LUZ ESPÍRITA
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Série Lúcius - Se abrindo para a vida / ZÍBIA GASPARETTO

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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 26, 2014 11:28 am

Se abrindo para a vida

Aos trinta e oito anos, Jacira acredita estar prisioneira de uma situação irreversível e sem saída.

Assim, ela prefere entrar na depressão, culpar os outros, acreditar que não tem como mudar o destino.

Mas, ao contrário do que ela pensa, a vida trabalha em favor do seu progresso, enviando desafios, apertando o cerco e fazendo com que, cansada de sofrer, ela acorde para a realidade, descobrindo potenciais, buscando caminhos e se abrindo pra vida.

Zíbia Gaspareto


Aprendi a ler aos quatro anos de idade e, aos oito, muitas vezes passava horas sentada, escrevendo histórias.

Com a chegada da adolescência, deixei esse comportamento de lado e só o retomei na forma de psicografia quando, anos depois, meu marido e eu, uma vez por semana, estudávamos os livros de Allan Kardec.

Meu braço doía e a mão mexia contra minha vontade.
Colocados papéis e lápis na minha frente, comecei a escrever rapidamente.
Nós frequentávamos as sessões da Federação Espírita e eu participava como médium de incorporação, psicografava e, algumas vezes, utilizava o dom da xenoglossia (faculdade de falar ou escrever línguas estranhas).

Nessa época, recebia contos, mensagens de orientação, histórias e, assim, os romances começaram a fluir.

A sensibilidade se abre e vemos muitas coisas que não entendemos.
Venho estudando há muitos anos e ainda não tenho todas as respostas.

Mas sei que é melhor disciplinarmos o emocional, enfrentar os medos e tomar posse de nós mesmos para que as energias dos outros não nos envolvam.

Se conseguirmos isso e nos ligarmos aos espíritos evoluídos, a mediunidade é uma fonte de conhecimento, saúde e lucidez.

Estudar a vida espiritual abre as portas do futuro, derrotando a morte e nos mostrando que somos seres imortais.

Zíbia Gasparetto


Lucius

Esse amigo espiritual, que vem me inspirando em todos os romances, trabalhou sem revelar seu nome quando eu comecei a psicografar.

Eu sentia sua presença, cheguei a vê-lo algumas vezes, mas nunca perguntei nada.

Prefiro as manifestações espontâneas.
Só quando terminei o livro O amor venceu, na última página, ele assinou Lucius.
A respeito de sua trajectória só sei o que ele revelou no livro O fio do destino, em que relata duas encarnações na Terra:
a mais antiga como membro do parlamento inglês e a outra como escritor e juiz na França.

Para mim ele tem sido um mestre.
Suas energias são prazerosas e quando ele se aproxima, meu pensamento torna-se claro, lúcido.

Sinto-me muito bem.
Nos primeiros tempos em que trabalhamos juntos, ele costumava andar comigo e conforme o lugar, as cenas que eu presenciava, me orientava, fazendo-me ir mais fundo nas observações.

Depois de algum tempo, ele passou a vir apenas nos momentos de trabalho.
Aprendi muito, tanto com seus conselhos quanto com as histórias que ele me passou.

Algumas pessoas me perguntam "por que você?".
Não sei por que ele me escolheu, mas sinto que os laços que nos unem são antigos e continuarão existindo pela eternidade.

Zíbia Gasparetto
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 26, 2014 11:29 am

Prólogo

A tarde morria lentamente e Jacira olhou desanimada para a extensa fila a sua frente.

Tinha vontade de chegar em casa, tomar um banho, deixar-se ficar sem fazer nada.
Estava cansada também de obedecer, de fazer coisas das quais não gostava, de trabalhar por obrigação, viver a rotina de sua vida sem graça e sem objectivos.

A culpa era da pobreza, que não lhe permitia usufruir as coisas boas da vida.
Tudo era difícil.
Trincou os dentes com raiva e colocou-se no fim da fila.
Sabia que naquela linha havia poucos ónibus e por certo ficaria quase uma hora esperando.

Se ela houvesse nascido em uma família de melhores condições financeiras, não teria de passar por tudo isso.
Percebia que para os bairros mais elegantes, os ónibus, além de melhores, eram mais frequentes.
Irritada, sentiu um gosto amargo na boca e uma leve dor de cabeça a incomodou.
O primeiro ónibus chegou, a fila andou um pouco, porém ela não conseguiu embarcar.

Teria de esperar pelo segundo.
Quase meia hora e o ónibus não chegava. Vida de pobre.
Se ao menos tivesse encontrado um marido com quem dividir os problemas e as despesas, talvez sua vida tivesse se tornado melhor.

Aos trinta e oito anos, nunca havia tido um namorado.
Os poucos homens que se interessaram por ela, eram tão pobres quanto ela.
De que lhe adiantaria casar e continuar a ter uma vida miserável como sempre tivera?

Colocar no mundo crianças sem chance de serem felizes seria um crime ainda maior.
Conformara-se em viver com a família.
Neto, seu irmão mais velho, saíra de casa, fora para o Rio de Janeiro tentar a sorte e nunca mais voltara.

De vez em quando escrevia para a mãe, dizendo que estava trabalhando em um hotel, mas como ganhava pouco não tinha como ajudar a família.
Jair, outro irmão, mais novo dois anos do que ela, ao contrário de Neto, fora embora para o Rio Grande do Sul e havia mais de dez anos não mandava notícias.

Às vezes, ela pensava que talvez ele tivesse morrido por lá.
Sua mãe não se conformava em não saber nada sobre ele e, quando se lembrava disso, ficava chorando pelos cantos, de cara amarrada, sem falar com ninguém.

Se ela se queixasse, o marido ficava nervoso, brigava, culpando-a pelo filho nunca mais tê-los procurado.
Enquanto Aristides manteve o emprego na montadora de automóveis, apesar de ganhar pouco, viviam melhor.

Tudo ficou pior quando ele foi mandado embora e não conseguiu mais trabalho.
Finalmente o ónibus apareceu e ela conseguiu subir, mas não havia lugar para se sentar.
Ficou em pé.

Sentia as pernas doerem, a bolsa pesava, mas era melhor seguir assim do que esperar mais tempo na fila onde ficaria em pé do mesmo jeito.

O ónibus lotado não lhe permitia movimentar-se.
Suas costas doíam e as pernas tentavam manter o equilíbrio.
O ar viciado e o cheiro de suor a incomodavam.
De vez em quando alguém lá de trás queria passar para descer e apertava as pessoas para abrir caminho.

Por fim um rapaz desceu e ela conseguiu sentar-se.
Pelo menos isso.
Do seu lado, um homem robusto suava, apesar do vento que entrava pela janela que ele abrira.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 26, 2014 11:29 am

O ar que entrava trouxe-lhe certo alívio.
Dez minutos depois, deu sinal para o ônibus parar, levantou-se e tentou passar.

O ônibus começou a andar e ela aflita gritou:
- Desce.
A brecada forte a jogou em cima de uma mulher que a olhou enraivecida.
- Desculpe - murmurou ela.
Ao passar pelo motorista não se conteve:
- Não pode esperar os passageiros descerem?
Para que tanta pressa?
- Desce logo, d. Maria - resmungou ele.

Mal Jacira tirou o pé do degrau, o ônibus começou a andar e ela quase caiu.
Foi amparada por um homem que estava parado no ponto.
Jacira sentiu um perfume gostoso e assim que conseguiu equilibrar-se olhou para ele.

Homem alto, bonito, muito bem-vestido, cheiroso, olhava-a sorrindo, e lhe perguntou amavelmente:
- Você se machucou?

Jacira sentiu uma raiva surda, imensa, e não conseguiu segurar o pranto.
As lágrimas desceram pelo seu rosto e ela soluçava sem parar.

O homem a olhava surpreendido:
- O que aconteceu?
Por que está chorando deste jeito?

Vendo que ela continuava chorando e que as pessoas em volta o olhavam desconfiadas, ele segurou o braço dela dizendo:
- Acalme-se. Venha. Vamos conversar.

Apanhou a bolsa dela que estava no chão e começou a andar levando-a pelo braço.
Jacira deixou-se conduzir docilmente.
Não estava em condições de reflectir.

Um pouco adiante, havia uma pequena praça e ele a levou até lá, fazendo-a sentar-se em um banco e sentando-se a seu lado.
Aos poucos, Jacira foi se acalmando.
Ele tirou um lenço do bolso e ofereceu-o a ela que, envergonhada, apanhou-o e enxugou os olhos.

