucos anos, rosto marcante composto por olhos azuis esverdeados, lábios finos, nariz ligeiramente longo, denotando certo ar aristocrático e firmeza de propósitos, tudo emoldurado por sedosos cabelos curtos e loiros.
Sua pele alva, seus contornos e seu porte elegante, davam-lhe, apesar do vestido simples que envergava, um quê de determinação e de candura ao mesmo tempo.
Fernando não resistiu ao impulso e fotografou-a, não uma única, mas diversas vezes, manipulando sofregamente a objectiva, focalizando-a em diversos planos:
de corpo inteiro, meio corpo e, principalmente seu rosto que, num determinado momento chegou a olhar directamente para a câmara, o que fez com que o rapaz, assustado, interrompesse aquela sessão de fotos numa última tomada.
E, temendo que a moça o tivesse visto, virou-se, caminhando rapidamente em sentido contrário, com o coração batendo fortemente e com uma ligeira, mas agradável sensação de vertigem, parecendo não estar sentindo o chão sob os seus pés.
Após andar por alguns metros, arriscou volver o olhar para o ponto onde imaginava que a jovem poderia estar, porém, ela caminhava em sentido contrário, afastando-se por entre a multidão.
Percebendo, então, que ela dobrara à direita, no final daquele largo corredor, disparou pelo outro lado, no intuito de contornar o interior do shopping, com a esperança de interceptar-lhe o caminho para vê-la mais de perto e, qual não foi sua decepção quando a viu, ao longe, saindo do prédio, pois descera novamente para o andar térreo, sem que ele o percebesse.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 05, 2020 8:27 pm

Tentou alcançá-la, mas não o conseguiu, sentindo-se triste com o facto de não tê-la encontrado antes, pois talvez tivesse tido a oportunidade de informar-se a seu respeito, se a tivesse visto saindo de alguma loja.
E a partir desse momento, tudo modificou-se em sua vida:
não conseguia pensar em outra coisa, a não ser naquela moça que incompreensivelmente arrebatara os seus sentimentos numa explosão de um amor à primeira vista que ele nunca acreditara poder existir.
Não tendo coragem de encomendar a revelação daquele filme numa das lojas do shopping, pois poderia ocorrer de alguém reconhecer a moça e pedir-lhe explicações sobre o seu procedimento, viajou até uma cidade vizinha onde um laboratório as revelou.
Com o passar dos dias, não conseguindo conter-se, mostrou-as ao pai, confessando o que lhe acontecera.
Seu Orestes, a princípio, chegou a rir-se dele, modificando, um mês depois, a sua óptica sobre o assunto, ao perceber a verdadeira obcecação do filho que, diariamente, após o trabalho, percorria as dependências do shopping center, na esperança de encontrar novamente a jovem.
Na ocasião, namorava Hermínia, que conhecera numa recepção em casa de Álvaro, dois anos atrás e que, formada em artes cénicas, já estava dando os últimos preparativos para a encenação de sua primeira peça teatral, como directora e actriz.
Porém, antes que ela fizesse a sua estreia, Fernando terminou com o namoro, pois chegara à conclusão de que não mais a amava ou que, talvez, nunca tivesse mesmo chegado a amá-la porque, agora, sabia o que era realmente um verdadeiro amor.
Hermínia sofrera muito com a separação, atirando-se completamente ao trabalho como forma de compensar a tristeza que lhe tomara conta.
Fernando não lhe contara sobre a desconhecida para que ela não sofresse mais ainda, alegando apenas que havia se confundido em seus sentimentos para com ela, pedindo-lhe que o perdoasse.
Hermínia, no entanto, nunca o conseguiu esquecer, continuando a sentir por ele o mesmo amor que sempre lhe nutrira.
Passados dois meses, seu Orestes, percebendo que o tempo não conseguira apagar aquilo que, a princípio, considerara apenas uma passageira ilusão do rapaz, resolveu apoiá-lo, aconselhando-o a tentar localizar a jovem e ainda sugerindo-lhe que publicasse uma das fotos em jornais de grande tiragem, solicitando que a moça entrasse em contacto com ele.
Evidentemente, não sabia no que poderia dar aquela atitude, mas não vislumbrava nenhuma outra saída para o caso, disposto que estava em auxiliar Fernando.
O rapaz, porém, não tinha a coragem suficiente para essa atitude de tamanha envergadura, apesar de o pai insistir muito com ele, alertando-o de que, na vida, temos que lutar pelo que nos clama o coração e que, se por acaso, a jovem não viesse a sentir o mesmo por ele, ou mesmo se já amasse alguma outra pessoa, pelo menos ele teria a consciência tranquila de ter tentado e que pior seria ficar o resto da vida naquela angústia, mesmo porque, apesar de remota, ainda havia a possibilidade de ocorrer uma reciprocidade naquele sentimento.
Quem sabe, a moça não ficaria impressionada com aquele seu gesto?
Deveria tentar, aconselhava o pai.
Fernando quase chegou a pôr em prática a ideia, desistindo no último momento.
Passados mais alguns meses, seu Orestes vem a desencarnar, deixando o filho num grande desespero, hoje um pouco atenuado pela ideia da continuidade da vida após a morte do corpo físico.
Álvaro, seu amigo, também representou para ele um grande apoio, dirigindo-lhe sempre bons conselhos e tentando promover o seu retomo a uma vida normal.
Nunca apoiara a ideia do amigo tentar encontrar a jovem por quem se apaixonara, principalmente no tocante à publicação de suas fotos em jornais, tentando agora reaproximá-lo de Hermínia, sua antiga namorada, que nunca deixara de o amar e que, tinha a certeza, possuía todas as qualidades para fazê-lo feliz.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 05, 2020 8:28 pm

- Bem, Fernando, tenho que ir.
Já é tarde e Eliana deve estar preocupada com a minha demora.
Talvez não nos vejamos amanhã e depois de amanhã, pois estarei viajando a serviço da empresa.
De qualquer maneira, sexta-feira, por volta das vinte e duas horas, passaremos para apanhá-lo.
A propósito, o traje para o baile é paletó e gravata.
- Eu os esperarei.
Muito obrigado pelo convite e principalmente pela paciência que têm tido comigo, você e Eliana.
- Nada tem a agradecer.
Afinal de contas somos grandes amigos.
Até sexta-feira então, e boa noite.
- Boa noite, Álvaro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 05, 2020 8:28 pm

