Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
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Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
O MATUTO
ZÍBIA GASPARETTO
Romance mediúnico Pelo Espírito de: LUCIUS
ÍNDICE
PRÓLOGO
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XIX
CAPÍTULO XX
CAPÍTULO XXI
CAPÍTULO XXII
PRÓLOGO
De todas as lutas e mágoas que enfrentamos na vida, sempre nos será mais fácil falar das que já vencemos de há muito, cujas lições já aprendemos e nos reconhecemos melhorados, do que relatar factos recentes, quando as emoções ainda permanecem a descompassar nossos corações carentes de aprendizagem e de mais equilíbrio.
Quando alguns dos personagens ainda se demoram na Terra, a lutar para desenvolver suas aptidões de Espírito Eterno em busca da felicidade legítima, raros são os narradores desencarnados que conseguem permissão para contar suas histórias, cujo desenrolar poderão expô-los à curiosidade pública.
Quando isso acontece, além da permissão dos envolvidos, há certas normas que devem ser observadas.
Por essa razão, é claro que os nomes e alguns detalhes da história de "O Matuto" foram trocados.
Que ninguém, ao lê-la, procure descobrir nomes ou pessoas que a nossa ética houve por bem ocultar e que com certeza não acrescentarão nada aos objectivos desta narrativa.
Contudo, esse aspecto da forma não consegue tirar a autenticidade da história, que realmente aconteceu e nos convida a meditar nos problemas que ainda nos envolvem o espírito desejoso de ser feliz, amar e progredir.
Estaremos felizes se, através desta narrativa simples e despretensiosa, alguns vierem a compreender e aceitar a bondade de Deus, sua soberana justiça e a eterna felicidade de viver.
Lucius
São Paulo, 27 de outubro de 1983
ZÍBIA GASPARETTO
Romance mediúnico Pelo Espírito de: LUCIUS
ÍNDICE
PRÓLOGO
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XIX
CAPÍTULO XX
CAPÍTULO XXI
CAPÍTULO XXII
PRÓLOGO
De todas as lutas e mágoas que enfrentamos na vida, sempre nos será mais fácil falar das que já vencemos de há muito, cujas lições já aprendemos e nos reconhecemos melhorados, do que relatar factos recentes, quando as emoções ainda permanecem a descompassar nossos corações carentes de aprendizagem e de mais equilíbrio.
Quando alguns dos personagens ainda se demoram na Terra, a lutar para desenvolver suas aptidões de Espírito Eterno em busca da felicidade legítima, raros são os narradores desencarnados que conseguem permissão para contar suas histórias, cujo desenrolar poderão expô-los à curiosidade pública.
Quando isso acontece, além da permissão dos envolvidos, há certas normas que devem ser observadas.
Por essa razão, é claro que os nomes e alguns detalhes da história de "O Matuto" foram trocados.
Que ninguém, ao lê-la, procure descobrir nomes ou pessoas que a nossa ética houve por bem ocultar e que com certeza não acrescentarão nada aos objectivos desta narrativa.
Contudo, esse aspecto da forma não consegue tirar a autenticidade da história, que realmente aconteceu e nos convida a meditar nos problemas que ainda nos envolvem o espírito desejoso de ser feliz, amar e progredir.
Estaremos felizes se, através desta narrativa simples e despretensiosa, alguns vierem a compreender e aceitar a bondade de Deus, sua soberana justiça e a eterna felicidade de viver.
Lucius
São Paulo, 27 de outubro de 1983
Última edição por O_Canto_da_Ave em Qua Jan 02, 2013 10:42 pm, editado 1 vez(es)
Ave sem Ninho- Mensagens : 126028
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
CAPÍTULO I
Ponto terminal.
A estrada acabava ali.
Pequena vila, logo depois a mata fechada, misteriosa e rica.
Alguns casebres de pau-a-pique, construídos sem alinhamento ou cuidados.
Uma rua que era a própria estrada de terra, uma venda onde podia-se comprar o fumo, o sal, a pinga, e algumas vezes um pedaço de charque ou de rapadura.
Alguns moradores tinham plantação de couve, milho, abóbora e chuchu.
Os mais abastados, galinhas, e só o Venâncio, de quando em vez, criava um porco que era sempre de pouca engorda.
Apesar de paupérrimo, Dente de Onça (era o nome do local) abrigava algumas famílias ordeiras e pacatas.
Pouco exigiam, limitando-se à pesca no rio que passava mais abaixo, e a algumas incursões na vila do Ingaí, que distava umas vinte léguas, para vender ou trocar seu pescado pelos géneros ou objectos de que necessitavam.
O apelido curioso de Dente de Onça devia-se ao grande número desses animais que habitavam a mata das redondezas, tendo feito já inúmeras vítimas.
Sempre forasteiras, porquanto os moradores locais, conhecendo-lhes os hábitos e costumes, tomavam muitas precauções, conseguindo evitá-las.
Muitos deles aceitavam a vida dura e pareciam não ter outras ambições ou aspirações senão continuar ali, sobrevivendo ao sabor da sorte;
outros porém, os jovens principalmente, se iam da vila, sequiosos de conhecer o resto do mundo.
Raimundo morava só.
Cuidava da própria subsistência plantando um pouco de mandioca e milho, pescando ao sabor da vontade, vagabundeando, dormitando na rede ou mourejando no rio, quando tinha fome, e na roça, quando vinha a disposição.
Tinha apenas 28 anos, mas seu corpo alto e magro parecia mais velho. O rosto, queimado de sol, parcialmente coberto por uma barba mais escura do que seus cabelos castanhos.
Raimundo não nascera em Dente de Onça;
chegara ao local há mais de vinte anos, pela mão do pai, que construíra a cabana onde sempre tinham morado.
Seu pai não era homem de roça como os habitantes do local, tinha maneiras e era letrado.
Porém, demonstrava grande desprezo pelo mundo e pelos homens.
Inculcara em Raimundo verdadeiro horror à vida na cidade, o pessimismo em relação à humanidade e o desprezo pelas conquistas do progresso.
Afeiçoara-se à natureza, ensinando o filho a viver de maneira primitiva como índio.
Raimundo aceitara aquela vida, amava o cheiro da terra, os pássaros, o rio.
Alma de poeta, vibrava ante a beleza agreste da mata, desbravando-a pelo prazer de vencê-la.
Quando seu pai adoeceu, queria transportá-lo à vila, mas o velho José recusou-se terminantemente a ir.
Desacreditava da medicina.
Preferia as beberagens do mato que aprendera com um índio de quem era amigo.
Contudo, elas foram insuficientes. José, minado pela febre, veio a falecer.
Ajudado por alguns amigos, Raimundo enterrou-o ali mesmo, na beira do rio.
A vida continuou igual, dentro da monotonia de sempre.
Ponto terminal.
A estrada acabava ali.
Pequena vila, logo depois a mata fechada, misteriosa e rica.
Alguns casebres de pau-a-pique, construídos sem alinhamento ou cuidados.
Uma rua que era a própria estrada de terra, uma venda onde podia-se comprar o fumo, o sal, a pinga, e algumas vezes um pedaço de charque ou de rapadura.
Alguns moradores tinham plantação de couve, milho, abóbora e chuchu.
Os mais abastados, galinhas, e só o Venâncio, de quando em vez, criava um porco que era sempre de pouca engorda.
Apesar de paupérrimo, Dente de Onça (era o nome do local) abrigava algumas famílias ordeiras e pacatas.