Depois, ainda estremecendo de vez em quando, Jacira disse:
- Desculpe, não consegui me controlar.
- Há momentos na vida em que não conseguimos nos segurar.
- O senhor foi muito gentil, estou envergonhada.
Não costumo perder o controle desse jeito.

- Sente-se melhor?
Ele era um homem bonito, de classe.
Muito diferente dos homens que residiam naquele bairro.
- Já passou. Obrigada.

Ela fez menção de levantar-se, porém ele colocou a mão sobre seu braço dizendo:
- Descanse.
Espere um pouco mais.
- Eu preciso ir.
Minha mãe fica preocupada quando demoro para chegar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 26, 2014 11:30 am

- Você se machucou ao descer do ônibus?
Por essa razão estava chorando?
- Não. Eu estava chorando de raiva.
O senhor tem boa aparência, é elegante, não deve saber como é vida de pobre.

- Vida de pobre pode ser muito boa.
Jacira enrubesceu ao responder:
- Está se vendo que não sabe nada sobre isso.
Deve ter tido sorte na vida.
Dá para perceber que é uma pessoa fina, que nunca soube o que é ser pobre.

- A revolta não vai ajudá-la a melhorar sua vida.
- É fácil falar.
Você não diria o mesmo se estivesse em meu lugar.
- Você não me conhece.
- Não, mas dá para notar que é um privilegiado.
Uma pessoa que teve mais sorte do que eu.

É isso que me enraivece.
Por que alguns têm tudo enquanto outros nada?
Por que alguns são bonitos, ricos, enquanto outros são condenados à miséria e ao sofrimento?

Estou cansada. Odeio minha vida, minha pobreza.
Por que tudo me tem sido negado?
Por que tenho de trabalhar naquele lugar horrível, obedecer pessoas desagradáveis e no fim do mês não ter dinheiro para comprar nada?

Ela fez uma pausa enquanto ele a olhava pensativo, e continuou:
- Pode imaginar como é minha vida?
Sem dinheiro, sem amor, odiando cada dia e tendo de continuar assim?
- Nunca pensou em jogar tudo para o alto e escolher outro caminho onde pudesse fazer o que gosta?

Ela olhou-o incrédula:
- É isso mesmo o que eu gostaria de fazer.
Mas é impossível.
- Por quê?
- Porque com meu minguado salário, além de mim sustento meus pais.
Se eu deixar o emprego do que iremos viver?
Às vezes sinto raiva dos meus dois irmãos.
Eles saíram de casa e nunca mais voltaram.
Deixaram tudo para mim.

- Como é seu nome?
- Jacira.
- Eu me chamo Ernesto Vilares.
Gostaria de conversar um pouco mais com você.

Ela olhou-o desconfiada, porém a fisionomia dele estava calma.

- Para quê?
- Desde que começamos a conversar, você só se queixou.
Acha que isso vai resolver seus problemas?
- O que acha que posso fazer se tudo dá errado?
- Poderia tentar fazer alguma coisa melhor.

Jacira meneou a cabeça negativamente:
- Acha que gosto de me queixar?
Que faço isso por desporto?
Ainda não entendeu que sou uma pessoa sem sorte para quem tudo dá errado?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 26, 2014 11:30 am

- Isso não é verdade.
Você é quem procura o lado pior de todas as coisas e assim acaba tendo o pior.
É bom saber que as palavras têm força.
Você está mergulhada na queixa e não percebe as oportunidades boas que a vida lhe dá.

- Eu nunca tive uma boa oportunidade.
Só me acontecem coisas ruins.
Sem dinheiro, sem amor, só faço obedecer.
Em casa aos meus pais, no trabalho aos meus chefes.
- E quando é que você faz alguma coisa que lhe traz alegria?

- Acha que eu posso?
Gosto de ouvir música, mas meu pai não me deixa ligar o rádio porque diz que o barulho lhe faz mal aos nervos.
- Não sai para passear com amigos?
- Não tenho amigos.
A última amiga que arranjei, isso há mais de dez anos, meu pai implicou e infernizou a vida de minha mãe dizendo que se saíssemos juntas, ela iria acabar me perdendo.

Ele não gosta que eu saia de casa para passear.
Então, essa amiga percebeu e nunca mais apareceu.
Aí me conformei e nunca mais arranjei outra.

Ele olhava-a penalizado, por fim disse:
- Não sei como você aguenta essa situação.
Agora entendo a crise que teve há pouco.
Se continuar assim, vai chegar um momento em que não conseguirá trabalhar, nem fazer mais nada.
Você precisa reagir.

- Sinto que não estou mais aguentando mesmo.
Mas reagir como? Não vejo saída.
Já pensei até em acabar de uma vez com esta vida.
- Pois eu lhe digo que há saída e você poderá encontrá-la quando quiser.
- Sei que quer me consolar, mas não creio que consiga.

- Quer saber?
Você, durante toda sua vida, só pensou nos outros.
Em obedecer aos pais, em trabalhar para ajudar a família, mas para fazer isso, esqueceu-se de si mesma.
Deixou de lado sua alegria, seu bem-estar.
Permitiu que os outros mandassem em sua vida.
Quantos anos tem?

- Trinta e oito.
- Você não é mais uma criança, é uma mulher, mas não se permitiu crescer, agir por si mesma.
Escolher o próprio caminho.
Dentro de você há uma pessoa oprimida que não suporta mais continuar limitada, presa.

- O que posso fazer?
- Esqueça por um momento quem você é e diga:
se você pudesse escolher, o que gostaria de fazer agora?

Ela fechou os olhos e não respondeu logo.
Seu rosto foi se transformando aos poucos, ficando distendido, e fundo suspiro saiu do seu peito.

- Ah! Eu gostaria de ir a um baile de formatura.
Vestir um vestido longo, estar num salão cheio de flores, a meia-luz, dançando com um homem alto, bonito.
Sempre sonhei em me formar, mas não pude continuar estudando.
- Mas você pode.
É hora de pensar mais em você.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 26, 2014 11:30 am

Ela abriu os olhos e seu rosto contraiu-se novamente:
- É um sonho impossível.
- É um projecto que você pode realizar.
Olhe, vou dar-lhe meu cartão.
Eu posso ajudá-la a mudar sua vida para melhor.

- Como assim?
Está me oferecendo um emprego?
- Não. Vou ensinar-lhe como realizar seus sonhos.
Aqui está o endereço. Não é longe daqui.
- Mas eu chego tarde todos os dias.
- Pode ir à noite.
e quiser poderá ir amanhã mesmo.
Estarei lá para explicar-lhe melhor.

Ela segurou o cartão e colocou-o na bolsa.

Depois, levantou-se:
- Vou ver se dá para ir.
- Sente-se melhor?
- Sim. Desculpe a cena que eu fiz.
- Está tudo bem. Não deixe de ir.
Estarei a esperando. Até amanhã.
- Até amanhã.

Jacira estendeu a mão que ele apertou e se foi rumo a sua casa.
Não sabia se deveria ir àquele lugar.
O que ele queria com ela?
Por que a tratara com tanta atenção?

Ela não tinha dinheiro, não era bonita.
Estava claro que ele não estava interessado nela.
Um homem tão fino, com tanta classe, tão agradável!
Ela chegou em casa e encontrou a mãe de mau humor.

- Por que demorou tanto?
Aconteceu alguma coisa?
Seu pai já estava quase indo atrás de você.
- Não aconteceu nada.
Foi a condução.
O ônibus demorou.

- Deixei seu prato no forno.
Coma e não se esqueça de lavar tudo.
Deixei as panelas para você.
Estou cansada. Não aguentava mais.
Trabalhei o dia inteiro nesta casa.
Depois, recolha a roupa no varal porque já deve estar quase seca.
Pode chover esta noite.

Jacira olhou desanimada.
Estava cansada, as pernas doíam e as costas pesavam como chumbo.
Mas não retrucou.

Lavou as mãos, foi à cozinha, apanhou o prato de comida no forno e colocou-o sobre a mesa.
Arroz, feijão, ovo frito e duas rodelas de tomates.
Suspirou resignada.
Não tinha ânimo para esquentar a comida.
Havia três panelas sujas sobre o fogão e ela não queria sujar mais uma.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 26, 2014 11:30 am

Sentou-se.
Enquanto comia sem vontade, lembrou-se das palavras daquele homem.

"- Vou ensinar-lhe como realizar seus sonhos.
Eu posso ajudá-la a mudar sua vida para melhor."
"Pois sim!", pensou irónica.
"Ele não sabe nada sobre a vida.

Bem-vestido, cheiroso, elegante.
Um homem de sorte.
Com certeza nunca enfrentou os problemas que eu enfrento."