II
- Penso que deve dedicar-se a esse trabalho, sim, Jandira, e concordo plenamente com você:
deve realizá-lo em sua casa, pois acredito que terá uma maior probabilidade de sucesso, além do facto de que lá terá mais tempo disponível do que aqui no Centro Espirita.
Confio muito em sua intuição.
- Muito obrigada, seu Pedro, pela confiança.
Sinto que devo experimentar e, se porventura eu perceber que nada trará em benefício da Doutrina, poderei interromper o trabalho, solicitando aos Espíritos bons e amigos que o encaminhem para uma reunião mais apropriada.
Mas senti muita sinceridade em seus propósitos, através de minha intuição e creio que devo levar avante essa ideia de trabalhar em algo que possa levar ao povo mais simples algumas considerações a respeito da morte e suas consequências que, inevitavelmente, dependem do grau de amor que cada criatura tenha desenvolvido em seu coração.
- Pois vá em frente.
Terá todo o meu apoio.
Seu Pedro é dirigente do Centro Espírita Allan Kardec e Jandira, uma das médiuns que empresta a sua mediunidade a serviço da causa, no trabalho de doutrinação de Espíritos necessitados.
Possui dois tipos de mediunidade:
a psicofónica, que é a de transmitir oralmente as mensagens espirituais e a psicográfica, através da qual recebe as comunicações, escrevendo-as numa folha de papel.
E é através dessa modalidade mediúnica que pretende trabalhar, doravante, por algumas horas diárias em seu próprio lar, atendendo a um pedido intuitivo de um Espírito que quer relatar suas recentes experiências de pós-morte do corpo físico e, consequentemente, sua libertação como Espírito que é.
Amparada por outras intuições, recebidas de luminares entidades ligadas ao trabalho do Centro que frequenta, procurou seu Pedro a fim de ouvir suas considerações e conselhos a respeito desse novo trabalho e, diante de sua aprovação, pretende começar a trabalhar naquela mesma noite e em mais algumas outras noites por semana, sempre no horário preestabelecido por ela própria.
No horário aprazado, Jandira senta-se defronte de uma pequena mesa em seu quarto, com várias folhas de papel em branco por sobre a mesma e profere sentida prece de agradecimento por tudo o que o Alto a tem auxiliado em sua vida diária, rogando também protecção e apoio no trabalho que pretende iniciar a partir daquele instante.
Apesar da experiência que já possui no campo da psicografia, é a primeira vez que irá realizá-la de uma maneira diferente, pois imagina que, talvez, desta feita, realize um trabalho mais extenso do que as pequenas mensagens que costuma receber no Centro Espírita, quase sempre de Espíritos que necessitam ainda de um encaminhamento e de um esclarecimento quanto ao seu actual estado, haja vista que, na maioria das vezes, entidades ainda muito presas ao círculo da matéria, nem mesmo se apercebem de que já abandonaram suas vestimentas carnais e ficam a perambular, como se estivessem num estado sonambúlico, por entre as pessoas e coisas que lhes são caras.
Doutras tantas vezes, sofrendo as consequências de seus actos menos dignos a lhes martelara consciência ou, até mesmo, escravizadas a sentimentos de vingança, jungidas àqueles que lhes fizeram brotar essas algemas de ódio.
Nesse momento, percebe a aproximação da entidade comunicante e procura concentrar-se na tarefa, deixando de lado outros quaisquer pensamentos que não sejam o de trabalhar em benefício da Doutrina.
Mais alguns segundos se passam e já consegue visualizar num ponto bem profundo de sua mente, a figura do Espírito sob cuja tutela ela escreverá:
um senhor de pouco mais de cinquenta anos, acompanhado por mais seis entidades bastante luminosas que lhe norteiam os passos nessa experiência que, apesar de bastante nova para ele, terá grande importância no decorrer do tempo, principalmente pelas pessoas que, num futuro bem próximo, deverão dar andamento a uma missão das mais nobres, ligada à divulgação da Doutrina Espírita.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 05, 2020 8:28 pm

Jandira percebe ter chegado o momento do intercâmbio e, apanhando um lápis de sobre a mesa, traz para perto de si um lote de folhas brancas, dando início então ao abençoado trabalho.
Procura deixar a mente livre de quaisquer pensamentos até o momento em que as primeiras palavras começam a ocupá-la insistentemente e, apoiando o lápis sobre o papel, começa a transcrevê-las:
“Meus irmãos.
“Ê a primeira vez que comunico-me desta maneira, possuindo, inclusive, certa dificuldade que somente é superada pelo apoio de outros Espíritos aqui presentes.
A partir de agora, identificar-me-ei apenas como Soares e tentarei colocar no papel alguns acontecimentos pelos quais passei, desde que deixei o meu corpo físico, na inevitável viagem entre os planos material e espiritual que todos temos que realizar, viagem esta que já realizamos por diversas vezes, apenas não nos lembrando por força da bondade divina que cerra o passado ante os nossos olhos e nos daqueles com os quais tornamos a conviver para que possamos resgatar os nossos débitos e, com isso, evoluirmos, percorrendo as lições que Nosso Pai bondosamente nos concede.
Também nosso Criador, muitas vezes nos permite entrar em contacto com os irmãos do plano físico na missão de abrirem seus corações uma nova porta para o entendimento das verdades da vida, para que, chamados a esse esclarecimento, raciocinem e estudem a Doutrina Espírita, trabalhando também na sua divulgação.
E, tendo a plena convicção de que estas minhas mensagens chegarão a endereços certos, através do auxílio dos mensageiros de Jesus, inicio o relato a que me proponho.
“Hoje, maio de 1998, retomo minha memória ao ocorrido em 14 de agosto de 1969, há quase vinte e nove anos, quando, voltando para casa, senti a primeira dor no peito, necessitando interromper os meus passos e amparar-me numa parede para não desfalecer, ao mesmo tempo em que o ar parecia faltar-me.
Permaneci imóvel por alguns minutos até sentir-me novamente bem e reiniciei a caminhada.
Encontrava-me a poucos metros de minha residência e procurei locomover-me lentamente, pois imaginei reconhecer esse sintoma, através de relatos de amigos que já haviam sido acometidos por um enfarte.
Tomara que minha filha esteja em casa — pensei ao entrar, pois poderia, talvez, chamar uma ambulância para socorrer-me.
Mas Alzira não estava e, sentindo nova e lancinante pontada, tentei gritar por socorro sem que a voz se libertasse de minha garganta.
Eu já era viúvo havia pouco mais de dois anos e morava com minha filha e meu genro, que somente chegava do trabalho bem à noitinha, dada a distância de seu emprego e por força do congestionado trânsito da capital, onde morávamos.
- O telefone... sim... o telefone - e, num esforço muito grande, prendendo a respiração para aliviara dor, tentei alcançá-lo, no intuito de ligar para um pronto-socorro, ao mesmo tempo em que meus olhos, já enevoados, tentavam localizar a Lista de Classificados.
- Devíamos todos saber de cor os números mais importantes: do hospital, da polícia, do corpo de bombeiros... - dizia para comigo mesmo, quando as minhas pernas não obedeceram mais ao meu comando e, por sorte, tombei no sofá da sala de estar, conseguindo, depois de alguns intermináveis segundos, posicionar-me o mais comodamente possível.
Sentia-me gelado e um frio suor era excretado de meu corpo combalido.
E, já com a mente turva, lutei desesperadamente para que os meus pensamentos, agora mais íntimos, permanecessem sob o meu controle.
Foi quando lembrei-me de Deus; eu, que há muito tempo o banira de minha mente.
De formação católica por tradição, afastara-me de há muito, dos cultos e da ideia de um Criador.
Sempre fora um homem correto, trabalhador, ciente de minhas responsabilidades e, até mesmo, por muitas vezes, generoso e caridoso para com meus semelhantes, principalmente, com aqueles que eu percebia em dificuldades, fossem elas quais fossem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 06, 2020 7:47 pm