Pouco exigiam, limitando-se à pesca no rio que passava mais abaixo, e a algumas incursões na vila do Ingaí, que distava umas vinte léguas, para vender ou trocar seu pescado pelos géneros ou objectos de que necessitavam.
O apelido curioso de Dente de Onça devia-se ao grande número desses animais que habitavam a mata das redondezas, tendo feito já inúmeras vítimas.
Sempre forasteiras, porquanto os moradores locais, conhecendo-lhes os hábitos e costumes, tomavam muitas precauções, conseguindo evitá-las.
Muitos deles aceitavam a vida dura e pareciam não ter outras ambições ou aspirações senão continuar ali, sobrevivendo ao sabor da sorte;
outros porém, os jovens principalmente, se iam da vila, sequiosos de conhecer o resto do mundo.
Raimundo morava só.
Cuidava da própria subsistência plantando um pouco de mandioca e milho, pescando ao sabor da vontade, vagabundeando, dormitando na rede ou mourejando no rio, quando tinha fome, e na roça, quando vinha a disposição.
Tinha apenas 28 anos, mas seu corpo alto e magro parecia mais velho. O rosto, queimado de sol, parcialmente coberto por uma barba mais escura do que seus cabelos castanhos.
Raimundo não nascera em Dente de Onça;
chegara ao local há mais de vinte anos, pela mão do pai, que construíra a cabana onde sempre tinham morado.
Seu pai não era homem de roça como os habitantes do local, tinha maneiras e era letrado.
Porém, demonstrava grande desprezo pelo mundo e pelos homens.
Inculcara em Raimundo verdadeiro horror à vida na cidade, o pessimismo em relação à humanidade e o desprezo pelas conquistas do progresso.
Afeiçoara-se à natureza, ensinando o filho a viver de maneira primitiva como índio.
Raimundo aceitara aquela vida, amava o cheiro da terra, os pássaros, o rio.
Alma de poeta, vibrava ante a beleza agreste da mata, desbravando-a pelo prazer de vencê-la.
Quando seu pai adoeceu, queria transportá-lo à vila, mas o velho José recusou-se terminantemente a ir.
Desacreditava da medicina.
Preferia as beberagens do mato que aprendera com um índio de quem era amigo.
Contudo, elas foram insuficientes. José, minado pela febre, veio a falecer.
Ajudado por alguns amigos, Raimundo enterrou-o ali mesmo, na beira do rio.
A vida continuou igual, dentro da monotonia de sempre.
Ave sem Ninho- Mensagens : 126028
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
Não pensou em ir-se embora.
Para onde iria? Não sabia ler nem escrever.
Ali, tinha sua casa, seus amigos com os quais pouco conversava.
Tinha o que lhe bastava, para que mais?
Deitado na rede grosseira, gostava de olhar o céu pontilhado de estrelas através da janela da cabana.
O que haveria lá em cima?
Ficava pensando, pensando...
Quem teria feito tudo aquilo?
Seria Deus mesmo? Não sabia responder.
O pai nunca lhe ensinara nada a respeito de Deus.
Ouvira dos amigos que fora ele o criador de tudo.
Como poderia ser? Se fosse verdade, que poder teria!
Cismava, cismava.
Às vezes sentia-se só, mas aceitava a solidão como necessidade sem remédio.
Casar seria bom, mas tinha medo.
O pai sempre recomendara-lhe fugir das mulheres, figuras traiçoeiras e fúteis.
Poucas moças na aldeia, feias e sem graça.
O jeito era ficar só. Melhor do que sofrer.
E o tempo ia passando, passando, na monotonia da roça, e Raimundo deixava-se ficar, aceitando a vida, contentando-se com o pouco que ela lhe oferecia.
Era tarde amena de novembro, e o Raimundo, na rede, cochichava embalado pelo pipilar dos pássaros que em bandos passavam sobre as árvores.
Chovera durante vários dias, e agora o sol tinha brilhado, secando as matas e o chão;
as folhas verdes recendiam ainda o aroma peculiar das plantas molhadas, exibindo agradável frescor.
Ele colocara a rede nas árvores de fora, usufruindo as delícias da natureza.
Foi quando um ruído desagradável e inesperado veio arrancá-lo da modorra, fazendo-o abrir os olhos, surpreendido.
Quebrando o silêncio bucólico da paisagem, um jipe descia a estrada.
Apesar de não ser usual um carro naquelas paragens, Raimundo não se moveu.
Limitou-se a olhar em silêncio.
O jipe aproximou-se e parou em frente à sua casa.
Havia três homens dentro dele, e Raimundo reconheceu o Bastião do Córrego Seco, no Ingaí, com o qual já trocara alguns géneros.
Seu pai é que o conhecia melhor, porquanto cada vez que iam à vila, mantinha demoradas palestras com ele.
Calmo, esperou.
Bastião chegou-se, chapéu entre os dedos, sorriso mostrando alguns dentes amarelos de fumo.
— Oh! Raimundo...
O interpelado sentou-se na rede, olhando o interlocutor, calado.
— Oh! Raimundo — repetiu ele — careço fala com ocê.
Assunto sério e partícula.
Para onde iria? Não sabia ler nem escrever.
Ali, tinha sua casa, seus amigos com os quais pouco conversava.
Tinha o que lhe bastava, para que mais?
Deitado na rede grosseira, gostava de olhar o céu pontilhado de estrelas através da janela da cabana.
O que haveria lá em cima?
Ficava pensando, pensando...
Quem teria feito tudo aquilo?
Seria Deus mesmo? Não sabia responder.
O pai nunca lhe ensinara nada a respeito de Deus.
Ouvira dos amigos que fora ele o criador de tudo.
Como poderia ser? Se fosse verdade, que poder teria!
Cismava, cismava.
Às vezes sentia-se só, mas aceitava a solidão como necessidade sem remédio.
Casar seria bom, mas tinha medo.
O pai sempre recomendara-lhe fugir das mulheres, figuras traiçoeiras e fúteis.
Poucas moças na aldeia, feias e sem graça.
O jeito era ficar só. Melhor do que sofrer.
E o tempo ia passando, passando, na monotonia da roça, e Raimundo deixava-se ficar, aceitando a vida, contentando-se com o pouco que ela lhe oferecia.
Era tarde amena de novembro, e o Raimundo, na rede, cochichava embalado pelo pipilar dos pássaros que em bandos passavam sobre as árvores.
Chovera durante vários dias, e agora o sol tinha brilhado, secando as matas e o chão;
as folhas verdes recendiam ainda o aroma peculiar das plantas molhadas, exibindo agradável frescor.
Ele colocara a rede nas árvores de fora, usufruindo as delícias da natureza.
Foi quando um ruído desagradável e inesperado veio arrancá-lo da modorra, fazendo-o abrir os olhos, surpreendido.
Quebrando o silêncio bucólico da paisagem, um jipe descia a estrada.
Apesar de não ser usual um carro naquelas paragens, Raimundo não se moveu.
Limitou-se a olhar em silêncio.
O jipe aproximou-se e parou em frente à sua casa.
Havia três homens dentro dele, e Raimundo reconheceu o Bastião do Córrego Seco, no Ingaí, com o qual já trocara alguns géneros.
Seu pai é que o conhecia melhor, porquanto cada vez que iam à vila, mantinha demoradas palestras com ele.
Calmo, esperou.
Bastião chegou-se, chapéu entre os dedos, sorriso mostrando alguns dentes amarelos de fumo.
— Oh! Raimundo...
O interpelado sentou-se na rede, olhando o interlocutor, calado.
— Oh! Raimundo — repetiu ele — careço fala com ocê.