A comida estava sem gosto e ela, depois de algumas garradas, levantou-se, jogou o restante no lixo e procurou o avental para lavar a louça.
A mãe não havia deixado apenas as panelas, mas os pratos, talheres, algumas xícaras, o que a fazia supor que havia naquela pia toda a louça utilizada durante o dia.

Esquentou uma chaleira de água e começou a lavar.
Enquanto fazia o trabalho, sentia que a dor nas costas a incomodava, mas não parou nem um minuto para descansar.
Queria terminar logo para ir se deitar.
Quando terminou a louça, limpou o fogão, guardou tudo, foi ao quintal e recolheu a roupa.

Depois, levou-a ao quartinho.
Lá estava o cesto onde deveria colocá-la para passar.
O que faria no sábado à tarde.
Sua mãe deixava toda a roupa da semana para ela passar.
É que ela se queixava de dores nos braços e Jacira preferia poupá-la.

Enquanto dobrava a roupa para colocá-la no cesto, pois sua mãe exigia que fizesse isso com cuidado, Jacira tentava combater sua revolta pensando que pelo menos, ela conseguira comprar a máquina de lavar roupas, que ainda estava pagando a módicas prestações, o que lhe poupava o trabalho de lavagem.

Quando terminou tudo, a casa estava às escuras.
Seus pais já haviam se recolhido.
Ela subiu para o quarto.

Ao tirar a roupa, o cartão que o homem lhe dera caiu do seu bolso.
Ela apanhou-o e leu.

Depois pensou:
"Vou jogar isso fora.
Ninguém dá nada de graça.
Esse homem deve estar querendo alguma coisa.
Talvez seja uma arapuca."

Assim, colocou-o sobre a mesinha de cabeceira e suspirou resignada.
Lavou-se e, finalmente, deitou-se.
Estava tão cansada que não conseguiu dormir de pronto.

No dia seguinte, tudo se repetiria igual ou pior do que naquele dia.
Ela estava destinada a viver essa vida ruim e sem alegria.
Isso não valia a pena.

Sua mãe a ensinara a rezar antes de dormir.
Ela, porém, havia muito deixara de fazê-lo.
Para que rezar a um Deus que se esquecera dela?

Sua vida estava traçada e não havia jeito de mudar nada.
Seu destino era ficar assim, sofrendo, de mal com a vida.
Dia a dia a revolta que sentia no coração aumentava.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 26, 2014 11:31 am

1

O despertador tocou e Jacira ainda meio atordoada procurou o pino para fazê-lo parar.
Depois, lutou contra a vontade de dormir mais um pouco e levantou-se, indo directo para o chuveiro.
Na noite anterior custara a dormir e, quando conseguiu, teve um sono povoado de sonhos desagradáveis.

De certa forma conhecidos.
Quase sempre sonhava que estava em uma casa velha, havia alguém ruim querendo entrar e ela fechava as portas e janelas, mas de repente se dava conta de que havia uma aberta e nunca conseguia fechá-la.

Acordava assustada, corpo dolorido, sentindo-se aliviada por estar em seu quarto habitual.
Depois do banho, arrumou-se e desceu para o café.
Seu pai já estava na sala lendo o jornal, de pijama e chinelos.

- Bom dia, papai.
- Bom dia. Estava esperando por você.
Temos que conversar.
- Estou em cima da hora.
É melhor deixar para outro dia.

- Não posso. Tem de ser agora.
Quando eu estava bem, não precisava de ninguém.
Sempre fui um homem trabalhador, dedicado à família.
É triste ter agora que depender dos outros.
Você não sabe o que é isso.
Sempre lhe demos tudo o que nos foi possível!

- Está bem, pai. Fale.
Mas sem rodeios. Não quero me atrasar.
- Esta noite choveu e no meu quarto tem aquela goteira bem em cima da cama.
Sua mãe colocou uma bacia, mas foi pior.
Os pingos da água nos torturaram durante horas.
Temos que consertar o telhado.

- Não sei se vai dar.
Ainda estou pagando as prestações da máquina de lavar roupas.
- Eu sabia!
Você preferiu comprar essa máquina em vez de consertar nosso telhado.
Quis se poupar e não pensou em nós.

- Você está sendo injusto.
Todo dinheiro que recebo gasto em casa.
Não posso fazer mais.

Ele meneou a cabeça negativamente dizendo com voz triste:
- Eu me levanto todos os dias às seis horas, pego o jornal em busca de emprego, inscrevi-me em uma empresa de recolocação, mas não aparece nada.
Sempre fui bom empregado.
Não sei por que acontece isso comigo.

- Você tem mais de cinquenta anos.
Na sua idade não é fácil.
O seu José da oficina mecânica lhe ofereceu um lugar de ajudante, por que não aceitou?

Ele olhou-a admirado:
- Um operário qualificado como eu ser ajudante em uma oficina mecânica, sujar as mãos de graxa, para ganhar o mísero salário que ele me ofereceu?
- Seria um bico até encontrar coisa melhor.
Pelo menos poderia consertar o telhado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 26, 2014 11:31 am

- Eu trabalhava em uma montadora de carros.
Uma empresa de nome.
- Mas foi demitido.
Pelo menos enquanto não sai sua aposentadoria, poderia fazer alguns bicos.
- Você fala como se eu fosse vagabundo, não quisesse trabalhar.
Isso não é verdade. Sou um trabalhador.

Jacira baixou a cabeça desanimada.

- Eu sei, pai.
Quanto seu João pediu para consertar o telhado?
- Trezentos reais.
Mas o material é por nossa conta.

Jacira suspirou.
- Vamos ver o que posso fazer. Agora preciso ir.

Foi para a cozinha, sentou-se para tomar café.

Geni apareceu em seguida dizendo:
- Você não deve falar assim com seu pai.
Ele não merece.
- Eu sei, mãe.

Ela serviu-se de café e pegou um pedaço de pão que já estava velho.
Cortou-o em fatias, levantou-se, pegou a frigideira, colocou-a no fogo e o esquentou.

- Estou atrasada.
Você podia pelo menos ter esquentado esse pão.
Geni olhou-a tentando segurar as lágrimas:
- Você fala como se eu fosse culpada por nossa situação.
Nós também comemos desse pão. A culpa é sua.
Por que não se levantou mais cedo para ir à padaria?

Jacira não respondeu.
Tratou de engolir o pão com margarina, alguns goles de café e saiu apressada.
Queria sumir, deixar aquela casa onde tudo era desagradável e triste.

No ponto, o ônibus já estava chegando, e ela correu para subir, apesar de estar lotado e outras pessoas tentarem entrar também.

Conseguiu pendurar-se segurando firme no balaústre.
Um homem que estava atrás empurrou-a para que pudesse subir mais um pouco.
Uma mulher gorda deu-lhe uma cotovelada no estômago e Jacira irritada retribuiu dando-lhe um pisão no pé.

O ônibus partiu e, apesar da situação, ela respirou aliviada.
Preferia viajar desconfortável do que aguentar a reprimenda do seu patrão, um homem nervoso que não media as palavras.

O que ela mais temia era perder esse emprego.
Fazia mais de cinco anos que trabalhava na oficina de costura de Noel.
Ganhava por produção, por essa razão, só levantava da máquina por necessidade.

A cada parada do ônibus as pessoas queriam subir e ela era empurrada.
Ela esforçava-se para não sair do lugar, porque precisaria descer antes do ponto final.

Aos poucos foi tentando ficar próxima à porta.
Quando precisou descer já havia chegado até ela.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 26, 2014 11:31 am

Chegou à oficina e olhou o relógio.
Eram oito horas e o sinal logo soou.
Imediatamente, foi para seu lugar, jogou a bolsa em uma gaveta e começou a trabalhar.

Noel aproximou-se, apanhou a peça que ela ia começar a costurar e examinou-a com olhos críticos.
Era um homem baixinho, magro, louro, cujos cabelos eram finos e lisos, tinha testa larga, pele clara e fina, quase transparente, que se tornava vermelha quando se irritava.

- Tome cuidado com essas peças - disse ele.
É uma encomenda importante e quero tudo muito bem feito.
- Sim, senhor - respondeu ela.

Ela sabia que ele queria era encontrar algum erro e como não havia, limitou-se a fazer sua exigência.

Ao meio-dia o sinal tocou e Jacira levantou-se.
As costas doíam e ela estava com fome.
Costumava levar marmita, mas naquele dia, por estar atrasada e não haver sobrado nada do jantar, não havia levado.
Apanhou a bolsa e foi até a padaria da esquina, comprou um sanduíche de mortadela e um suco.