Do fundo de meu coração, sempre partiram muitas acções caritativas, desde o meu eterno sorriso para com todos os que cruzavam o meu caminho, pois que era uma pessoa sempre de bem com a vida, até os gestos “mais tresloucados”, que era como os meus amigos denominavam os meus constantes actos de auxílio e socorro a todos os que necessitassem de uma ajuda, principalmente com os assuntos ligados à saúde.
Costumava, sempre que possível, nos finais de semana, visitar um hospital público, próximo de minha casa, a fim de detectar pessoas com reais necessidades de serem auxiliadas, tanto por problemas burocráticos de internação, quanto pelos de ordem financeira, os quais tentava resolver, saindo à cata de amigos que pudessem contribuir.
Chegava mesmo a fazer listas de contribuições e até grandes campanhas, envolvendo depósitos em contas bancárias que fazia questão de administrar e, posteriormente, prestar contas, através da imprensa escrita.
Não sabia explicar por que sentia tanta satisfação em procurar esses necessitados e auxiliá-los, mas durante toda a minha vida isso foi uma constante, tendo sido, muitas vezes, contestado pelos amigos, com a alegação de que eu perdia muito tempo nisso, sem preocupar-me comigo mesmo.
Somente minha esposa sabia compreender-me, animando-me a esse trabalho, tendo, inclusive, por diversas vezes, me acompanhado nessas verdadeiras peregrinações em busca de oportunidades de trabalhar em prol de criaturas verdadeiramente relegadas a último plano pela sociedade ávida de satisfações próprias.
Realizava esses actos de caridade numa incontida e inexplicável necessidade, como se dependesse disso para poder sobreviver, para poder sentir uma paz tão necessária quanto o ar que respirava ou o alimento que sustentava o meu organismo.
E, como já relatei, sem preocupar-me nunca com qualquer tipo de religiosidade, ou mesmo com a existência de um ser celestial que a tudo presidisse neste Universo em que vivemos, chegando a fugir de assuntos que dissessem respeito a Deus, nosso Pai e Criador.
Porém, naquele momento, antevendo a provável chegada da morte, não conseguia raciocinar em outra coisa a não ser na necessidade de elevar meus pensamentos a um ser supremo que tutelasse o meu inexorável destino em direcção ao desconhecido mundo que, um dia, aprendera como sendo a inevitável díade Céu e Inferno.
E assim o fiz humildemente, numa prece onde as lágrimas brotavam naturalmente de meus olhos, e, a súplica, solicitando arrimo no seio do Criador, atenuava as minhas dores, levando-me a um estado de balsamizante e inexcedível ventura e paz, onde interessante fenómeno operou-se em minha mente:
como se fora um filme cinematográfico, todas as cenas de minha vida, desde a infância até aquele presente momento, foram projectadas em espantosa velocidade na tela de meu consciente, trazendo-me recordações as mais variadas, desde os mais felizes acontecimentos até as mais funestas reminiscências, tudo na mais fidedigna reprodução.
Mas o que causou-me maior sensação de bem-aventurança foi a sequência de fotogramas vivos e muito iluminados dos rostos de todas aquelas pessoas a quem auxiliei, todas sorrindo para mim, profundamente agradecidas, fazendo com que eu me esquecesse da provável morte que me rondava e vivesse somente para aquele mágico instante, às vezes interrompido por uma voz que, de muito longe, me chamava.
Languidamente, intentei abrir os olhos, somente conseguindo uma pequena fresta nas pálpebras, por onde visualizei minha filha Alzira, que tentava desesperadamente despertar-me, sacudindo o meu corpo; num último esforço consegui segurar uma de suas mãos e articular algumas palavras, informando-lhe que havia chegado a hora de minha partida, pedindo-lhe também que se acalmasse e confiasse em Deus e em Jesus, no mesmo instante em que criaturas, vestindo trajes alvos e luminosos, pareceram materializar-se no ambiente, começando uma verdadeira cirurgia em meu corpo, desligando muitos fios que, até então não havia notado e que depois vim a saber tratar-se de finos cordões que ligavam meu perispírito ao corpo físico.
Na verdade, estavam auxiliando o abraço da morte, e eu me sentia como que flutuando por sobre o meu corpo estirado no sofá e revestido de um outro igual àquele, porém de um material mais leve e ligeiramente diáfano.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 06, 2020 7:47 pm

Colocaram-me então numa maca de tecido muito branco e carregaram-me para fora daquele cómodo, como se estivessem me transportando por dentro de um iluminado túnel, abandonando, assim, meu corpo carnal.
Daí em diante, dormi profundamente, não sei por quanto tempo, até acordar num quarto bem parecido ao de um hospital, diferenciando-se apenas nos detalhes das paredes, da porta, janela e móveis que se me apresentavam como que constituídos por um material de superfície bastante homogénea, onde a cor branca imperava, enriquecida por tonalidades amenas e tranquilizantes.
Seu mobiliário constituía-se de uma cama, na qual encontrava-me deitado, duas cadeiras de um dos lados, uma cómoda e um pequeno guarda-roupa.
Do meu lado esquerdo, uma pequena janela descortinava um lindo jardim com vários canteiros de plantas ornamentais e flores as mais diversas.
Em seus caminhos, várias pessoas que detectei como sendo pacientes, pelo facto de usarem um pijama como o que eu usava, caminhavam tranquilas em aparente conversação.
Lembrei-me, então, de tudo o que me ocorrera quando na sala da casa de minha filha e imaginei ter sonhado com tudo aquilo e que, agora, estava convalescente num quarto de hospital, muito sofisticado e muito bonito, por sinal.
— Será que tivera sido vítima realmente de um enfarte? - pensei, lembrando-me dos detalhes daquela tarde, quando passara por experiência que mais me parecera a de minha morte.
Graças a Deus tudo não devia ter passado de um sonho, mas um sonho que, tenho a certeza, tão cedo não esqueceria, principalmente pela grande paz interior que havia sentido e da certeza adquirida da existência de um Deus, nosso Criador.
- Mas afinal de contas - insistia comigo mesmo - o que teria realmente acontecido?
Teria sido eu uma daquelas pessoas que voltara de um coma com lembranças do momento de uma quase libertação do corpo físico, como já havia visto em reportagem num programa de televisão e lido, um dia, num livro de um médico que pesquisara esse fenómeno em diversas pessoas que passaram por essa experiência?
Só poderia ter ocorrido isso - pensava, imaginando tentar entrar em contacto com esse pesquisador norte-americano, assim que tivesse alta.
Mas e Alzira e meu genro?
Onde estariam?
Evidentemente, deveriam estar trabalhando naquele momento, pois talvez não imaginassem que eu recobraria a consciência tão cedo, deixando-me, talvez, aos cuidados de enfermeiras.
Procurei então examinar-me a fim de descobrir se havia sofrido alguma cirurgia, nada encontrando, a não ser pequena vermelhidão por sobre o meu peito, como se tivesse levado um risco de tinta rósea de cima a baixo.
Há quanto tempo estaria naquele hospital?
Passei a mão em meu rosto e percebi encontrar-me barbeado, sentindo também um doce e leve perfume que exalava de meu corpo.
- Devem ter-me banhado enquanto dormia - concluí, resolvendo, por fim, chamar alguém para cientificar-me a respeito de mim mesmo.
Girei o corpo para o lado direito e, tombando a cabeça para trás, visualizei um pequeno botão no próprio corpo da cama, com a legenda “campainha", por debaixo.
Apertei-o e aguardei.
Passados alguns minutos, abriu-se uma porta localizada na parede oposta à da janela, dando passagem a dois homens que trajavam roupas brancas, portando largo sorriso nos lábios.
Pela maneira como chegaram e se posicionaram ao meu lado, cheguei à fácil conclusão de que um deles, o mais velho, aparentando pouco mais de quarenta anos, devia ser o médico e o outro, mais moço, um enfermeiro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 06, 2020 7:47 pm