Assunto sério e partícula.
Ave sem Ninho- Mensagens : 126028
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
— Pode fala, home.
— Esses dois home que tão no carro, tão procurando ocê.
Víero de Cuiabá, especiar, só pra lhe vê.
Raimundo alçou o olhar desconfiado para o jipe parado, onde os dois homens conversavam tranquilamente.
— Num conheço eles. Pra que tão me procurano?
— Num sei não. Parece que viero trazê notícia de parente seu da cidade...
— Bobage. Num tenho ninguém. Sô sozinho.
Bastião baixou a voz e, colocando a mão no braço de Raimundo, disse em tom intencional:
— Sabe, eles são gente rica. Têm dinheiro pra se vê.
Gastam sem pena. Pra eu trazê eles aqui e ensina sua casa me dero dois conto.
E, vendo que o outro olhava desconfiado, completou:
— Eu só truxe eles pruque são gente direita.
Querem fala com ocê.
Raimundo deu de ombros.
— Num tenho nada pra fala co'eles.
— Ocê num vai agora manda os home imbora sem conversa.
E farta de inducação. Dispoi, eles
viajaro muitas léguas, tão cansado.
Se ocê num qué dá atenção preles, deixa só descansa um pouco que a gente vorta prá trás.
— Tá certo. Ocê num vai dizê que sou mal inducado. Chama eles.
Bastião, saiu com um sorriso amável a distender-lhe o rosto moreno e ossudo.
Os homens saltaram do jipe e, com fisionomia distendida, aproximaram-se.
Um era jovem ainda, menos de trinta anos, o outro beirava os 45.
Vestiam roupas de brim, mas o corte e a qualidade eram de muita classe.
Pela aparência, homens de cidade, cultos e elegantes.
Raimundo colocou-se de sobreaviso.
— Esses são os home que querem lhe conhece — apresentou Bastião, meio sem jeito.
— Pruquê? — fez Raimundo, olhando-os bem nos olhos.
Apesar de homens desembaraçados, os dois ficaram sem saber como começar.
A pergunta directa fora feita com rudeza, mas sem agressividade.
— Posso explicar — tornou o mais velho com voz delicada.
Meu nome é Olavo Rangel advogado.
Meu amigo é Juvenal Dias, jornalista de Cuiabá.
Temos um assunto do seu interesse para conversar.
Viemos de longe à sua procura.
Estamos cansados.
Se nos permitisse, gostaríamos de descansar um pouco.
— Esses dois home que tão no carro, tão procurando ocê.
Víero de Cuiabá, especiar, só pra lhe vê.
Raimundo alçou o olhar desconfiado para o jipe parado, onde os dois homens conversavam tranquilamente.
— Num conheço eles. Pra que tão me procurano?
— Num sei não. Parece que viero trazê notícia de parente seu da cidade...
— Bobage. Num tenho ninguém. Sô sozinho.
Bastião baixou a voz e, colocando a mão no braço de Raimundo, disse em tom intencional:
— Sabe, eles são gente rica. Têm dinheiro pra se vê.
Gastam sem pena. Pra eu trazê eles aqui e ensina sua casa me dero dois conto.
E, vendo que o outro olhava desconfiado, completou:
— Eu só truxe eles pruque são gente direita.
Querem fala com ocê.
Raimundo deu de ombros.
— Num tenho nada pra fala co'eles.
— Ocê num vai agora manda os home imbora sem conversa.
E farta de inducação. Dispoi, eles
viajaro muitas léguas, tão cansado.
Se ocê num qué dá atenção preles, deixa só descansa um pouco que a gente vorta prá trás.
— Tá certo. Ocê num vai dizê que sou mal inducado. Chama eles.
Bastião, saiu com um sorriso amável a distender-lhe o rosto moreno e ossudo.
Os homens saltaram do jipe e, com fisionomia distendida, aproximaram-se.
Um era jovem ainda, menos de trinta anos, o outro beirava os 45.
Vestiam roupas de brim, mas o corte e a qualidade eram de muita classe.
Pela aparência, homens de cidade, cultos e elegantes.
Raimundo colocou-se de sobreaviso.
— Esses são os home que querem lhe conhece — apresentou Bastião, meio sem jeito.
— Pruquê? — fez Raimundo, olhando-os bem nos olhos.
Apesar de homens desembaraçados, os dois ficaram sem saber como começar.
A pergunta directa fora feita com rudeza, mas sem agressividade.
— Posso explicar — tornou o mais velho com voz delicada.
Meu nome é Olavo Rangel advogado.
Meu amigo é Juvenal Dias, jornalista de Cuiabá.
Temos um assunto do seu interesse para conversar.
Viemos de longe à sua procura.
Estamos cansados.
Se nos permitisse, gostaríamos de descansar um pouco.
Ave sem Ninho- Mensagens : 126028
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
Raimundo olhou-os de frente.
Depois resolveu:
— Tá bem. Vamos lá pra dentro.
Casa de pobre. Num sei se ocês vão fica a gosto.
Levantou-se e conduziu-os ao casebre humilde.
Dentro, uma mesa tosca, duas cadeiras que o pai trouxera ainda quando tinham ido para lá, um pequeno armário, uma arca de madeira e nada mais.
A um canto, o fogão de lenha que ele mesmo fizera com algumas pedras e barro.
Ofereceu-lhes as cadeiras enquanto tomava assento na rede, que também servia-lhe de cama.
Bastião ficou de pé mesmo.
— Muito bem — tornou o advogado em tom profissional - seu nome todo é...
Preciso saber se estou falando com a pessoa que procuro.
— Meu nome é Raimundo.
— Temos aí um problema. Eu acho que seu nome é outro.
Sei que seu pai mudou o seu nome quando deixaram São Paulo.
— Parece que o sinhô sabe mais do que eu.
- Acho que sei. Seu nome é Geraldo Tavares de Lima.
E seu pai. Euclides Marcondes de Lima.
Raimundo foi apelido que ele lhe deu, na mesma época que passou a se dizer José.
Raimundo interessou-se.
Seu pai nunca lhe contara as razões pelas quais deixara São Paulo quando ele tinha 5 a 6 anos e resolvera morar ali.
Várias vezes quisera perguntar-lhe, mas o assunto o irritava tanto que acabava desistindo.
Agora, aquele estranho aparecia com aquela história.
Deveria acreditar?
O homem parecia sério e de bem.
— Num sei se é verdade. Num lembro.
- Era muito pequeno.
Olavo ficou preocupado.
— Faça um esforço. Seu pai não deixou nenhum guardado como papéis, documentos, etc.?
Raimundo esforçou-se para lembrar.
-acho que não. Tinha raiva de papel.
Dizia que atrapalhava a vida.
— Procure lembrar-se do que aconteceu quando chegaram aqui — tornou o jornalista, persuasivo.
Nunca viu nada de estranho com ele?
Raimundo pensou, pensou, até que lembrou-se:
— Um dia ele chegou da vila feito doido.
Trazia um jorna que lia muitas vezes, com fúria.
— Você sabe o que dizia?
Depois resolveu:
— Tá bem. Vamos lá pra dentro.
Casa de pobre. Num sei se ocês vão fica a gosto.
Levantou-se e conduziu-os ao casebre humilde.
Dentro, uma mesa tosca, duas cadeiras que o pai trouxera ainda quando tinham ido para lá, um pequeno armário, uma arca de madeira e nada mais.
A um canto, o fogão de lenha que ele mesmo fizera com algumas pedras e barro.