Depois, voltou à oficina.
As colegas conversavam alegres, mas ela não se misturava.
Apesar de estarem trabalhando no mesmo lugar, a vida delas parecia muito diferente.
Falavam de namorado, do marido, dos filhos, dos passeios de fim de semana, enquanto ela não tinha nada para contar.

Por tudo isso se isolava e elas com o tempo acabaram ignorando-a.
Era como se ela não existisse.
Não o faziam por mal.
Respeitavam apenas seu isolamento.

Voltou para sua máquina enquanto ouvia os risos das colegas e suas brincadeiras.

"Todo mundo é feliz", pensou, "menos eu. Isso não é justo.
Eu me esforço, trabalho, cuido dos meus pais, por que a vida me castiga deste jeito?
Por que não tenho sorte?"

As lágrimas vieram-lhe aos olhos e ela tentou dissimular.
Abriu a bolsa, apanhou o lenço, assoou o nariz.
Então se lembrou do homem bonito, cheiroso que lhe emprestara aquele lenço.
Pelo menos ele a tratara como um ser humano, entendera sua tristeza.

Por que as pessoas não eram como ele?
Na véspera estava tão cansada que se esquecera de lavar o lenço para devolvê-lo.
Com o lenço nas mãos notou o quanto seu tecido era macio e acetinado.
Se não tivesse esse lenço nas mãos, pensaria que aquele encontro houvera sido um sonho.
Pela primeira vez em sua vida, alguém havia tido consideração por ela.

Quando chegasse em casa iria lavá-lo, passar e depois iria devolvê-lo agradecendo.
O sinal tocou e ela imediatamente recomeçou a trabalhar.

Naquela noite, depois do jantar e de lavar a louça, que como sempre a esperava, apanhou o lenço e lavou-o cuidadosamente.

Geni aproximou-se:
- O que está fazendo?
O cesto de roupas está cheio.
Seu pai amanhã vai ver aquele amigo dele que lhe prometeu um emprego.
Quer usar a camisa bege que está no cesto.
Não se esqueça de passá-la.
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Série Lúcius - Se abrindo para a vida / ZÍBIA GASPARETTO Empty Re: Série Lúcius - Se abrindo para a vida / ZÍBIA GASPARETTO

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 26, 2014 11:31 am

- A senhora bem que podia ter passado a camisa.
Estou cansada.
- Você sabe que o calor do ferro me faz mal.
Você devia ser a primeira a querer que seu pai arranje o emprego.
Mas ele não pode se apresentar mal-arrumado.

- Eu sei. Pode deixar, eu passo.

Ela estendeu o lenço, passou a camisa e mais algumas peças.
Por que sua mãe era tão acomodada?
Ficava em casa o dia inteiro.
Por que não passava pelo menos a roupa?
Por fim, acabou passando o lenço e dobrando-o com capricho.

- De quem é esse lenço tão cheiroso? - perguntou Geni.
- De uma colega da oficina - mentiu ela.
- Puxa, mesmo depois de lavado o perfume não saiu.
- Pronto, passei um pouco da roupa.
Agora a senhora guarda.

Ela pegou o lenço e foi para o quarto.
O lenço estava húmido quando ela passou, talvez por essa razão o perfume houvesse se espalhado.

Jacira tomou um banho e deitou-se.
O lenço estava em sua mesa de cabeceira.
Apanhou-o e sentiu seu perfume.

Deitada, começou a imaginar como seria a vida daquele homem, tão bem-vestido e cheiroso.
Certamente residia em uma bela casa, cheia de objectos bonitos, tinha uma família alegre, bonita.

Como ele dividiria seu tempo?
Certamente frequentava lugares finos, ia a cinemas, teatros.
Como seria bom se ela também tivesse uma vida assim.

Começou a imaginar o que faria se tivesse muito dinheiro.
Se ganhasse na loteria, por exemplo, e ficasse muito rica.
Diria adeus a Noel, compraria uma casa linda, vestiria roupas finas e trataria de gozar a vida.

Mas na idade dela? Era tarde demais.
Estava acabada, velha, feia.
Apesar desses pensamentos desagradáveis, gostaria que esse sonho se realizasse.
Pelo menos, não teria de trabalhar e seus pais teriam conforto, não iriam mais se queixar de nada.

De repente, lembrou-se:
como haveria de ganhar na loteria se nunca comprava um bilhete?

No fim do mês, quando recebesse, compraria pelo menos um pedaço dele.
Depois mudou de ideia.
Apostar na loteria era para os que têm sorte.

Ela nunca tivera sorte na vida.
Seu destino seria o de ser pobre a vida inteira.
Pensando assim, virou-se para o lado, adormeceu e sonhou.
Estava sentada em uma sala rodeada por várias pessoas desconhecidas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 26, 2014 11:32 am

Uma mulher levantou-se e aproximou-se dela dizendo:
- Chegou a hora de você ser julgada.
Onde estão os talentos que a vida lhe deu? O que fez com eles?
- A vida nunca me deu nada.
Tudo para mim tem sido muito difícil.

- Por que você não quer ver?
Temos provocado você para ver se acorda, mas tem sido inútil.
Quando vai cuidar de você?
- O que deseja de mim?
Tenho sido uma filha obediente, trabalhado sem parar.
O que mais quer?

- Você nasceu para progredir, aprender mais, crescer.
Em vez disso, acomodou-se na inércia, não fez nada por si e só reclama, como se não fosse a responsável pela situação em que vive.

Jacira irritou-se e gritou:
- Quem é você que me acusa?
A vida inteira me dediquei à minha família, tenho procurado conviver bem com os outros sem pensar em mim.
Não é isso que a religião manda fazer?

- Não falo de religião, falo da vida.
Antes de cuidar dos outros, é preciso cuidar de si.
É preciso ter para poder dar.
E você se esqueceu de suas necessidades pessoais, entrou em uma rotina destrutiva que só vai levá-la à doença e ao sofrimento.

Jacira olhou em volta e notou que as pessoas a olhavam acusadoras.

Teve medo:
- Por que me trouxeram aqui?
Não sou uma criminosa para ser julgada.
Sou uma pessoa direita, cumpridora dos meus deveres.
- Você está aqui porque não cumpriu seu dever maior:
o de cuidar do próprio progresso.

- Como posso ter progresso se nasci pobre, nunca tive chance de fazer nada por mim?
- Você nunca foi pobre.
Tem um corpo saudável, perfeito, que seria bonito se você cultivasse a alegria, o prazer de viver, a ousadia de fazer o que seu espírito gosta.
Você é rica e sua riqueza não tem nada a ver com dinheiro.
Ela está dentro de você, e você só precisa enxergá-la e deixá-la sair.

Jacira olhou-a admirada.

- Isso não é verdade.
Sou feia, apagada, desagradável, as pessoas não gostam de mim.
- É assim que você se vê, mas se quisesse poderia mudar isso.
Tornar-se bonita, agradável, alegre, amada.
- Não acredito nisso.
Depois, estou velha, não adianta mais.

- Se deseja continuar pensando assim, é um direito seu.
Estou dizendo a verdade.
Você está onde se põe.
É a lei da vida.

Se você escolher se colocar em um lugar melhor, sua vida mudará e coisas boas começarão a acontecer.
Até agora tem escolhido mal o seu caminho e o resultado é o que você tem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 26, 2014 11:32 am

Mas ainda é tempo de mudar.
De colocar para fora todo amor, alegria e luz que a vida lhe deu e você apagou.
A escolha está em suas mãos!

Jacira acordou ainda ouvindo as últimas palavras da mulher e sentou-se na cama impressionada.

A cena do sonho estava viva em sua lembrança.
Parecia verdade. Levantou-se, acendeu a luz e parou diante do espelho.
Seus cabelos eram sem brilho, sua camisola de algodão não deixava as formas do seu corpo aparecerem.

Prestou atenção aos olhos.
Eram grandes, porém tristes, e as olheiras deixavam sua fisionomia abatida.
A boca era bem feita, e os dentes claros e bem distribuídos.
Sua pele, apesar de nunca a ter cuidado, era lisa e delicada.

Sentou-se na cama pensativa.
Há muito não olhava para seu corpo com atenção.
Não gostava da sua aparência e queria apagá-la de sua mente.
Abriu o guarda-roupas e apanhou alguns vestidos.

Parecia-lhe estar vendo-os pela primeira vez.
Eram feios, deselegantes, sem graça.
Quando adolescente gostava de roupas da moda, porém sua mãe não aprovava e dizia que ela não tinha gosto, não sabia escolher.
Então, ela mesma escolhia o que Jacira deveria vestir.

- Uma menina não pode sair por aí vestida como uma vedete.
Precisa ser discreta para arranjar um bom casamento e não ser chamada de sirigaita.