Abrindo agora um pequeno parênteses, gostaria de dizer que, a partir deste instante, passarei a descrever, para um melhor entendimento, a íntegra de diálogos mantidos entre mim e outros personagens desta minha narrativa.
- Boa tarde, irmão Soares.
Meu nome é Ulisses e este é Flávio.
Estamos encarregados de sua cura.
- Boa tarde, doutor.
- Chame-me apenas de irmão Ulisses.
- Pois bem, irmão Ulisses.
Não sei o que está acontecendo, mas acordei, sentindo-me muito bem.
Graças a Deus devo ter sido socorrido a tempo, não?
- Oh, sim, meu irmão, pois poucos conseguem esse auxílio, de maneira tão rápida.
O irmão pode ter a certeza de que foi merecedor dessa intervenção.
Afinal de contas, sabemos que já auxiliou muitas pessoas necessitadas.
- Como o irmão está sabendo dessas coisas?
Por acaso, foi minha filha quem lhe contou?
Ou será que fui socorrido por alguma daquelas pessoas?
É, pode até ter sido, pois muitas delas passaram a me visitar algumas vezes.
Ulisses apenas sorriu e comentou:
— Digamos que foi o amor que todas elas nutrem pelo irmão.
— Não estou entendendo...
— Não se preocupe com isso agora, irmão Soares.
Vai necessitar de um pouco mais de repouso e de uma alimentação bem leve.
Logo mais, poderá tomar um caldo bastante revigorante.
— Muito obrigado.
Sinto mesmo um pouco de fome.
— Procure descansar mais um pouco.
Mais à noitinha, viremos vê-lo.
— E minha filha e meu genro, irmão Ulisses?
Quando virão ver-me?
Foi então, nesse momento, em que Ulisses e Flávio entreolharam-se num mudo entendimento, que comecei a vislumbrar a verdadeira realidade de minha situação, passando a crivá-los de perguntas a respeito do que estava me acontecendo:
— Espere um pouco... me digam uma coisa:
que hospital é este?
Estou achando tudo muito estranho.
E minha filha?
Por que não está aqui comigo?
Afinal de contas, fui operado...ou não fui?!
O que significa este vergão em meu peito?
Quem são vocês?
Pelo amor de Deus, respondam- me.
- Procure acalmar-se, meu amigo, e logo terá a explicação de tudo o que está lhe acontecendo.
O sangue gelou-me nas veias e comecei a sentir-me muito mal, parecendo estar voltando a sentir as dores no peito de que havia sido vítima antes de ser hospitalizado.
Ulisses então, rapidamente, após informar que aplicaria passes magnéticos em mim, colocou suas mãos por sobre a minha fronte, solicitando auxílio do Alto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 06, 2020 7:48 pm

Em poucos instantes, senti-me envolvido por forte sono, sem sonhos, acordando apenas no dia seguinte, bem cedo, mais restabelecido e com muita fome.
- Bom dia, irmão Soares, - cumprimentou-me sorridente enfermeira - trouxe-lhe seu desjejum.
Passou bem a noite?
Deve estar com fome.
- Bom dia, minha senhora - respondi, procurando mostrar naturalidade em minhas palavras, pois ainda estava em dúvida quanto à minha situação e ligeiro tremor nos meus lábios exteriorizava a minha preocupação e o temor pelas ideias que passavam pelo meu pensamento.
— Diga- me uma coisa:
o doutor, quero dizer, o irmão Ulisses veio ver-me, ontem à noite?
- Deve ter vindo, sim.
O irmão Ulisses visita, à noite, todos os pacientes que estão sob a sua responsabilidade, ministrando-lhes, juntamente com outros irmãos, passes magnéticos revitalizantes.
- Passes magnéticos?
O que vem a ser isso, afinal de contas?
Já ouvi falar nesse tipo de tratamento feito pelos espíritas.
Por acaso, este hospital é espirita?
- Percebo - respondeu a enfermeira, aproximando- se de mim e segurando uma tijela contendo um caldo verde - que o irmão ainda não foi esclarecido quanto à sua verdadeira situação.
Mais uma vez um frio percorreu a minha espinha dorsal, culminando com um formigamento em minha cabeça.
O que estaria querendo dizer aquela mulher?
E, num impulso incontido, perguntei-lhe à queima-roupa:
- Minha irmã, seja sincera comigo e responda-me: onde estou?
O que aconteceu comigo?
Tudo isto aqui me é muito estranho.
A enfermeira, então, endereçando-me um sorriso caridoso, como quem olha para uma criança curiosa e assustada, respondeu-me de maneira muito calma e natural, enquanto ajeitava os meus travesseiros para que eu pudesse alimentar-me:
- O querido irmão encontra-se numa das diversas Colónias de Socorro, próxima à crosta da Terra, destinada a acolher Espíritos recém-desencarnados e que, por seus actos, fizeram-se merecedores de atenção mais especializada de nossos Mentores Espirituais.
- Não posso crer — foram as únicas palavras que encontrei para colocar para fora toda a surpresa a respeito daquela revelação, apesar de já ter asilado em minha mente a hipótese de ter abandonado o meu corpo físico.
- Agora tome esta alimentação que vai auxiliá-lo muito.
Dentro em pouco, o irmão Ulisses virá vê-lo.
Queria falar mais, fazer mais perguntas, mas minha voz sumira, como que por encanto, travada pela minha própria mente que receava entrar em mais detalhes e, enquanto sorvia daquele caldo que a enfermeira, muito gentilmente, colocava em minha boca, com uma colher, lágrimas brotavam de meus olhos.
Entreguei-me então à passividade, sentindo que a cada nova colherada meu organismo parecia reabilitar-se e uma paz, até então desconhecida para mim, tomava conta de meu íntimo.
Terminada a ligeira refeição, a bondosa senhora tomou a ajeitar-me os travesseiros e a porta abriu-se dando passagem aos irmãos Ulisses e Flávio.
- Bom dia, irmão Soares.
Bom dia, irmã Gertrudes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 06, 2020 7:49 pm

Como está o nosso convalescente?
Já alimentou-se convenientemente?
- Sim, irmão Ulisses.
Nosso paciente parece ter reagido bem à revelação.
Nesse momento, não consegui mais conter as lágrimas e uma torrente de lamentações tomou forma em minhas palavras que lancei aos borbotões:
- Irmão Ulisses, diga-me, por favor:
terei eu transposto a barreira da morte?
Que lugar é este?
Por que morri tão cedo?
Ainda tinha muito por realizar.
E minha filha Alzira?
E meu genro?
Como ficarão sem mim, sem a minha ajuda?
E os pobres doentes do hospital?
Eu os auxiliava tanto. Precisam de mim.
Por que trouxeram-me para cá?
Que lugar é este?
Um hospital no Céu, no Purgatório?
O que é tudo isto? Diga-me.
Pelo amor de Deus, quero retomar.
Quero voltar para a vida.
Não posso ter morrido. Não posso.
E mais grossas lágrimas irromperam de meu desespero, enquanto tentava levantar-me da cama como se pudesse voltar para a minha antiga situação de encarnado.
- Acalme-se, irmão Soares - pediu Ulisses, fazendo-me deitar novamente.
Acalme-se. Esse seu desespero somente servirá para trazer-lhe amargas consequências.
Por favor, confie em Deus e tente acalmar-se para ouvir-nos.
- Sim, - respondi - mas por favor, explique-me mais sobre o que está me ocorrendo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 06, 2020 7:50 pm