Ofereceu-lhes as cadeiras enquanto tomava assento na rede, que também servia-lhe de cama.
Bastião ficou de pé mesmo.
— Muito bem — tornou o advogado em tom profissional - seu nome todo é...
Preciso saber se estou falando com a pessoa que procuro.
— Meu nome é Raimundo.
— Temos aí um problema. Eu acho que seu nome é outro.
Sei que seu pai mudou o seu nome quando deixaram São Paulo.
— Parece que o sinhô sabe mais do que eu.
- Acho que sei. Seu nome é Geraldo Tavares de Lima.
E seu pai. Euclides Marcondes de Lima.
Raimundo foi apelido que ele lhe deu, na mesma época que passou a se dizer José.
Raimundo interessou-se.
Seu pai nunca lhe contara as razões pelas quais deixara São Paulo quando ele tinha 5 a 6 anos e resolvera morar ali.
Várias vezes quisera perguntar-lhe, mas o assunto o irritava tanto que acabava desistindo.
Agora, aquele estranho aparecia com aquela história.
Deveria acreditar?
O homem parecia sério e de bem.
— Num sei se é verdade. Num lembro.
- Era muito pequeno.
Olavo ficou preocupado.
— Faça um esforço. Seu pai não deixou nenhum guardado como papéis, documentos, etc.?
Raimundo esforçou-se para lembrar.
-acho que não. Tinha raiva de papel.
Dizia que atrapalhava a vida.
— Procure lembrar-se do que aconteceu quando chegaram aqui — tornou o jornalista, persuasivo.
Nunca viu nada de estranho com ele?
Raimundo pensou, pensou, até que lembrou-se:
— Um dia ele chegou da vila feito doido.
Trazia um jorna que lia muitas vezes, com fúria.
— Você sabe o que dizia?
Ave sem Ninho- Mensagens : 126028
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
— Num sei lê. Ele nunca deixou eu aprende.
Depois me mandou busca água no rio, mai eu num fui logo.
Tava assustado co'ele e me escondi pra vê o que ele fazia.
Vi quando pegou uma caixa e foi pro mato.
Enterrou ela, depois vortô. Parecia mais sussegado.
Fiquei pensando na caixa, e quando ele foi drumi de tarde, fui até lá e desenterrei ela, pra vê o que era.
Tinha só pape, e eu enterrei ela de novo, cum medo dele me bate.
Ele era homem bom mai muito brabo.
Olavo animou-se.
— Lembra-se de onde essa caixa está enterrada?
— Fai muito tempo, mai acho que se percurá, nóis acha.
— Sabe, Raimundo, é muito importante sabermos se você é mesmo filho do Euclides Marcondes de Lima.
Para isso viemos à sua procura.
— Tá certo. Tô quereno conhece o que meu pai num quis me conta. Vamo lá.
Levantou-se, apanhou a enxada e dirigiu-se para fora.
Os outros seguiram-no em silêncio.
Notava-se-lhes a preocupação no semblante.
Raimundo caminhou para a pequena plantação sem pressa, obrigando os outros a moderarem a marcha.
Ao fundo, sob uma árvore, parou coçando a barba.
- Acho que foi aqui.
Fais tempo, mai eu num esqueci.
Deixa oiá bem pra vê... É, acho que foi aqui.
Os olhos ansiosos dos três iam de Raimundo ao chão coberto de mato.
Ele começou a cavar. Em nenhum momento pareceu apressado.
Lentamente, foi sulcando a terra com certa facilidade, por causa da chuva do dia anterior.
Raimundo cavava e nada.
Ia com cuidado, atento para não danificar a caixa quando a achasse.
-acho que era mais pro lado.
-será que seu pai não a retirou daqui? — inquiriu o advogado, preocupado.
— Num aquerdito. Pra quê?
Se enterrou foi pra se livra dela, num foi pra guarda.
Olha aqui, parece que aqui tem coisa...
É, acho que encontrei.
— Cuidado para não estragá-la. Deve estar velha.
— Num carece preocupa. Sei lida co'a terra.
Realmente, em poucos minutos um objecto, escuro, surgia aos olhos curiosos dos presentes.
Não era bem uma caixa, mas uma bolsa rústica de couro cru que, apesar de suja e húmida, estava intacta.
Raimundo largou a enxada e limpou as mãos na calça surrada.
Depois me mandou busca água no rio, mai eu num fui logo.
Tava assustado co'ele e me escondi pra vê o que ele fazia.
Vi quando pegou uma caixa e foi pro mato.
Enterrou ela, depois vortô. Parecia mais sussegado.
Fiquei pensando na caixa, e quando ele foi drumi de tarde, fui até lá e desenterrei ela, pra vê o que era.
Tinha só pape, e eu enterrei ela de novo, cum medo dele me bate.
Ele era homem bom mai muito brabo.
Olavo animou-se.
— Lembra-se de onde essa caixa está enterrada?
— Fai muito tempo, mai acho que se percurá, nóis acha.
— Sabe, Raimundo, é muito importante sabermos se você é mesmo filho do Euclides Marcondes de Lima.
Para isso viemos à sua procura.
— Tá certo. Tô quereno conhece o que meu pai num quis me conta. Vamo lá.
Levantou-se, apanhou a enxada e dirigiu-se para fora.
Os outros seguiram-no em silêncio.
Notava-se-lhes a preocupação no semblante.
Raimundo caminhou para a pequena plantação sem pressa, obrigando os outros a moderarem a marcha.
Ao fundo, sob uma árvore, parou coçando a barba.
- Acho que foi aqui.
Fais tempo, mai eu num esqueci.
Deixa oiá bem pra vê... É, acho que foi aqui.
Os olhos ansiosos dos três iam de Raimundo ao chão coberto de mato.
Ele começou a cavar. Em nenhum momento pareceu apressado.
Lentamente, foi sulcando a terra com certa facilidade, por causa da chuva do dia anterior.
Raimundo cavava e nada.
Ia com cuidado, atento para não danificar a caixa quando a achasse.
-acho que era mais pro lado.
-será que seu pai não a retirou daqui? — inquiriu o advogado, preocupado.
— Num aquerdito. Pra quê?
Se enterrou foi pra se livra dela, num foi pra guarda.
Olha aqui, parece que aqui tem coisa...
É, acho que encontrei.
— Cuidado para não estragá-la. Deve estar velha.
— Num carece preocupa. Sei lida co'a terra.
Realmente, em poucos minutos um objecto, escuro, surgia aos olhos curiosos dos presentes.
Não era bem uma caixa, mas uma bolsa rústica de couro cru que, apesar de suja e húmida, estava intacta.
Raimundo largou a enxada e limpou as mãos na calça surrada.
Ave sem Ninho- Mensagens : 126028
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal
Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
— Deixa limpa ela por fora pra ocês num suja as mão.
— Não importa — tornou o advogado, impaciente.
Vamos abrir para ver o que contém.
Raimundo a abriu com certa dificuldade, e um grosso rolo envolto de um pano surgiu.
O advogado desenrolou-o e alguns papéis amarelecidos apareceram.
Rápido, Olavo os manuseou, e sua fisionomia distendeu-se em triunfo.
- Acho que encontramos.
Está aqui o que precisamos.
Raimundo olhou desconfiado.
— O que tá escrito aí, seu doto?
— São documentos, certidões, vamos até a casa.
Lá, poderemos examiná-los minuciosamente.
— É mió mesmo. Tá escurecendo e num dá pra enxerga.
Com a calma que lhe era peculiar, Raimundo apanhou a enxada e tapou o buraco, enquanto os outros, impacientes, encaminhavam-se para a casa modesta.