Ela obedeceu, mas de que adiantou?
Ninguém nunca quis casar-se com ela.
Enquanto as vizinhas, as primas, casavam-se, ela ia ficando para trás.

Uma dúvida surgiu em sua mente pela primeira vez:
"Será que se não tivesse dado ouvidos a sua mãe e se arrumado do jeito que queria, teria sido diferente?
Teria aparecido alguém que a amasse e se casasse com ela?"

De repente, uma onda de raiva a acometeu.
Estava cansada de ser a bem-comportada, a sempre disposta a fazer o que os outros queriam e engolir seus desejos íntimos.
O que ganhara deixando-se conduzir pela mãe daquela forma, sacrificando sua juventude para atender aos desejos da família sem nunca fazer as coisas como gostaria?

Pensativa, recostou-se na cama.
A cena do sonho voltou-lhe à lembrança e as palavras daquela mulher reapareceram fortes.

"- Você está onde se põe.
É a lei da vida.
Se você se colocar em um lugar melhor, sua vida mudará e coisas boas começarão a acontecer.
A escolha está em suas mãos!"

Ah! Se ela pudesse realmente escolher...
Começou a imaginar o que faria se essas palavras fossem verdadeiras.
Tirou a camisola grosseira e procurou vestir alguma coisa mais ajustada, porém não encontrou nada que lhe agradasse.

Procurou na gaveta da cómoda o envelope onde guardava o dinheiro para suas despesas até receber o novo salário.

Restava pouco. A prestação da máquina de lavar roupas levava boa parte dele.
Apesar disso, no dia seguinte, iria procurar alguma liquidação para comprar um vestido ou uma blusa nova.
Olhando desanimada para as roupas sobre a cama, sentiu vontade de rasgá-las e jogá-las no lixo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 26, 2014 11:32 am

Suspirou triste.
Se fizesse isso, como iria trabalhar no dia seguinte?
Mas se ela pudesse mesmo escolher, compraria aquele vestido azul que vira na revista.

Levantou-se, apanhou a revista e começou a folheá-la.
Não tinha condições de comprar nada do que havia nela.
Apareceu o vestido azul e desta vez pareceu-lhe mais bonito do que antes.
Com um vestido como aquele, qualquer mulher ficaria bonita. Até ela.

E os complementos?
Quais combinariam com ele?
Sapatos, bolsa, bijuterias...
Ah! Se aquele sonho fosse verdade...
Se ela pudesse mesmo escolher!

Fechou os olhos e começou a se imaginar vestindo aquele vestido, os colares, os brincos, tudo.

Uma onda de prazer a acometeu.
Abriu os olhos e olhou em volta e nunca seu pequeno quarto, sua mobília, seus objectos de uso pessoal lhe pareceram tão feios.
A escolha está em suas mãos!"

Então decidiu que no dia seguinte, iria comprar alguma coisa nova só para si.

Há quanto tempo não fazia isso?
Faria isso mesmo que tivesse de ficar alguns dias sem almoçar.
Mas escolheria algo do seu gosto. Que lhe desse prazer.
Fazer compras era para ela uma obrigação desagradável.

Quando recebia fazia a despesa do mês e sempre levava algum agrado para os pais.
Como o dinheiro era pouco e precisava durar até o fim do mês, apesar da boa vontade, nem sempre conseguia comprar alguma coisa que eles realmente gostavam.

Não se esquecia do doce de leite para a mãe nem do pacote de cigarros para o pai.
Às vezes eles reclamavam da qualidade dos alimentos, o arroz era novo e empapava, o feijão era duro e não engrossava, a carne era dura, certamente o boi era velho...

Jacira estava habituada com as queixas e procurava não responder.
De que adiantaria? Eles sempre foram insatisfeitos.
Talvez porque a vida não lhes houvesse dado a alegria que desejavam.

Deitou-se e tentou dormir.
Mas o sono custou a aparecer.
Na manhã seguinte, quando o despertador tocou, Jacira acordou assustada.

Apesar do sono que sentia, correu para o chuveiro.
Depois, ainda envolta na toalha, procurou uma roupa e não gostou de nada.

Lembrou-se do sonho.
Imaginar fora fácil, porém a dura realidade de sua vida era bem outra.
Resignada, apanhou qualquer um dos vestidos e vestiu.
Depois foi ao espelho. Não gostou do que viu.

O que estava acontecendo com ela?
Aquele vestido sem graça a deixava mais velha.
Sobrava pano na cintura e ela segurou o vestido com ambas as mãos, ajustando-o.

Certamente ficaria melhor mais justo.
Mas o tecido era grosseiro e não tinha caimento.
Geralmente, passava uma esponja de pó nas faces, um batom claro e penteava os cabelos rapidamente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 26, 2014 11:32 am

Naquela manhã, porém, apanhou o pente e puxou os cabelos nas laterais, prendendo-os com um grampo.
Olhou-se no espelho e notou que fazendo isso, seus olhos pareciam maiores.
Decidida, apanhou o envelope com o dinheiro e colocou-o na bolsa.

Assim que desceu para o café, Geni olhou-a admirada:
- O que você fez com os cabelos?
- Prendi um pouco.
- Pois eu prefiro como você sempre usou.

Ela fingiu que não ouviu.
Sentou-se, serviu-se de café com leite, apanhou o pão, passou margarina e começou a comer.

- Seu pai precisa de dinheiro para a condução.
Ele vai ver um emprego na Penha.
- A semana passada já deixei dinheiro para ele.
- Deixou, mas acabou.
Ele precisou e gastou.
- É bom ele não fazer isso porque só vou receber daqui a uma semana.

Geni suspirou e tornou com voz queixosa:
- Não sei o que eu fiz para ser castigada dessa forma.
É triste envelhecer, depois de toda uma vida dedicada ao trabalho e ter de depender dos filhos.

- Estou fazendo o que eu posso.
- Às vezes penso que você se acomodou.
A filha da d. Olga trabalhava como você em uma oficina de costura, mas procurou e encontrou um emprego melhor.
Hoje eles estão bem.
Ela compra tudo do bom e do melhor para a família.

- Ela teve mais sorte do que eu.
Seria melhor que ela fosse a filha de vocês. Não eu.
Geni levantou-se irritada:
- Não se pode falar nada que você logo vem com uma resposta torta.

Jacira levantou-se, apanhou a bolsa e saiu sem dizer nada.
Uma vez na sala, deixou alguns trocados para o pai e se foi.

Naquele dia, Jacira observou suas colegas de oficina e notou que algumas se vestiam com mais capricho.
Eram roupas baratas, ela sabia, mas graciosas, elegantes.

Na hora do almoço, elas caprichavam na maquiagem.
Notou também que quando passavam na rua, atraíam a atenção dos homens.

Ah! Como ela gostaria de ser uma delas.
De passar, sem olhar, fazendo pose e provocar comentários, olhares de admiração.
Ela nunca atraíra a atenção masculina.

Naquele momento pareceu-lhe ouvir a voz da mãe dizendo:
"- Uma mulher precisa ser discreta.
Não pode sair por aí chamando a atenção dos homens para não ser confundida com uma prostituta".

Suas colegas não estavam sendo confundidas com nenhuma prostituta.
Ao contrário. Estavam sendo admiradas, duas já tinham namorado firme.

Pela primeira vez percebeu que sua mãe estava errada.
Ela apagara sua beleza, fazendo-a passar despercebida de tal sorte que nunca ninguém desejou namorá-la.

Uma raiva surda brotou no seu coração, contra a forma como fora educada.
Perdera sua juventude e agora talvez fosse tarde demais para mudar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 27, 2014 10:50 am

2

O despertador tocou, Jacira abriu os olhos e olhou o relógio.

Estava na hora de levantar-se.
A cama estava gostosa e ela tinha vontade de dormir mais um pouco.
Mas reagiu, levantou-se e foi lavar o rosto para combater o sono.

Depois, abriu o guarda-roupas procurando o que vestir.
Não gostou de nada, mas apanhou um deles e vestiu.
Olhou-se no espelho e teve vontade de tirá-lo.
Era deselegante, escuro e o tecido grosseiro não lhe caía bem.

Depois, batia quase no tornozelo, nenhuma de suas colegas usava roupas tão compridas.
Abriu novamente o guarda-roupas tentando encontrar um vestido mais bonito, não viu nenhum.

Conformou-se em ir trabalhar com aquele mesmo.
Levantou um pouco o vestido e achou que ficaria melhor mais curto.
Mas não tinha tempo para encurtá-lo.

Poderia também fazer algumas pensas ajustando-o na cintura.
Mas como não havia tempo para isso, resignou-se e saiu assim mesmo.
Escovou os cabelos e notou que eram ondulados e brilhosos.
Talvez se comprasse uma fivela para prender nas laterais ficasse melhor.