III
- Como vai, Hermínia?
Há quanto tempo! — cumprimenta Fernando, meio sem jeito, a antiga namorada que, há quase um ano não vê.
- Você me parece muito bem.
Cada vez mais bonita. - complementa, tentando ser gentil, mas arrependendo-se imediatamente, pois não pretende dar nenhum tipo de esperança para a moça, no sentido de reatar o namoro por ele interrompido logo após o episódio em que se apaixonara pela estranha do shopping.
- E você continua gentil como sempre.
Mas não faz tanto tempo assim, Fernando.
Estive no sepultamento de seu pai, há pouco mais de quatro meses.
Não se lembra?
- Oh, sim, desculpe-me, agora me lembro.
É que estava tão transtornado... na verdade, até hoje ainda não consegui conformar-me com a sua morte.
- Vocês eram muito ligados, não é mesmo?
Mas vamos mudar de assunto, pois quero vê-lo feliz esta noite. - apressa-se em dizer Hermínia, sem conseguir disfarçar o sentimento que ainda nutre por ele, tamanho o brilho de seus olhos, o que não passa despercebido de Fernando e nem de Álvaro e Eliana.
- Mas vamos sentar-nos - convida Álvaro, indicando uma mesa próxima, no enorme e já lotado salão de baile do clube.
Na mesa, um pequeno suporte sustenta um cartão com o nome de Fernando, indicando a reserva.
- Você a reservou em meu nome, Álvaro?
- Foi ideia de Eliana.
Disse que era para dar sorte de conseguirmos convencê-lo a vir.
- E funcionou! - exclama Hermínia, visivelmente entusiasmada com a presença do rapaz.
- Propositalmente reservamos esta mesa longe da orquestra para que pudéssemos ouvir melhor o som de nossas vozes - explica-se Eliana a Fernando e Hermínia.
Acredito que vocês dois têm muito o que conversar.
Afinal de contas há muito não se vêem.
Fernando enrubesce e agita-se na cadeira, incomodado com o rumo da conversa, pois percebe as intenções de Eliana ao proferir aquelas intencionais palavras.
Hermínia, por sua vez, não perdendo a oportunidade, pega na mão dele e a aperta, dizendo-lhe:
- Realmente, devemos ter muitas novidades, não é mesmo?
- Sim... bem... quero dizer... de minha parte não tenho muito a contar.
Quase não tenho mais saído de casa, depois da morte de papai.
- Isso é verdade - concorda Álvaro.
Foi necessário suar muito para conseguir trazê-lo até este baile, porém, depois deste, outros deverão acontecer, não é, Fernando?
Antes que o rapaz diga algo, Hermínia responde:
- É lógico que outros irão acontecer.
Vamos formar um quarteto bem alegre e percorrer todos os bailes da cidade.
O que acham da minha ideia?
Eliana bate palmas, entusiasmada, e replica:
- Vamos sim e já tenho até um nome para o grupo: Quarteto da Alegria.
Fernando sorri pouco à vontade e retira sua mão de sob a de Hermínia, levando-a ao bolso da calça para dali retirar um lenço com o qual enxuga a testa, num premeditado e disfarçado gesto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 06, 2020 7:51 pm

- Está com calor, Fernando? - pergunta-lhe Eliana.
- Oh, sim, está um pouco abafado aqui.
- Por que não vai até o terraço tomar um pouco de ar?
Leve-o lá, Hermínia.
- Venha - convida a moça, levantando-se e apanhando-o pelo braço, no que Fernando aquiesce, acompanhando-a.
- Vamos nos sentar neste banco.
A noite está bastante agradável.
O rapaz senta-se ao lado da ex-namorada que, já tendo percebido o embaraço dele na mesa, evita desta feita tocá-lo, num supremo esforço de sua parte, pois sua vontade é a de abraçá-lo fortemente.
Não conseguira esquecê-lo e ainda o ama muito.
Fica alguns minutos em silêncio antes de dirigir-lhe a palavra e quando o faz coloca muito carinho na entoação da voz.
- Gostaria muito de poder ajudá-lo, Fernando.
Percebo que deve estar sofrendo muito ainda por causa da morte de seu pai.
- Sim, Hermínia, sinto muito a falta dele.
Afinal de contas, meu velho foi para mim muito mais que um pai.
Foi meu grande amigo e também a mãe que perdi muito cedo.
Na verdade, vi-me, de repente, sem família.
Nunca imaginei que ele fosse partir assim tão cedo e que eu poderia sofrer tanto com essa separação.
- Eu imagino o quanto não deve estar sendo fácil.
Agora, quanto à família, você sabe que pode contar comigo para o que precisar.
Tenho certeza de que poderá contar também com Álvaro e Eliana.
Sei muito bem que seu pai e sua mãe são insubstituíveis, mas amor por você é o que não nos falta para lhe darmos.
E de minha parte, você sabe...
Fernando corta-lhe as palavras, fazendo-se de desentendido quanto às últimas palavras da moça:
- Sou muito grato a todos vocês e espero um dia poder retribuir-lhes, pelo menos em parte.
Álvaro tem sido um grande amigo, o mesmo podendo dizer a respeito de Eliana.
E você, como está se saindo no teatro?
Da última vez que nos encontramos, estava levando uma peça infantil em sua casa de espectáculos.
Como foi a receptividade?
Hermínia sente uma grande alegria invadir o seu coração, pois crê que Fernando está interessado pelo seu trabalho e, por conseguinte, por ela, o que, na verdade, não é bem assim.
O rapaz apenas mudou o assunto antes que ela levasse o rumo da conversa para um ponto que não gostaria fosse levado.
- Foi muito boa, muito boa mesmo.
Depois da estreia, entrei em contacto com várias escolas e todas levaram seus alunos para assisti-la a um preço especial.
Se quer saber, não deu ainda para ganhar muita coisa, mas, pelo menos, não me deu prejuízo.
Tive até um certo lucro que estou guardando para montar uma nova peça.
- Uma nova peça infantil?
- Não. Desta vez, vou partir para um trabalho para adultos.
- Pensei que seu ideal era o de montar peças infantis.
Sempre me falou nisso.
- Oh, sim. Essa é a minha especialidade e não abandonarei totalmente esse trabalho.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 06, 2020 7:51 pm

Estou actuando numa peça para crianças aos sábados e domingos, porém em outra casa.
Na Polichinelo é que montarei uma peça voltada para uma doutrina que abracei, logo que terminamos com o nosso namoro.
- Uma doutrina? - pergunta rapidamente Fernando, ainda na defensiva, para não entrar num assunto que realmente não deseja abordar.
- Sim. Uma doutrina que abriu novos horizontes em minha vida e que pretendo repartir com outras pessoas, através do teatro.
- E que doutrina é essa que a contagiou dessa maneira?
- Como estão se portando as duas crianças? - pergunta alegremente Eliana, interrompendo a conversa.
Sabem que vocês formam o par mais bonito que já vi?
- Você é muito gentil, Eliana - responde Fernando - mas o mérito é todo de Hermínia e eu, junto dela, apenas colaboro para que sua beleza mais ainda se realce.
Hermínia não sabe se deve se empolgar com essas palavras, pois - pensa - estaria Fernando tecendo um elogio a ela ou apenas querendo insinuar que qualquer um ao seu lado formaria um belo par, tentando atenuar a verdadeira intenção das palavras de Eliana?
Por que será que ele não mais a quis se parecia amá-la tanto?
E por que rompeu com ela tão de repente?
Haveria outra mulher?
Não, não poderia haver porque senão ele não estaria agora naquele baile.
O que teria acontecido?
- Álvaro está conversando com um amigo que não vê há muito tempo e resolvi vir dar uma espiadinha em vocês.
Espero não ter interrompido nenhuma conversa importante.
- De maneira alguma, Eliana - responde Hermínia.
Estava começando a contar para Fernando a respeito da nova peça que estou pensando em montar.
- Ah, sim.
Você chegou a comentar alguma coisa comigo na semana passada, mas não me lembro bem.
Será uma peça a respeito de Espíritos, não é?
- Espíritos? - pergunta Fernando, curioso.
- Sim. Uma peça a respeito da Doutrina Espírita.
- Ela é espírita agora, Fernando.
Buuuuuuu! - brinca Eliana.
- Não deboche, minha amiga.
O Espiritismo é uma doutrina muito séria e pretendo utilizar o teatro para divulgá-la.
- Álvaro não me disse nada - comenta Fernando.
Esta semana mesmo, fiz alguns comentários a respeito da possibilidade de comunicar-mo-nos com os mortos e ele nada me disse sobre os seus conhecimentos, Hermínia.
- Não sei se Eliana comentou com ele a respeito da conversa que tivemos.
- Realmente, não comentei nada.
- Você se interessa por esse assunto, Fernando? - pergunta Hermínia, na esperança de que ele responda afirmativamente, pois vislumbra uma oportunidade de reaproximar-se dele.
Já possui bastante conhecimento sobre o assunto ou, pelo menos, vê-se em condições de ensinar-lhe muita coisa.
- Bem... quero dizer... sim, tenho tido algum interesse.
Na verdade, depois que papai morreu, comecei a pensar muito sobre isso porque não posso acreditar que tudo possa terminar com a morte do corpo físico, inclusive estive pensando se... bem... não sei se vou falar alguma asneira, mas pensei que talvez houvesse alguma forma de entrar em contacto com ele e...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 06, 2020 7:51 pm