Vagarosamente, Raimundo aproximou-se, entrou na cabana e acendeu o lampião.
Sob a sua luz bruxuleante, o advogado, com emoção e certa impaciência, examinou um por um daqueles documentos, sacudindo a cabeça afirmativamente e olhando satisfeito para o jornalista que, sobre o seu ombro, também inteirava-se do seu conteúdo.
Apesar de curioso, Raimundo não fez gesto nenhum. Observava tudo em silêncio, olhos semicerrados, esperando.
— É tal qual eu esperava.
Você é mesmo Geraldo Tavares de Lima, nascido em São Paulo a 18 de junho de 1908, filho de Euclides Marcondes de Lima e de D. Carolina Tavares de Lima.
— Como sabe? perguntou finalmente Raimundo.
— Estão aqui as certidões.
Esta é a data do seu nascimento, esta a do casamento do Dr. Euclides, a 15 de maio de 1900, na comarca de Itu.
Tem também outros documentos importantes, e eu vou dar-lhe a melhor das notícias.
Prepare-se, Geraldo, sente-se para não cair.
Raimundo olhava meio assustado.
— É com você sim.
Seu nome é Geraldo e de hoje em diante deverá ser chamado assim.
Juvenal pegou-o pelo braço, forçando-o a sentar-se em uma das cadeiras.
O advogado, diante do espanto do Bastião e do Raimundo, continuou:
— Você é um homem rico.
Muito rico que, se quiser, pode comprar uma cidade inteira.
Raimundo olhava sem entender.
— Você é muito rico, homem! Podre de rico.
Alegro— me de poder dar-lhe essa notícia.
— Num pode sê. Ocê tá enganado.
Meu falecido pai era muito pobre.
Num tinha dinheiro nem pra compra fumo.
— Não importa — tornou o advogado, impaciente.
Vamos abrir para ver o que contém.
Raimundo a abriu com certa dificuldade, e um grosso rolo envolto de um pano surgiu.
O advogado desenrolou-o e alguns papéis amarelecidos apareceram.
Rápido, Olavo os manuseou, e sua fisionomia distendeu-se em triunfo.
- Acho que encontramos.
Está aqui o que precisamos.
Raimundo olhou desconfiado.
— O que tá escrito aí, seu doto?
— São documentos, certidões, vamos até a casa.
Lá, poderemos examiná-los minuciosamente.
— É mió mesmo. Tá escurecendo e num dá pra enxerga.
Com a calma que lhe era peculiar, Raimundo apanhou a enxada e tapou o buraco, enquanto os outros, impacientes, encaminhavam-se para a casa modesta.
Vagarosamente, Raimundo aproximou-se, entrou na cabana e acendeu o lampião.
Sob a sua luz bruxuleante, o advogado, com emoção e certa impaciência, examinou um por um daqueles documentos, sacudindo a cabeça afirmativamente e olhando satisfeito para o jornalista que, sobre o seu ombro, também inteirava-se do seu conteúdo.
Apesar de curioso, Raimundo não fez gesto nenhum. Observava tudo em silêncio, olhos semicerrados, esperando.
— É tal qual eu esperava.
Você é mesmo Geraldo Tavares de Lima, nascido em São Paulo a 18 de junho de 1908, filho de Euclides Marcondes de Lima e de D. Carolina Tavares de Lima.
— Como sabe? perguntou finalmente Raimundo.
— Estão aqui as certidões.
Esta é a data do seu nascimento, esta a do casamento do Dr. Euclides, a 15 de maio de 1900, na comarca de Itu.
Tem também outros documentos importantes, e eu vou dar-lhe a melhor das notícias.
Prepare-se, Geraldo, sente-se para não cair.
Raimundo olhava meio assustado.
— É com você sim.
Seu nome é Geraldo e de hoje em diante deverá ser chamado assim.
Juvenal pegou-o pelo braço, forçando-o a sentar-se em uma das cadeiras.
O advogado, diante do espanto do Bastião e do Raimundo, continuou:
— Você é um homem rico.
Muito rico que, se quiser, pode comprar uma cidade inteira.
Raimundo olhava sem entender.
— Você é muito rico, homem! Podre de rico.
Alegro— me de poder dar-lhe essa notícia.
— Num pode sê. Ocê tá enganado.
Meu falecido pai era muito pobre.
Num tinha dinheiro nem pra compra fumo.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
— Engano seu. Seu pai era médico e muito rico.
Pertencia a uma das melhores famílias de São Paulo, nunca lhe contou?
— Custa aquerditá. Médico? Acho que ocês tão enganado.
Ele num gostava da medicina. Diza que os médico num sabe de nada.
Sempre se tratou co'as ervas dos índios e eu também, nunca tomava droga de farmácia.
— Mais uma razão para acreditar no que digo.
Ele era médico, mas acho que formou-se para contentar a família, não gostava da profissão.
Apesar disso, cuidou de você.
— É, ele cuidou.
Conhecia muitos remédio, mai só de mato — coçou a cabeça, sem entender.
— Mai, se era rico e médico, pru que veio para cá nesta vida dura e sem conforto?
— Aí é que está. Não sabemos bem o que aconteceu.
Parece que um dia teve que socorrer um amigo que hospedava em sua casa e não conseguiu evitar sua morte.
Desgostoso, passou a mão no filho, sumiu de casa.
Inúteis todas as buscas.
D. Carolina estava inconsolável, desesperada.
Colocaram anúncio nos jornais, contrataram gente da polícia para procurar, nada.
Ninguém sabia informar onde o Dr. Euclides escondera-se com o filho.
D. Carolina fechou a casa, nunca mais tirou o luto.
Segundo sei, ela dizia que só o tiraria no dia em que reencontrasse o filho, único amor de sua vida.
Com a morte do avô, pai de Euclides, ela herdou imensa fortuna, propriedades que vieram a aumentar muito o património da família.
Raimundo ouvia pensativo, quase sem acreditar que aquela história fosse a de seu pai.
O advogado continuou:
— O velho Dr. Marcondes de Lima, pai de Euclides, seu avô paterno portanto, era advogado hábil e de posses.
Viúvo, tomou conta dos negócios da nora quando seu pai saiu de casa, em quem procurou consolo para a separação do filho predilecto.
Bem aplicada e administrada, a fortuna aumentava sempre.
Mas D. Carolina não demonstrava alegria.
Raramente saía, era vista muito pouco, não frequentava a sociedade nem abria o seu palacete da Av. Paulista, em São Paulo, para os velhos amigos e conhecidos.
Era conhecida como uma excêntrica.
Quando perdeu o sogro, ficou ainda mais melancólica.
Faleceu há cerca de seis meses. Você é o herdeiro de uma das maiores fortunas do Brasil.
Raimundo não se sentiu alegre. Pressentira sempre um mistério na ida de seu pai para aqueles sítios.
Se tudo aquilo fosse mesmo verdade, o que teria acontecido para o pai ter abandonado tudo, pai, esposa, dinheiro, tudo?
Qual o mistério que havia atrás de tudo aquilo?
Não pensava no dinheiro.
Não tinha ambições.
Preocupava-o mais a mãe, de quem não lembrava senão vagamente, de rosto jovem e alegre, debruçada sobre ele.
Pertencia a uma das melhores famílias de São Paulo, nunca lhe contou?
— Custa aquerditá. Médico? Acho que ocês tão enganado.
Ele num gostava da medicina. Diza que os médico num sabe de nada.
Sempre se tratou co'as ervas dos índios e eu também, nunca tomava droga de farmácia.