Passou um pouco de pó no rosto e coloriu os lábios com batom, mas com um pedaço de papel higiénico tirou o excesso deixando quase nada.
Sua mãe dizia que só as artistas ou prostitutas pintavam o rosto.

Desceu para o café.

Geni colocou o bule sobre a mesa e olhando-a disse:
- Você não acha que está pintada demais?

Jacira sentiu a raiva voltar, tentou controlar-se e não respondeu.
Serviu-se de café com leite.
Apanhou o pão e, mesmo notando que estava amanhecido, não reclamou.
Passou margarina e molhou o pão no café com leite, comendo.

- Você não ouviu o que eu disse?
É melhor lavar essa cara pintada.
Não pode ir trabalhar desse jeito.

Foi a gota d'água.

Jacira olhou para a mãe e disse entre dentes:
- Eu posso e vou trabalhar do jeito que eu quiser.

Apanhada de surpresa, Geni não respondeu.

Jacira continuou:
- Não adianta me olhar com esse ar inocente.
Estou cansada de fazer só o que vocês querem.
De hoje em diante só vou fazer o que eu quiser.
E eu quero me pintar, usar roupas bonitas, como as minhas colegas de trabalho.

- Não acredito no que estou ouvindo!
Por que está falando assim comigo?
Eu sou sua mãe e toda a minha vida tenho sacrificado pela família.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 27, 2014 10:50 am

- Eu não pedi que fizesse isso por mim.
Dispenso seu sacrifício.
Eu posso cuidar de mim.

Geni rompeu em soluços gritando:
- Que ingratidão!
Nunca esperei isso de você.
Aristides apareceu na porta:
- O que está havendo aqui?
Que barulho é esse?
Não posso nem ler meu jornal sossegado.

Geni olhou o marido e respondeu chorosa:
- Só porque pedi a Jacira que tirasse a pintura do rosto, ela me respondeu mal, destratou-me.
Não posso suportar isso, depois de tudo o que tenho feito por ela!
- Você fez isso mesmo para sua mãe?

- Eu vou sair do jeito que eu quero, não vou lavar o rosto.
- Sua mãe fala para o seu bem.
Uma boa filha deve obedecer.

- Meu bem?
O senhor acha que a vida que estou levando é um bem?
Vestindo-me mal, vivendo como um burro de carga, trabalhando sem nunca fazer nada do que gosto?

- A vida é ingrata mesmo. Veja meu caso.
Depois de tantos anos de trabalho fiquei desempregado tendo de viver à custa dos filhos.
- De mim, o senhor quer dizer, porque os outros dois foram mais espertos e saíram de casa.
- Está vendo, Tide?
Nunca esperei que nossa filha fizesse isso!

- É... De facto...
O que deu em você?
- Eu me cansei, pai. Cansei-me, ouviu?
De hoje em diante só vou fazer da minha vida o que eu quiser.
Não quero conselhos de ninguém, muito menos de vocês dois.

Olhando-o com raiva, Jacira apanhou a bolsa e saiu.
Os dois ficaram se olhando assustados.

- O que será que deu nela? - perguntou Aristides.
- Acho que é falta de casamento.
Pelo menos se tivéssemos arranjado um marido para ela, hoje ele ajudaria a sustentar a casa.

- Pois eu acho que se ela tivesse marido, há muito teria nos abandonado.
Foi melhor termos evitado que se casasse.
Depois, quem se interessaria por ela?
Jacira é sem graça.

- Mas nunca pôs as manguinhas de fora como hoje. Estou assustada.
- Bobagem. Isso passa.
Logo estará de volta, arrependida como sempre.
Jacira sempre foi uma filha obediente.

- Você acha mesmo?
- Claro. Ela precisa de nós.
É sozinha, não tem amigos nem nada.
Isso vai passar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 27, 2014 10:51 am

Jacira saiu de casa sentindo as pernas trémulas e a raiva tumultuando seus pensamentos.
Quantos anos de sua vida perdera ouvindo os conselhos errados de seus pais?
A vida toda, sempre que ela desejava arrumar-se melhor, ter um pouco de vaidade pessoal, eles a continham, alegando que nela não ficava bem, que ela não era bonita, que sendo pobre deveria conformar-se em ter uma vida dura, difícil e não esperar nada melhor.

Por que acreditara neles?
Por que deixara passar sua juventude se apagando sem nunca ter tido prazer nem amor?
O que deveria fazer de sua vida agora?
Deveria conformar-se e continuar como sempre fora?

Talvez fosse tarde para tentar mudar.
Sentia-se velha e ao mesmo tempo inexperiente.
Mas dentro dela brotava uma energia que nunca havia sentido, um desejo de viver, de experimentar o gosto das coisas das quais sempre se privara.

Mas como fazer isso?
Como sair da mediocridade em que estava mergulhada e buscar coisas novas?

Chegou à oficina, iniciou seu trabalho, mas mil pensamentos tumultuavam sua cabeça.

De uma coisa estava certa:
como estava não poderia ficar.

Quando o sinal tocou para o almoço, suas companheiras saíram, porém ela ficou.
Estava sem fome.
Postou-se diante do espelho e começou a pensar em modificar seu vestido.
Decidiu não só ajustá-lo como encurtá-lo.
Tirou-o, vestiu o jaleco e começou a reformá-lo.
Pouco antes de suas colegas voltarem do almoço, ela já havia terminado.

Vestiu-o novamente e voltou ao espelho.
Gostou do resultado.
Parecia mais alta e mais magra.
Sua cintura era fina e ela pensou em comprar um cinto.

Olhou o relógio e viu que tinha apenas dez minutos, não daria tempo.
Sentiu fome, apanhou a carteira e foi à padaria da esquina comprar um pão com manteiga.

Algumas colegas suas estavam na porta da oficina e outras estavam chegando.
Jacira notou que algumas a olharam admiradas e seu coração bateu mais forte.

Entrou na padaria, um homem tomava café no balcão e começou a olhá-la fixamente.

Ela sentiu as pernas bambas.
Era a primeira vez que um homem a olhava daquela forma.
Apesar de assustada, sentiu uma sensação agradável.

Fingiu que não viu.
Comprou o pão e saiu tentando dissimular a emoção.
Entrou na oficina, sentou-se em um canto discreto e começou a comer o pão.

Margarida aproximou-se:
- Você vai comer só isso?

Jacira olhou-a surpreendida.
Suas colegas nunca a procuravam para conversar.

- Vou. Estou sem fome.
- Quer um pouco de guaraná?
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 27, 2014 10:51 am

Antes que Jacira respondesse, ela apanhou um copo, despejou o guaraná e deu-o a ela que, embora acanhada, segurou-o dizendo:
- Obrigada.

Margarida sorriu contente.
Era uma mulher de cerca de trinta anos, baixa estatura, olhos escuros, rosto quadrado, cabelos lisos e negros.
Fazia mais de um ano que ela trabalhava na oficina, era de pouca conversa, geralmente andava sozinha.
O relacionamento de Jacira com ela nunca fora além do cumprimento formal.

Margarida sentou-se ao lado dela e olhando-a disse:
- Ainda bem que você resolveu dar um jeito nesse seu vestido.
Muitas vezes tive vontade de fazer isso.
Antes de trabalhar aqui eu tinha uma casa de moda.
Infelizmente, perdi tudo e não me restou alternativa, senão aceitar este emprego.

- Eu não sou modista, mas estou cansada de minhas roupas.
- Você tem um corpo bonito, cintura fina, corpo bem feito.
Se eu tivesse um corpo como o seu, andaria sempre com roupa bem justa.
- Eu também não gosto dos meus vestidos, mas minha mãe não gosta que eu use vestido justo.

Margarida olhou-a admirada:
- Você andava assim para não contrariar sua mãe?
- É. Ela é doente, meus dois irmãos foram embora, fiquei só eu.
Meu pai está desempregado e anda muito nervoso. Eu cuido deles.

- Hum! Sei. Eu tenho um filho de seis anos para sustentar.
- E o seu marido?
- Não sou casada.
Tive um caso e quando ele soube que eu estava grávida, foi embora.
Mas não liguei, não.
Sou suficiente para cuidar do meu filho.

- E sua mãe? Não brigou com você?
- Ela e meu pai queriam que eu fizesse um aborto, mas eu não quis e assumi o filho, mandaram-me embora de casa.
Não me arrependo.
O Marinho iluminou minha vida.

Jacira notou o brilho dos olhos dela ao dizer isso e sentiu uma ponta de inveja.
Suspirou pensativa.