- É lógico que existe a possibilidade, Fernando! - afirma Hermínia, com empolgação.
- Cuidado, Hermínia, - pede Eliana - não vá prometer a Fernando algo que talvez não tenha condições de proporcionar-lhe.
Você sabe muito bem o que penso sobre tudo isso e não gostaria de vê-lo sofrer uma decepção.
Não sou tão ignorante sobre o assunto, pois apesar de Álvaro não se simpatizar muito com essa Doutrina, já li muito a respeito e uma coisa pude aprender nos livros:
o telefone geralmente toca de lá para cá.
Imagino que essa possibilidade possa existir, mas não somos nós que iremos determinar a um Espírito que venha se comunicar connosco.
- Ora, Eliana, o que é isso?
Se tivermos fé, bastante fé, um pouco de paciência e muita perseverança...
- Só lhes peço que tenham cuidado para não se machucarem.
Bem, vou ao encontro de Álvaro.
Porque não entram e dançam um pouco?
- Já iremos, Eliana - promete Fernando.
Gostaria de conversar mais um pouco com Hermínia.
- Vocês é quem sabem. Até mais.
- Hermínia, - pergunta Fernando, após ficar novamente a sós com a moça - você acredita mesmo que há a possibilidade de eu ter notícias de meu pai?
Sinto-me tão angustiado.
Gostaria de, pelo menos, saber se ele está bem...
- O primeiro passo para isso, Fernando, você já deu:
acredita na imortalidade e deseja essa comunicação.
- Mas pelo que entendi das palavras de Eliana, a iniciativa deve partir do plano espiritual e não do nosso.
- Tudo bem, mas por que não tentarmos?
Se formos bastante persistentes, acredito que o mundo espiritual, que os Espíritos que controlam esse tipo de actividade, acabarão por nos atender, principalmente porque seu pai era um homem muito bom e deve ter condições de se comunicar connosco.
Fernando sente uma esperança muito grande naquele momento, principalmente pela maneira como tudo se encaminhava sem que ele tivesse tomado qualquer atitude a respeito, ou seja, já havia prometido a si mesmo tentar comunicar-se com seu pai, inclusive tendo revelado isso a Álvaro, porém não sabia como começar e agora, sem nada ter planeado, encontra-se com Hermínia, sua antiga namorada que parece lhe abrir uma porta para isso.
Teria sido uma feliz coincidência, ou o destino lhe estaria reservando essa ventura?
Fala a respeito disso à moça que, por sua vez, sente-se feliz, pois percebe uma grande oportunidade de reaproximar-se daquele a quem ama e passa a incentivá-lo cada vez mais.
- Acho que o primeiro passo, Fernando, é você se dedicar ao estudo da Doutrina Espírita para poder entender como as coisas funcionam, como é a vida nos planos espirituais mais ligados à crosta terrestre, como se efectua o relacionamento entre os dois planos, a sorte dos Espíritos após a desencarnação, os tipos de mediunidade, enfim, ter uma boa visão a respeito.
Se quiser, posso auxiliá-lo.
- Gostaria imensamente, Hermínia.
Você possui livros a respeito do assunto?
- Tenho, mas penso que poderíamos estudar juntos, pois tenho certeza de que, com a minha ajuda, você terá condições de entender tudo mais rapidamente.
- E eu lhe agradeço muitíssimo.Quando poderíamos começar?
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O CAMAFEU - Wilson Frungilo Júnior Empty Re: O CAMAFEU - Wilson Frungilo Júnior

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 06, 2020 7:51 pm

- Vamos fazer o seguinte:
amanhã mesmo vou lhe emprestar um livro com o qual já poderá iniciar-se no aprendizado.
- Que livro é esse?
- “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec, que foi quem codificou a Doutrina Espírita, compilando diversas comunicações de Espíritos em forma de perguntas e respostas.
Tenho certeza de que irá gostar.
Ao mesmo tempo, poderá ler “O Evangelho Segundo o Espiritismo", também de Allan Kardec, que lhe dará, sob a óptica do Espiritismo, os principais ensinamentos de Jesus, obra importantíssima, pois essa Doutrina, além de ser uma filosofia e uma ciência que para tudo tem uma resposta, é uma religião que nos liga a Deus, nosso criador.
Logo em seguida, passarei para você algumas obras de André Luiz, psicografadas por Francisco Cândido Xavier, que lhe mostrarão, de maneira bastante clara e lógica, como é a vida no plano espiritual.
- Já ouvi falar desses livros.
- Além disso, gostaria de manter um contacto semanal com você para elucidar as dúvidas que porventura venham a surgir-lhe.
- Fico-lhe muito grato, Hermínia.
E quando poderemos começar?
- Amanhã mesmo.
Passe lá em casa de manhã e lhe darei os livros.
Aliás, papai e mamãe ficarão muito felizes com a sua visita.
Depois combinaremos um dia da semana para estudarmos juntos.
- Então, amanhã passarei em sua casa.
Hermínia não cabe em si de tanta felicidade.
Não consegue acreditar que irá ver Fernando toda semana.
Meu Deus, pensa, será que conseguirei reconquistá-lo?
Oh, por favor, me ajude, roga, exultante.
De repente, Fernando levanta-se de um salto, interrompendo a conversa.
- Um momento, Hermínia!
Já volto! - exclama, saindo apressadamente em direcção a uma escadaria que liga o terraço onde se encontram, a um jardim no andar térreo.
- Onde você vai?
O que aconteceu? - pergunta a moça, sem obter resposta, pois Fernando já se encontra descendo rapidamente os degraus, procurando desviar-se das pessoas que sobem.
Hermínia, sem nada entender, corre até a sacada, conseguindo ainda avistar o rapaz que sai pelos portões do clube.
- Mas o que foi que deu nele? - pergunta-se apreensiva, enquanto lentamente começa a descer também em direcção à saída.
Nesse momento, Fernando questiona o porteiro:
- Por favor, o senhor não viu para que lado foi uma moça loira, de cabelos curtos?
Estava trajando um vestido preto...
- Aconteceu alguma coisa, meu rapaz? - pergunta- lhe o funcionário, preocupado com a estranha expressão de Fernando.
- Não... quer dizer... preciso encontrá-la.
O senhor não viu para que lado foi?
- Desculpe-me, moço, mas está passando muita gente por aqui e a maioria das moças está de preto.
- A mais bonita... - insiste pateticamente Fernando.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 07, 2020 8:38 pm