— Mais uma razão para acreditar no que digo.
Ele era médico, mas acho que formou-se para contentar a família, não gostava da profissão.
Apesar disso, cuidou de você.
— É, ele cuidou.
Conhecia muitos remédio, mai só de mato — coçou a cabeça, sem entender.
— Mai, se era rico e médico, pru que veio para cá nesta vida dura e sem conforto?
— Aí é que está. Não sabemos bem o que aconteceu.
Parece que um dia teve que socorrer um amigo que hospedava em sua casa e não conseguiu evitar sua morte.
Desgostoso, passou a mão no filho, sumiu de casa.
Inúteis todas as buscas.
D. Carolina estava inconsolável, desesperada.
Colocaram anúncio nos jornais, contrataram gente da polícia para procurar, nada.
Ninguém sabia informar onde o Dr. Euclides escondera-se com o filho.
D. Carolina fechou a casa, nunca mais tirou o luto.
Segundo sei, ela dizia que só o tiraria no dia em que reencontrasse o filho, único amor de sua vida.
Com a morte do avô, pai de Euclides, ela herdou imensa fortuna, propriedades que vieram a aumentar muito o património da família.
Raimundo ouvia pensativo, quase sem acreditar que aquela história fosse a de seu pai.
O advogado continuou:
— O velho Dr. Marcondes de Lima, pai de Euclides, seu avô paterno portanto, era advogado hábil e de posses.
Viúvo, tomou conta dos negócios da nora quando seu pai saiu de casa, em quem procurou consolo para a separação do filho predilecto.
Bem aplicada e administrada, a fortuna aumentava sempre.
Mas D. Carolina não demonstrava alegria.
Raramente saía, era vista muito pouco, não frequentava a sociedade nem abria o seu palacete da Av. Paulista, em São Paulo, para os velhos amigos e conhecidos.
Era conhecida como uma excêntrica.
Quando perdeu o sogro, ficou ainda mais melancólica.
Faleceu há cerca de seis meses. Você é o herdeiro de uma das maiores fortunas do Brasil.
Raimundo não se sentiu alegre. Pressentira sempre um mistério na ida de seu pai para aqueles sítios.
Se tudo aquilo fosse mesmo verdade, o que teria acontecido para o pai ter abandonado tudo, pai, esposa, dinheiro, tudo?
Qual o mistério que havia atrás de tudo aquilo?
Não pensava no dinheiro.
Não tinha ambições.
Preocupava-o mais a mãe, de quem não lembrava senão vagamente, de rosto jovem e alegre, debruçada sobre ele.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
Era das poucas lembranças que conservava daqueles tempos.
O pai havia-lhe dito que ela estava morta, e se tudo fosse verdade, se o advogado não estivesse mentindo, quem mentira fora ele.
Ele que tinha horror à mentira.
Que o ensinara a falar a verdade doesse a quem doesse. Ele lhe mentira.
Renegava a sociedade e o mundo, pela mentira dos homens, pela hipocrisia.
Queria ficar na simplicidade da natureza para fugir aos que enganam e fora o primeiro a mentir, a enganar.
Ele, que gostava tanto da mãe, que sempre sofrera sua falta.
Sentia-se profundamente decepcionado.
A mãe, sempre querida e recordada no silêncio de suas noites solitárias.
Sentira-lhe a falta durante aqueles anos, mas conformara-se, julgando-a morta.
Fora enganado! Ela usara luto por ele, porque sempre fora mãe amorosa e ele, seu único filho!
Seu coração apertou-se.
Um sentimento de revolta começou a brotar-lhe do peito oprimido.
Dr. Olavo admirou-se.
— Trago-lhe tão boas notícias e você faz essa cara?
Digo-lhe que é um homem imensamente rico!
Não está alegre?
Raimundo olhou-o com raiva:
— Pensei que minha mãe tivesse morrido há muito tempo.
Primero, ocê me diz que ela tava viva, até pouco tempo, pra depois dizê que agora já tá morta.
Acha que posso tá alegre por isso?
O advogado trocou um olhar surpreendido com o jornalista.
Quem não entendia era ele.
Julgou não estar tratando com pessoa normal.
— Você não sabia que sua mãe era viva? — perguntou Juvenal com voz conciliadora.
— Não. Num sabia. Senão tinha ido busca ela pra mora comigo.
— Acha que ela viria pra este buraco? — fez o advogado com ironia.
Raimundo olhou-o bem de frente.
— Era minha mãe — tornou ele, muito sério.
Se gostasse de mim, haveria de querê fica comigo.
— Bem, bem, pode ser — fez o advogado, mais interessado em tratar dos seus negócios do que nos problemas daquele bronco.
Mas agora viemos buscá-lo para tratar dos negócios da herança.
Você é um homem rico, precisa ir a São Paulo, para tomar posse de tudo.
Podemos ir amanhã mesmo. Cuidarei de tudo.
Você não tem por aqui muitos valores, pode deixar tudo isto e comprar o que quiser assim que chegarmos à cidade.
O pai havia-lhe dito que ela estava morta, e se tudo fosse verdade, se o advogado não estivesse mentindo, quem mentira fora ele.
Ele que tinha horror à mentira.
Que o ensinara a falar a verdade doesse a quem doesse. Ele lhe mentira.
Renegava a sociedade e o mundo, pela mentira dos homens, pela hipocrisia.
Queria ficar na simplicidade da natureza para fugir aos que enganam e fora o primeiro a mentir, a enganar.
Ele, que gostava tanto da mãe, que sempre sofrera sua falta.
Sentia-se profundamente decepcionado.
A mãe, sempre querida e recordada no silêncio de suas noites solitárias.
Sentira-lhe a falta durante aqueles anos, mas conformara-se, julgando-a morta.
Fora enganado! Ela usara luto por ele, porque sempre fora mãe amorosa e ele, seu único filho!
Seu coração apertou-se.
Um sentimento de revolta começou a brotar-lhe do peito oprimido.
Dr. Olavo admirou-se.
— Trago-lhe tão boas notícias e você faz essa cara?
Digo-lhe que é um homem imensamente rico!
Não está alegre?
Raimundo olhou-o com raiva:
— Pensei que minha mãe tivesse morrido há muito tempo.
Primero, ocê me diz que ela tava viva, até pouco tempo, pra depois dizê que agora já tá morta.
Acha que posso tá alegre por isso?
O advogado trocou um olhar surpreendido com o jornalista.
Quem não entendia era ele.
Julgou não estar tratando com pessoa normal.
— Você não sabia que sua mãe era viva? — perguntou Juvenal com voz conciliadora.
— Não. Num sabia. Senão tinha ido busca ela pra mora comigo.
— Acha que ela viria pra este buraco? — fez o advogado com ironia.
Raimundo olhou-o bem de frente.
— Era minha mãe — tornou ele, muito sério.
Se gostasse de mim, haveria de querê fica comigo.
— Bem, bem, pode ser — fez o advogado, mais interessado em tratar dos seus negócios do que nos problemas daquele bronco.
Mas agora viemos buscá-lo para tratar dos negócios da herança.
Você é um homem rico, precisa ir a São Paulo, para tomar posse de tudo.
Podemos ir amanhã mesmo. Cuidarei de tudo.
Você não tem por aqui muitos valores, pode deixar tudo isto e comprar o que quiser assim que chegarmos à cidade.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
Calmo, Raimundo esperou que ele terminasse e depois declarou:
— Quem lhe disse que eu vou?
— Como? ! Certamente que irá.