Margarida perguntou:
- E você, é casada?
- Eu? Não.

Nos olhos dela apareceu o brilho de uma lágrima.
Teve vergonha de confessar que nunca havia tido sequer um namorado.

O sinal soou, Jacira tomou o restante do guaraná e entraram.
Durante todo o expediente Jacira só pensou nos acontecimentos do dia.

Alguma coisa havia mudado. Podia sentir.
O homem na padaria e a aproximação de Margarida sinalizavam que ela estava diferente.

Na hora da saída, Margarida aproximou-se novamente:
- Você não leva a mal se eu lhe disser uma coisa?
- Não. Pode falar, o que é?
- Já que mudou o vestido, por que não faz um bom corte nos cabelos?
- Eu gosto deles compridos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 27, 2014 10:51 am

- Para seu formato de rosto, se eles fossem mais curtos, você tiraria uns dez anos de cima.
- Você acha?
- Acho. Quando eu trabalhava com moda, sabia bem o que combinava com quê.
Pode acreditar, sei o que estou dizendo.

- É, pode ser. Mas agora não tenho dinheiro para isso.
Quando receber estou pensando em comprar um vestido.
- Eu tenho um amigo que tem um salão e corta cabelo de muitas madames.
É um profissional.
Se quiser eu posso ir com você e ele vai cobrar bem barato.
- Está bem.
Quando eu decidir, falo com você.

Elas foram caminhando até o ponto de ônibus, mas cada uma ia para um lugar diferente, por essa razão se separaram.
Depois das dificuldades de sempre, Jacira chegou em casa.

Assim que entrou, ouviu uma exclamação assustada:
- Jacira! O que você fez?
- Nada, mãe!
- O que aconteceu com seu vestido? Encolheu?

Jacira sentiu uma onda de rancor.
Naquele instante todo seu sentimento de revolta aflorou com violência e ela não conseguiu se dominar.

Encarou Geni com raiva e respondeu com voz alterada:
- Não, mãe. Eu o apertei.
- Que horror.
Está parecendo uma prostituta.
- Você acha? Pois de agora em diante vai ser assim.
Estou cansada de andar vestida como uma velha.
Quero andar na moda, viver como todas as moças.

- Pois você já é uma velha.
Só faltava agora ser uma solteirona sirigaita.
Vá já tirar esse vestido.
- Não vou.
- Não ouse me contrariar.
Sabe que não posso passar nervoso.
Sou uma pessoa doente. Quer me matar?

Aristides apareceu na sala dizendo irritado:
- Será que não se pode ler o jornal sossegado?
Que barulho é esse?
- É sua filha que está acabando comigo.

- O que você fez, Jacira?
- Nada demais.
Acontece que cansei de andar vestida como uma velha.
Decidi mudar minha maneira de ser. Vou andar na moda.

- Veja. Ela acha que andar na moda é usar esse vestido apertado, curto, como essas mocinhas de agora, de cara pintada, que são faladas.
Depois de velha quer nos envergonhar.

Aristides mediu Jacira de alto a baixo e não achou nada de diferente.
Geralmente ele não olhava muito para a filha.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 27, 2014 10:51 am

Mas não querendo contrariar Geni, tentou contemporizar:
- Sua mãe fala para o seu bem. Melhor obedecer.
- Desta vez não vou obedecer.
Todas as colegas da oficina usam roupas assim e eu vou continuar usando.
Vou reformar todos os meus vestidos.

- Está vendo, Tide?
Ela quer acabar comigo!
Ai, estou me sentindo mal.
Acho que vou desmaiar.

Aristides correu para ampará-la, certo de que Jacira iria ajudá-lo, mas ela deu de ombros dizendo:
- É melhor se acostumar.
Vou tomar um banho.

E subiu para o quarto.
Geni chorou um pouco nos braços do marido para não dar o braço a torcer.

- O que aconteceu com ela?
Sempre foi uma boa filha.
São as más companhias, com certeza.
Aristides odiava as queixas da mulher e respondeu:
- Cuidado com o que você fala.
Jacira nem amigas tem.

- Devem ser as colegas da oficina que enchem a cabeça dela.
- Esqueça isso. Não fale nem de brincadeira.
Ela está revoltada.
Já pensou se resolve deixar o emprego?
Do que vamos viver?

- Você é um velho imprestável.
Não consegue nem arranjar trabalho.
- Não brigue comigo.
Não tenho culpa das bobagens de Jacira.

- Bobagens? Chama isso de bobagens?
Quero ver quando nossa filha ficar falada se você não vai me dar razão.
- É melhor se acalmar.
Ela vai reflectir e voltar atrás. Você vai ver.
Agora quero ler meu jornal.

Ele foi para o quarto, fechou a porta e mergulhou prazerosamente na leitura.
Jacira tomou um banho, vestiu o roupão e abriu o guarda-roupas para procurar o próximo vestido que iria reformar.

Quanto mais olhava suas roupas, menos gostava delas.
Parecia que as estava vendo pela primeira vez. Eram horríveis.
Depois de muito procurar, sentou-se na cama desanimada.

Se tivesse dinheiro, jogaria todos no lixo e compraria tudo novo.
Mas isso era impossível.
Tinha de conformar-se em ir tentando melhorá-los como podia.

Até seu emprego na oficina, que sempre considerara uma sorte ter conseguido, naquele momento pareceu-lhe péssimo, uma vez que trabalhava muito e no fim do mês não ganhava o suficiente nem para comprar algum vestido.

Também, as despesas da casa estavam cada dia mais altas.
Era só ela a trabalhar e todos a consumir.
A cada dia estava mais difícil para seu pai arranjar emprego.
E se ele nunca mais conseguisse trabalhar?
Ela teria de sacrificar-se pelo resto da vida.
Não era justo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 27, 2014 10:52 am

Ela devia ter ido embora de casa como os irmãos fizeram.
Eles foram espertos.
Mas ao mesmo tempo sentia remorsos por estar pensando assim.

Precisava arranjar um emprego melhor.
Mas onde? Não tinha uma profissão que lhe permitisse ganhar mais.
Naquele momento arrependeu-se de não ter continuado estudando.

Assim que terminara o ensino fundamental I, começara a trabalhar para ajudar em casa.
No fim do mês dava todo o salário para a mãe, que lhe comprava as roupas e pagava a condução.

Nunca mais pensou em estudar.
Quando seu pai perdeu o emprego começaram as dificuldades.
Se ao menos ela houvesse encontrado um marido que a ajudasse a manter a família, não se importaria de ganhar pouco.

Pelo menos teria um amor, filhos, que compensariam todos os sacrifícios.
Mas triste, sem amor, só trabalhando, envelhecendo sozinha, não dava para aguentar.
Estava no limite de sua resistência.

Quando assistia a um filme de amor, sentia arder dentro dela o desejo de experimentar essa emoção.

Mas ninguém sequer a olhava.
Lembrou-se novamente do olhar do homem da padaria.
Ele era alto, forte, não se lembrava bem do rosto dele.
Tivera vergonha de encará-lo, só conseguia recordar o brilho dos olhos dele e o prazer de ser vista pela primeira vez como mulher.

Ela precisava fazer alguma coisa.
Se continuasse como estava iria ficar cada vez mais velha, mais feia e mais pobre.

A esse pensamento resolveu reagir.
Levantou-se e foi ao guarda-roupas, escolheu o vestido que lhe pareceu menos feio e quando o colocou sobre a cama, lembrou-se de que fora com aquele vestido que conhecera aquele homem perfumado, bem-vestido, que a amparara ao descer do ônibus.

Ele lhe oferecera ajuda.
Teria condições de fazer alguma coisa?

Procurou o cartão na gaveta, encontrou-o e leu:
Ernesto Vilares.

Ficou pensativa.

"Devia ir vê-lo?
E se fosse uma pessoa mal-intencionada?
Ele mostrara-se respeitoso, educado.
Não lhe parecera um homem perigoso.
Depois, o que ela tinha a perder?
Pior do que estava sua vida não poderia ficar.
Iria até lá no dia seguinte a pretexto de lhe devolver o lenço e, assim, poderia conhecê-lo melhor."

Ele era um homem fino, elegante, ela gostaria de apresentar-se melhor, olhou o vestido que colocara sobre a cama.

Era escuro e sem graça.
Mas os outros eram piores, conformou-se em tentar reformar aquele mesmo.

Deitou-se, mas custou a adormecer.
Mil pensamentos tumultuavam sua cabeça.
Ora pensava em ir embora de casa, ora sentia que se abandonasse os pais eles não teriam como se sustentar.