- Desculpe-me, mas não sei lhe dizer.
- Obrigado - agradece, dirigindo-se até o meio fio e olhando para ambos os lados da rua.
Meu Deus, ela estava aqui.
Mas por que já foi embora?
Será que vai voltar?
Fernando havia visto do terraço do clube a misteriosa moça do shopping quando esta e mais uma outra moça encaminhavam-se em direcção à saída e, num incontido impulso, correra a fim de alcançá-la, porém sem sucesso.
- Tenho certeza de que era ela.
Não posso ter-me enganado.
- O que aconteceu, Fernando? - pergunta Hermínia, já a seu lado.
O rapaz volve o olhar para ela, limitando-se a dizer, desculpando-se:
- Perdoe-me, Hermínia.
Pensei ter visto um amigo que não vejo há muito tempo, saindo do clube.
Como desejaria tê-lo alcançado...
Hermínia toma-o então pelas mãos, num convite para que retornem ao salão do baile, no que Fernando aquiesce, deixando-a romanticamente feliz com isso.
Ao retornarem ao terraço, o rapaz procura recuperar a serenidade e recompor as descompassadas batidas de seu coração.
- Pode ser que esse seu amigo seja frequentador deste clube - diz Hermínia.
Quem sabe se começarmos a frequentá-lo, você não possa vir a encontrá-lo?
Fernando parece não estar prestando muita atenção no que diz a moça, irrompendo com uma pergunta:
- Diga-me uma coisa, Hermínia:
sei que o Espiritismo prega a reencarnação como forma de aprimoramento espiritual, onde o retomo ao mundo físico possibilita que os Espíritos voltem a conviver geralmente com aqueles a quem são devedores a fim de que possam ressarcir seus débitos ou, então, retornam com destinos que lhes sirvam de aprendizado naquilo que mais falharam na encarnação anterior, ou seja, existe toda uma gama de aprendizado nas diversas encarnações por que passa.
É mais ou menos isto, não é?
- Sim. Fernando.
Vejo que já possui algum conhecimento a respeito do assunto.
- Andei lendo alguns livros, especialmente romances e penso ter aprendido alguma coisa, principalmente no tocante às leis de causa e efeito afectas à teoria reencarnacionista que julgo ser a mais condizente com a justiça e a bondade de Deus.
Mas o que realmente gostaria de saber é se, porventura, de alguma forma, um Espírito reencarnado pode lembrar-se de algum outro que lhe cruze o caminho numa nova vida.
- Muitas vezes, Fernando, um Espírito reencarnado, sem compreender o porquê, sente uma grande simpatia, até mesmo um forte sentimento de amor por outros Espíritos, também reencarnados, por causa da grande afinidade que passaram a ter depois de conviverem em vidas passadas.
Outra vezes, da mesma maneira, chegam a possuir incompreensíveis sentimentos de ódio, por tristes acontecimentos, também do passado.
- E você acha que isso vem explicar aquilo que, comummente, denominamos de antipatias ou então amor à primeira vista?
- Com toda a certeza - responde Hermínia, bastante animada com o rumo da conversa, pensando tratar-se de uma curiosidade de Fernando quanto ao amor que um dia dissera sentir por ela.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 07, 2020 8:38 pm

Porém, Fernando, na verdade, está pretendendo uma explicação a respeito de seu inexplicável sentimento pela moça que vira no shopping e que a cada dia que passa sente mais intensamente ocupar-lhe o coração.
- E você acha que esse amor à primeira vista pode ser recíproco?
Hermínia sabe que não, necessariamente, mas prefere afirmar, em seu próprio proveito.
- Tenho plena convicção disso.
Mas por que a pergunta?
Fernando, por sua vez, não pretende relatar ainda o que está lhe sucedendo.
- Por nada, Hermínia.
Foi algo que me ocorreu agora.
- Você, por acaso, já sentiu alguma vez antipatia gratuita, sem entender o porquê ou um amor à primeira vista? - insiste a moça, lembrando-se de que Fernando quando a conhecera, logo quis namorá-la.
- Você está ouvindo essa música? - disfarça o rapaz.
É a minha preferida.
Vamos dançar?
- Vamos, sim - concorda Hermínia, percebendo que talvez ainda seja um pouco cedo para tentar entabular assunto tão delicado, mas sente-se feliz com o rumo que as coisas estão tomando e, radiante de esperança, acompanha Fernando que gentilmente oferece-lhe o braço, levando-a de volta ao salão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 07, 2020 8:38 pm

IV
- Soares, você já deixou o mundo material e agora pertence ao verdadeiro plano da vida, que é o espiritual, e agradeça a Deus por ter tido uma desencarnação amena e suave, auxiliado que foi por uma equipe socorrista e trazido para esta Colónia de Socorro que se encontra nas imediações da Terra, a serviço do Cristo.
Pode ter a certeza absoluta de que isso somente foi possível, graças aos actos caridosos por você praticados, quando de sua última romagem física.
- Tenho tantas dúvidas, tantas perguntas a fazer...
- Pode ter a plena certeza de que todas elas lhe serão respondidas, tão logo tenha alta deste tratamento e passe a frequentar a nossa escola de readaptação.
- Frequentarei uma escola, aqui?
- Sim. É necessário que readquira os seus poucos conhecimentos sobre as verdades da vida que, um dia, momentaneamente, caiu-lhe no esquecimento mental, mas que permaneceram incólumes, de maneira latente, em sua bagagem espiritual.
Novas verdades também lhe serão transmitidas para que possa aprofundar-se um pouco mais nas questões evolutivas do Espírito, filho de Deus e herdeiro do Universo.
- Meu Deus...não podia imaginar.
Mas... o irmão me disse que tive o merecimento de ter sido socorrido por uma equipe, tendo, dessa maneira, uma desencarnação amena, por causa de meus actos de amor ao próximo...
- Sim...
- Quer dizer que outros Espíritos ou alguns outros Espíritos não têm esse tipo de auxílio?
- Realmente, irmão Soares.
Como já lhe disse, todos nós somos artífices de nosso destino.
Alguns, como você que, apesar de nunca ter seguido nenhuma religião terrena, sempre praticou o bem ao próximo, teve o merecimento de ser auxiliado por irmãos afins com o mesmo ideal.
Por outro lado, muitos de nossos irmãos encarnados optam em preocuparem-se apenas com o seu próprio bem-estar e é evidente que receberão outro tipo de recepção, principalmente por parte daqueles que sempre comungaram com os seus ideais inferiores.
- E o que acontece com eles no momento de sua desencarnação?
- Uns, demoram-se algum tempo para despojarem-se de seus próprios corpos físicos, tão ligados estão ao egoísmo e à vaidade a respeito de suas vestes carnais.
Lembre-se que, no momento de sua desencarnação, vários fios que o prendiam como Espírito ao corpo, foram rapidamente desligados.
Pois bem.
Aqueles que se importam tão-somente com a matéria, nesse momento da partida têm dificuldade nesse desligamento.
Suas próprias mentes, extremamente ligadas à exagerada importância que dão às coisas materiais, em detrimento às coisas do Alto, principalmente no tocante ao cumprimento dos ensinamentos de Cristo, propiciam uma forte ligação entre os próprios átomos de seus corpos materiais e espirituais, dificultando o desligamento, sendo, para eles, de grande sofrimento físico essa separação.
Outros, tão imantados estão a Espíritos que se lhes assenhoreiam durante quase toda uma vida os desejos mais vis e mesquinhos, por eles são aprisionados e levados à continuidade de seus próprios descaminhos em regiões que abrigam cidadelas ou aglomerados espirituais nos lamaçais trevosos do vício e da criminalidade.
- Essas regiões seriam parte do que se costuma denominar de inferno? - perguntei, gravemente abismado.
-Até poderia ser chamado por esse nome, já que os homens idealizaram esse inferno a partir das lembranças de suas sombrias passagens por essas paragens, com a única diferença que nada há de eterno nesses sofrimentos, haja vista que Deus, Nosso Pai, é todo bondade e sempre oferece novas oportunidades para aqueles que demonstram arrependimento e sincero desejo de modificar o rumo de suas vidas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 07, 2020 8:39 pm