Sua fortuna é na base de 50 mil contos de réis!!
Se não for, não recebe nada.
— Num careço de nada. Tenho tudo que quero. Num sinto farta.
Aqui, os amigos são gente de bem e nossa vida é sussegada.
Num gosto de cidade. Só tem farsidade e hiprocrisia Que vô fazê por lá?
— E o dinheiro? Raimundo deu de ombros.
— Num tem importância. Num sei gasta ele mesmo.
Ia me dá muito trabaio. Vô fica aqui mesmo.
Leva minha vida.
Se a mãe tivesse viva eu ia, mai ela já tá morta, então, num carece de i...
Dr. Olavo trocou um olhar desanimado com o jornalista.
Sentou-se, sem saber o que dizer.
Jamais pensara encontrar tanta ignorância.
Talvez ele fosse um deficiente mental.
Para recusar tanto dinheiro, preferir tal miséria só havia uma explicação: a imbecilidade.
Incapacidade para avaliar o que estava perdendo.
Por outro lado, um homem tão ingénuo seria fácil de manejar, principalmente na administração de seus bens, o que era seu objectivo principal.
Por isso, calou-se e permaneceu pensativo durante alguns minutos.
Depois tornou:
— Bem, quanto ao trabalho, não precisa ocupar-se com nada.
Tenho um escritório em São Paulo e poderei tratar de tudo para você.
Acontece que se você não for receber esse dinheiro, não apresentar-se dentro do prazo legal, quem vai herdar tudo é a família de seu tio José, irmão de seu pai, e isso não era do gosto de sua mãe.
Raimundo fixou-o com curiosidade.
— D. Carolina não apreciava o cunhado porque ele botou fora toda parte da herança que recebeu, joga muito.
Seu filho também é sem juízo.
Estão arruinados e loucos para receber o dinheiro de sua mãe.
— Depois - aduziu o jornalista — , não é só o dinheiro.
Vão morar na casa dela, ficar com as jóias dela, as roupas, os móveis, tudo o que era dela e que é seu.
Raimundo estremeceu.
Tocaram-lhe o ponto fraco.
Gostaria de ter alguma lembrança da mãe.
— Se você gosta de sua mãe, não deve deixar que pessoas das quais ela não gostava e vivia afastada tomem conta de tudo.
— E — fez ele, pensativo. — Ela num ia gosta.
— Quem lhe disse que eu vou?
— Como? ! Certamente que irá.
Sua fortuna é na base de 50 mil contos de réis!!
Se não for, não recebe nada.
— Num careço de nada. Tenho tudo que quero. Num sinto farta.
Aqui, os amigos são gente de bem e nossa vida é sussegada.
Num gosto de cidade. Só tem farsidade e hiprocrisia Que vô fazê por lá?
— E o dinheiro? Raimundo deu de ombros.
— Num tem importância. Num sei gasta ele mesmo.
Ia me dá muito trabaio. Vô fica aqui mesmo.
Leva minha vida.
Se a mãe tivesse viva eu ia, mai ela já tá morta, então, num carece de i...
Dr. Olavo trocou um olhar desanimado com o jornalista.
Sentou-se, sem saber o que dizer.
Jamais pensara encontrar tanta ignorância.
Talvez ele fosse um deficiente mental.
Para recusar tanto dinheiro, preferir tal miséria só havia uma explicação: a imbecilidade.
Incapacidade para avaliar o que estava perdendo.
Por outro lado, um homem tão ingénuo seria fácil de manejar, principalmente na administração de seus bens, o que era seu objectivo principal.
Por isso, calou-se e permaneceu pensativo durante alguns minutos.
Depois tornou:
— Bem, quanto ao trabalho, não precisa ocupar-se com nada.
Tenho um escritório em São Paulo e poderei tratar de tudo para você.
Acontece que se você não for receber esse dinheiro, não apresentar-se dentro do prazo legal, quem vai herdar tudo é a família de seu tio José, irmão de seu pai, e isso não era do gosto de sua mãe.
Raimundo fixou-o com curiosidade.
— D. Carolina não apreciava o cunhado porque ele botou fora toda parte da herança que recebeu, joga muito.
Seu filho também é sem juízo.
Estão arruinados e loucos para receber o dinheiro de sua mãe.
— Depois - aduziu o jornalista — , não é só o dinheiro.
Vão morar na casa dela, ficar com as jóias dela, as roupas, os móveis, tudo o que era dela e que é seu.
Raimundo estremeceu.
Tocaram-lhe o ponto fraco.
Gostaria de ter alguma lembrança da mãe.
— Se você gosta de sua mãe, não deve deixar que pessoas das quais ela não gostava e vivia afastada tomem conta de tudo.
— E — fez ele, pensativo. — Ela num ia gosta.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
— Então — tornou o advogado, com habilidade — você vai connosco amanhã, toma posse de tudo.
Depois, pega o que desejar, e se não quiser ficar por lá, volta pra cá.
Você não é obrigado a ficar lá.
Precisa ir porque sua presença é necessária para fins legais.
Decidirá o que quer.
Ninguém pode obrigá-lo a nada.
Se resolver dar toda sua fortuna, ninguém tem nada com isso.
Raimundo permaneceu pensativo, indeciso.
— Vai, home — animou Bastião, cujos olhos miúdos vibravam de cobiça.
— se quisé, eu posso i junto.
Eu num deixava essa dinherama pra esses parentes que sua mãe num gostava. É desaforo.
— É — disse o advogado, com astúcia — tem razão.
Eles abriram o inventário, alegando que você está morto e que os únicos e verdadeiros herdeiros são eles.
— Mai eu tô vivo — tornou Raimundo, irritado.
Tinha raiva dos ambiciosos e interesseiros.
— Eles não têm certeza se você é vivo ou morto.
Mas ao invés de procurar descobrir, eles querem lhe passar a perna.
Afirmaram em ofício que você está morto.
E, como está desaparecido há vinte anos, se não aparecer com os documentos provando que está vivo, eles herdarão tudo.
— Como foi que me descobriu aqui? — inquiriu Raimundo, desconfiado.
— Conheci sua mãe. Fui amigo dela.
Sempre procurou saber onde estava o filho.
Fui encarregado de procurá-lo.
Mas infelizmente, só seis meses depois de sua morte consegui achá-lo.
Se ela fosse viva, como ficaria feliz!
Raimundo tranquilizou-se.
Se era amigo de sua mãe, devia ser gente de bem.
Depois, eles tinham razão.
Seria doloroso que esses parentes sem escrúpulos, ambiciosos, que se alegraram com a morte dela e apressaram-se a dizê-lo morto, ficassem com tudo.
Não era justo, Não gostava da cidade.
Encarava o povo da metrópole como um ninho de assaltantes e hipócritas.
Mas era homem de coragem. Ia até lá, recebia tudo.
Resolvia o destino que daria aos bens e depois voltaria para sua casa, com dinheiro para viver tranquilo, suprindo as próprias necessidades.
— Tá certo, doto. Eu vou.
E num perciso doce, Bastião.
Vô só. Vô e vorto logo que desocupa.
— Muito bem — fez o advogado satisfeito.
Fico contente que tenha concordado. Assim é melhor.
Agora vamos indo.
Amanhã cedinho voltaremos.
Depois, pega o que desejar, e se não quiser ficar por lá, volta pra cá.
Você não é obrigado a ficar lá.
Precisa ir porque sua presença é necessária para fins legais.
Decidirá o que quer.
Ninguém pode obrigá-lo a nada.
Se resolver dar toda sua fortuna, ninguém tem nada com isso.