Ela teria de ficar. Mas uma coisa era certa, não se submeteria a eles como antes.
Estava determinada a decidir o que fazer de sua vida dali para a frente.
Procurou encontrar um jeito de melhorar sua vida e, embora sabendo que seria difícil, decidiu não desistir.

Do jeito que estava não podia continuar.
Pensando nisso, finalmente conseguiu adormecer.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 27, 2014 10:52 am

3

Na manhã seguinte, quando chegou à oficina de costura, Margarida a esperava com um sorriso:
- Vamos entrar, tenho uma coisa para você.

Jacira, curiosa, acompanhou-a até o toalete.

- Veja este vestido.
É do tempo que eu trabalhava com moda.
Foi o único que restou.
Infelizmente, não serve para mim, mas estou certa de que serve como uma luva em você.
O que acha?

Ela segurou o vestido que tirara da sacola e os olhos de Jacira brilharam.
Era de seda azul-escuro, muito bonito, e ela adorou.

- É lindo!
Nunca tive um vestido de seda!
Mas deve ser caro.
Não tenho como comprá-lo.
- Eu não estou vendendo.
É um presente.
Guardei-o como recordação e esperava poder voltar a trabalhar no meu ramo.

- Mas não posso aceitar!
Você pode vendê-lo e conseguir um bom dinheiro por ele!
- Ele não me custou nada.
Ganhei o tecido e eu mesma fiz.
É um presente. Experimente.
Vamos ver como fica em você.

As mãos de Jacira tremiam quando segurou o vestido colocando-o na frente do seu corpo.

- Vamos, experimente.
Logo vai tocar o sinal e teremos de entrar!

Margarida ajudou-a a despir-se e a colocar o vestido.

Ajeitou o fecho, os ombros, depois disse triunfante:
- Eu não disse? Ficou lindo!
Meu olho ainda é bom.
Sei quando uma roupa vai cair bem.
- Gostaria de ver como ficou, mas o espelho aqui é tão pequeno!

- Não vai precisar fazer nada.
Está perfeito. Pode levá-lo. É seu.

Os olhos de Jacira encheram-se de lágrimas.

Abraçou a amiga dizendo:
- Obrigada! Nunca esquecerei o que está fazendo por mim.
- Eu adoro ver uma pessoa elegante, bem-vestida.
- Você é uma modista de classe.
Por que continua trabalhando nesta oficina?
Poderia costurar para fora.

- Eu gostaria.
Mas não tenho uma cabeça boa para fazer contas.
Acho que foi por essa razão que tudo deu errado.
- Pois eu sou boa nas contas.
Se não fosse, não poderia sustentar meus pais com o que ganho aqui.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 27, 2014 10:52 am

A campainha soou e Margarida ajudou-a a tirar o vestido e a colocar o outro.

Depois, ambas se apressaram a ir para o salão de trabalho.
Durante o dia inteiro Jacira trabalhou pensando no vestido que ganhara.
Não via hora de ir para casa e vesti-lo novamente, olhar no espelho para ver como ficara.

O dia custou a passar e ela até se esqueceu de reformar o vestido que vestia conforme havia planeado.
Quando deu o sinal, apressou-se a sair, segurando a sacola com o vestido como se fosse um tesouro.

Margarida aproximou-se dizendo:
- Vou sair com você.
O porteiro pode estranhar você levar o vestido que eu trouxe.
- Ele deve saber que você entrou com essa sacola.
- Eu lhe mostrei, mas na saída é bom que ele saiba que eu lhe dei.

Ao passar na portaria, Jacira abriu a bolsa e a sacola, como de praxe, e ambas puderam sair.

Na rua, ela agradeceu mais uma vez a amiga e dirigiu-se à fila do ônibus, como de costume.
A espera pareceu-lhe mais longa do que de costume.
Finalmente, conseguiu entrar no ônibus e pegar um lugar no último banco.

Algumas pessoas preferiam ficar em pé na frente, do que se sentar atrás, porque ficava mais difícil na hora de descer.

Ela chegou em casa já havia anoitecido.
Nem se importou com as recomendações da mãe que, como sempre, havia deixado a cozinha para arrumar.
Foi directo para o quarto, vestiu o vestido, abriu a porta do guarda-roupas onde havia um espelho grande e olhou.

O vestido lhe assentara como uma luva.
O modelo afinara sua cintura, o decote em V ressaltara seu busto e ela reconheceu que tinha um corpo bem feito.
Emocionada, passava as mãos pelo vestido sentindo a delicadeza da seda, virando-se de um lado a outro com os olhos no espelho.

Seu corpo parecia de outra pessoa, contudo, não gostou dos seus cabelos.
Seu penteado não combinava nada com aqueles trajes.

Desanimada, sentou-se na cama pensando:
"De que adianta ganhar este vestido tão lindo se eu não tenho classe suficiente para usá-lo?
Depois, aonde irei com um vestido desses?
Certamente não o usaria para trabalhar".

E ela nunca saía para passear.
Tirou o vestido, pendurou-o no cabide, guardou-o no armário.
Por que para ela as coisas não davam certo?
Ganhara um vestido lindo, mas não tinha aonde ir, nem sapatos e bolsa que combinassem.

Suspirou triste.

Geni bateu na porta dizendo:
- Jacira, o que está fazendo fechada no quarto?
Seu pai quer falar com você.
- Já vou.

Em seguida, ela colocou um vestido, desceu, e foi até a sala onde Aristides folheava o jornal.

- Quer falar comigo, pai?
- Sim. Eu preciso de dinheiro.
O João me disse que em Jundiaí, na fábrica de tecidos, estão precisando de gente.
Quero tomar um trem e ir até lá.
- Pai, é muito longe.
Não dá para trabalhar todos os dias a essa distância.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 27, 2014 10:53 am

- Eu preciso de emprego.
Você e sua mãe vivem dizendo que não arranjo trabalho porque me acostumei sem fazer nada.
Eu quero trabalhar. Posso ir para lá, sim.
- Será caro e cansativo.
- Eu posso me mudar para lá.

- Isso não é possível.
Eu trabalho aqui.
Se nos mudarmos perderei meu emprego.
- Vocês ficam, eu posso morar lá sozinho.

- Já pensou que teria que pagar pensão ou aluguel e no fim do mês não teria nem dinheiro para pagar as contas?
É melhor desistir dessa ideia.
- Está vendo, Geni?
Eu quero trabalhar, mas vocês me atrapalham.

- Jacira tem razão.
Você não ganharia nem para as despesas.
Depois, como sabe se eles o aceitariam?
Você já passou dos cinquenta.

- Vocês querem me desanimar.
- Nada disso, pai, em tudo é preciso ter bom senso.
- Quer dizer que você não vai me dar o dinheiro?
- Não vou. Vamos procurar um emprego aqui mesmo.
- Se ao menos eu tivesse dinheiro para me inscrever em uma agência...

- No ano passado você se inscreveu, pagou a taxa apenas para descobrir que já passou da idade em que as fábricas aceitam os operários.
- Do jeito que você fala não vou arranjar emprego nunca.
- Se você fosse mais modesto e pegasse o que aparece estaria trabalhando.
Mas não quer rebaixar o seu nível salarial na carteira.

- Isso eu não faço mesmo.
Sou um operário especializado.
Trabalhei mais de vinte anos.
Não posso agora aceitar qualquer coisa para não morrer de fome.

Jacira suspirou desanimada e respondeu:
- Está bem, pai. Faça como quiser.
- Não adianta falar com ele - comentou Geni irritada - é teimoso feito uma mula.
Bem que ele poderia ter aceitado o lugar de vigia na oficina do Valdemar.

Jacira afastou-se para não ouvir aquela discussão de sempre.
Foi à cozinha, e, mesmo sem fome, apanhou o prato feito que estava no forno, olhou-o e colocou-o novamente no mesmo lugar.

Estava cansada.
Resignada, apressou-se a arrumar a cozinha, queria ir para o quarto dormir.

Quando terminou tudo e estava subindo as escadas para o quarto, Geni gritou da sala:
- Não se esqueça de acordar mais cedo amanhã para buscar pão.
Não temos nem pão velho para o café.

Sem responder, Jacira entrou no quarto e fechou a porta.
Estendeu-se na cama vestida sentindo pena de si mesma e da vida sem graça que levava.
Ela sentia que estava no limite de suas forças e precisava esforçar-se para não reagir e gritar toda sua raiva.

Por que ela precisava pensar em tudo dentro de casa?
Por que o pai, que ficava o dia inteiro sem fazer nada, não podia levantar cedo e ir buscar pão?
Por que sua mãe, que não tinha nenhuma doença, não lavava a louça do jantar e deixava tudo para ela?
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