Outros tantos Espíritos, meu caro irmão Soares, que não chegaram a praticar actos de maldade voluntária, mas que se encontram extremamente apegados às coisas materiais e, até mesmo, a Espíritos encarnados, após toda a dificuldade de se desenvencilharem do corpo físico, ficam a viver perambulando lado a lado com suas predilecções da matéria ou junto a pessoas pelas quais sentem doentio sentimento de posse, na maioria das vezes, sem se aperceberem de que já não fazem mais parte do mundo material, vivendo num estado quase que sonambúlico, como se estivessem vivendo um sonho que, muitas vezes, revelam-se como verdadeiros pesadelos.
Quase sempre, muitos Espíritos a eles ligados pelos laços reencarnatórios do passado e que lhes devotam muito amor, procuram auxiliá-los, porém não conseguem ser visualizados por eles, já que suas vibrações encontram-se circunscritas ao plano material e nada conseguem detectar do plano espiritual.
— E podem permanecer por muito tempo nessa situação?
- Muitas vezes por vários anos e, mesmo, séculos, até que o tempo se incumba de abrir os seus corações para as sublimes vibrações que, um dia, lhes foram implantadas na alma, filhos que são do mesmo Pai Celestial.
Há casos, também, em que os Espíritos encarregados de auxiliá-los conseguem, através da intuição, conduzi-los até algum local apropriado, onde impere o verdadeiro amor, para que, com o auxilio de fluidos emanados de corações elevados possam fazê-los sentir a presença de irmãos que querem auxiliá-los.
Geralmente, esse tipo de trabalho é realizado em Centros Espíritas onde, além do manuseio dos fluidos existentes no ambiente, doados pelos irmãos encarnados ali presentes, Espíritos sofredores para ali são encaminhados para que, através da comunicação mediúnica, sejam devidamente auxiliados.
- O que vem a ser essa comunicação mediúnica? Já ouvi falar disso.
- Na verdade, irmão Soares, todos os Espíritos encarnados possuem algum grau de mediunidade, através da qual normalmente ocorre o intercâmbio entre os dois planos da vida.
Ê por ela que os Espíritos encarnados vivem constantemente em ligação com Espíritos desencarnados, afins a eles, onde o Bem ou o mal podem ser sugeridos através da intuição, haja vista a grande atracção existente entre as criaturas dos dois planos, atracção esta proveniente dos sentimentos que, um dia, no passado, ligaram-nos nos caminhos ou descaminhos da jornada.
No caso da comunicação mediúnica, o que ocorre é que muitos Espíritos que vivem encarnados na Terra possuem essa mediunidade um pouco mais desenvolvida, servindo de ponte de ligação com o Plano Espiritual, na maioria das vezes através da mediunidade psicofónica, em que Espíritos desencarnados utilizam-se da fala dos médiuns para se comunicarem e, evidentemente, fazerem-se notar, falando sobre os seus problemas ou suas aspirações, conseguem ser aconselhados por uma outra pessoa que com eles entabula uma conversação sadia e elucidativa.
Inclusive, conseguem fazer com que eles, abrindo o seu coração ao arrependimento sincero ou à vontade de se modificarem, consigam visualizar outros Espíritos de seu próprio plano que podem, então, encaminhá-los no rumo certo, muitas vezes, levando-os a Colónias de Socorro, como esta aqui.
Outros tantos médiuns existem que conseguem transmitir as mensagens do mais além, através da psicografia, ou seja, através da escrita, mecanicamente, quando o médium empresta a sua mão como se esta fosse um apêndice do Espírito comunicante, ou de maneira intuitiva, quando o médium permite que os pensamentos do outro desfilem por sua mente, transmitindo-os, então, para o papel.
Também o fenómeno da mediunidade psicofónica, pode ocorrer através da intuição.
- E quanto àqueles que chegam a ver Espíritos desencarnados como nós?
- Ah, sim, esses são os médiuns videntes que entram em sintonia com o plano espiritual, conseguindo enxergar, tanto os Espíritos desencarnados, como, muitas vezes, o próprio ambiente que lhes cercam.
- irmão Ulisses, gostaria muito de saber a respeito do paradeiro de minha esposa Clarice.
Ela deixou o mundo físico há quase três anos, levando-se em conta todo o tempo que passou desde que vim para cá.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 07, 2020 8:39 pm

- Soares, você precisará ter um pouco de paciência e, como já lhe disse, aprender mais sobre este nosso plano e outras considerações sobre a vida espiritual.
Aí, então, terá condições de realizar incursões para outros lugares e contactos com Espíritos mais elevados.
- Como assim?
Minha esposa não se encontra aqui? - perguntei, preocupado.
- Não, Soares.
Sua esposa Clarice encontra-se numa dimensão mais evoluída, visto ser um Espírito de avançadas qualidades.
Lágrimas de felicidade novamente irromperam de meus olhos diante dessa revelação.
Realmente, minha esposa sempre demonstrara virtudes bem acima das de outras pessoas, onde a paciência, a tolerância, o amor ao próximo e o desapego das efemeridades foram uma constante em sua vida.
Que alegria senti, apesar de perceber pouca probabilidade de encontrar-me com ela naquele momento.
- Mas terei a oportunidade de revê-la? — perguntei.
- Sim, Soares.
Um dia, ela virá ao seu encontro.
Pode ter a certeza de que ela lhe devota muito amor e o auxiliará muito com suas preces e vibrações.
- E minha filha Alzira e meu genro?
Gostaria de saber notícias deles.
- Pelas últimas notícias que tive, estão muito bem.
Aliás, são Espíritos que já se encontram em avançada posição evolutiva, se comparados à maioria dos que habitam a Terra, sendo, inclusive, entidades afins, de outras encarnações que, há algum tempo, vêm se reencarnando ligadas a laços de
consanguinidade.
O irmão não precisa preocupar-se com eles, pois ambos possuem vários simpatizantes neste plano que muito os têm auxiliado, quando necessário.
- Sinto muita saudade.
- A saudade, Soares, é um sentimento natural e de forma alguma prejudicial, pois traduz humildade e reconhecimento.
Humildade no enaltecimento do próximo por quem a sentimos, ao mesmo tempo em que denota um reconhecimento de suas qualidades.
O que devemos evitarem nosso coração é o amor possessivo que escraviza, imantando mentes umas às outras, num processo obcecante.
Por isso, procure emitir vibrações de real amor àqueles a quem ama e que se encontram distantes para que elas os alcancem e os contagiem com muita paz e serenidade.
Dessa maneira, seus sentimentos transformar-se-ão em bênçãos de dupla finalidade auxiliadora, beneficiando seus entes queridos e a você próprio.
Neste ponto de nossa conversação, já sentia-me mais calmo e animado, porém muitas e muitas dúvidas assaltavam-me a mente, desejando fosse possível tudo aprender naquele momento, num só jacto de informações, porém sabia que isso era impossível.
Deixei de lado, então, as perguntas sobre as quais sabia poder obter respostas quando cursasse a escola que Ulisses me falara e procurei tomar conhecimento sobre coisas que mais me fossem necessárias no momento.
- Perdoe-me, Ulisses, por tantas perguntas, mas gostaria de saber mais sobre esta Colónia de Socorro em que me encontro.
— É bastante natural essa sua curiosidade e não precisa desculpar-se.
Quando aqui cheguei há já algum tempo, também tive essa ânsia de a tudo conhecer.
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