Raimundo permaneceu pensativo, indeciso.
— Vai, home — animou Bastião, cujos olhos miúdos vibravam de cobiça.
— se quisé, eu posso i junto.
Eu num deixava essa dinherama pra esses parentes que sua mãe num gostava. É desaforo.
— É — disse o advogado, com astúcia — tem razão.
Eles abriram o inventário, alegando que você está morto e que os únicos e verdadeiros herdeiros são eles.
— Mai eu tô vivo — tornou Raimundo, irritado.
Tinha raiva dos ambiciosos e interesseiros.
— Eles não têm certeza se você é vivo ou morto.
Mas ao invés de procurar descobrir, eles querem lhe passar a perna.
Afirmaram em ofício que você está morto.
E, como está desaparecido há vinte anos, se não aparecer com os documentos provando que está vivo, eles herdarão tudo.
— Como foi que me descobriu aqui? — inquiriu Raimundo, desconfiado.
— Conheci sua mãe. Fui amigo dela.
Sempre procurou saber onde estava o filho.
Fui encarregado de procurá-lo.
Mas infelizmente, só seis meses depois de sua morte consegui achá-lo.
Se ela fosse viva, como ficaria feliz!
Raimundo tranquilizou-se.
Se era amigo de sua mãe, devia ser gente de bem.
Depois, eles tinham razão.
Seria doloroso que esses parentes sem escrúpulos, ambiciosos, que se alegraram com a morte dela e apressaram-se a dizê-lo morto, ficassem com tudo.
Não era justo, Não gostava da cidade.
Encarava o povo da metrópole como um ninho de assaltantes e hipócritas.
Mas era homem de coragem. Ia até lá, recebia tudo.
Resolvia o destino que daria aos bens e depois voltaria para sua casa, com dinheiro para viver tranquilo, suprindo as próprias necessidades.
— Tá certo, doto. Eu vou.
E num perciso doce, Bastião.
Vô só. Vô e vorto logo que desocupa.
— Muito bem — fez o advogado satisfeito.
Fico contente que tenha concordado. Assim é melhor.
Agora vamos indo.
Amanhã cedinho voltaremos.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
Raimundo abanou a cabeça.
— Mior fica por aqui. Essa hora é perigosa.
As onça tão sorta e cum fome.
Num garanto que cheguem na vila.
— É verdade — confirmou Bastião.
Eu num arrisco. O mior é fica aqui hoje e manhã cedinho nóis vai simbora.
Não lhes agradava passar a noite na tosca cabana, mas sabiam que o lugar era perigoso e a cara dos dois não era de brincadeira.
— Então vamos no jipe apanhar comida e alguns objectos.
— Pêra um poço.
Raimundo pegou um archote que estava sobre o fogão e acendeu-o.
— Agora eu vô na frente. Ocês vão comigo de olho aberto, bem perto.
— Está certo. Vá você, Juvenal, eu espero aqui.
Com o tição aceso foram até o carro, de onde o jornalista apanhou alguns sacos de viagem.
Depois foram pegar a rede que estava na árvore ao lado. Voltaram para casa.
Comeram pão e outras guloseimas que tinham trazido enquanto Raimundo servia o café, e depois da porta bem trancada, acomodaram-se.
Raimundo numa rede, o advogado na outra.
O jornalista colocou seu cobertor de viagem no chão duro, procurando ajeitar-se, enquanto Bastião acocorava-se a um canto.
Deitado na rede, Raimundo não conseguia conciliar o sono.
Tantas ideias em sua cabeça deixavam-no aturdido.
Em poucos minutos sua vida calma transformara-se.
Nunca tinha ido a cidade.
Parecia-lhe tão distante, como se fosse um outro planeta, quase inatingível.
Seu pai sempre comentava a vida em sociedade com pessimismo.
Os homens da cidade eram todos hipócritas e perversos.
Quem quisesse sossego devia viver longe da civilização.
Sua vida não era ruim.
Tinha saúde, tranquilidade, o céu, as árvores, o rio.
Era livre. Fazia o que lhe dava vontade.
Horrorizava-o a ideia de que os homens na cidade tinham que submeter-se aos patrões com hora para tudo.
Às vezes ficava imaginando como deveria ser a vida por lá.
Mulheres pintadas como vira em uma revista na vila.
Mas, mesmo que sentisse alguma curiosidade em ver como era, não tinha dinheiro para uma viagem dessas.
Agora, quando menos esperava, tudo tinha se arranjado, não só para conhecer como para morar se quisesse. Palacete e tudo.
Raimundo remexeu-se na rede, aflito.
Pensara estar só no mundo, de repente surgem parentes, dinheiro, posses, etc.
Custava-lhe crer. Parecia-lhe mentira.
— Mior fica por aqui. Essa hora é perigosa.
As onça tão sorta e cum fome.
Num garanto que cheguem na vila.
— É verdade — confirmou Bastião.
Eu num arrisco. O mior é fica aqui hoje e manhã cedinho nóis vai simbora.
Não lhes agradava passar a noite na tosca cabana, mas sabiam que o lugar era perigoso e a cara dos dois não era de brincadeira.
— Então vamos no jipe apanhar comida e alguns objectos.
— Pêra um poço.
Raimundo pegou um archote que estava sobre o fogão e acendeu-o.
— Agora eu vô na frente. Ocês vão comigo de olho aberto, bem perto.
— Está certo. Vá você, Juvenal, eu espero aqui.
Com o tição aceso foram até o carro, de onde o jornalista apanhou alguns sacos de viagem.
Depois foram pegar a rede que estava na árvore ao lado. Voltaram para casa.
Comeram pão e outras guloseimas que tinham trazido enquanto Raimundo servia o café, e depois da porta bem trancada, acomodaram-se.
Raimundo numa rede, o advogado na outra.
O jornalista colocou seu cobertor de viagem no chão duro, procurando ajeitar-se, enquanto Bastião acocorava-se a um canto.
Deitado na rede, Raimundo não conseguia conciliar o sono.
Tantas ideias em sua cabeça deixavam-no aturdido.
Em poucos minutos sua vida calma transformara-se.
Nunca tinha ido a cidade.
Parecia-lhe tão distante, como se fosse um outro planeta, quase inatingível.
Seu pai sempre comentava a vida em sociedade com pessimismo.
Os homens da cidade eram todos hipócritas e perversos.
Quem quisesse sossego devia viver longe da civilização.
Sua vida não era ruim.
Tinha saúde, tranquilidade, o céu, as árvores, o rio.
Era livre. Fazia o que lhe dava vontade.
Horrorizava-o a ideia de que os homens na cidade tinham que submeter-se aos patrões com hora para tudo.
Às vezes ficava imaginando como deveria ser a vida por lá.
Mulheres pintadas como vira em uma revista na vila.
Mas, mesmo que sentisse alguma curiosidade em ver como era, não tinha dinheiro para uma viagem dessas.
Agora, quando menos esperava, tudo tinha se arranjado, não só para conhecer como para morar se quisesse. Palacete e tudo.
Raimundo remexeu-se na rede, aflito.
Pensara estar só no mundo, de repente surgem parentes, dinheiro, posses, etc.
Custava-lhe crer. Parecia-lhe mentira.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
Mas como não acreditar?
O advogado conhecia a vida de seu pai muito mais do que ele próprio.
Conhecera-lhe a mãe, o avô, a família...
Sentiu certa curiosidade.
Gente fina, por certo, gente rica, letrada, da cidade.
Como iam recebê-lo?
Remexia-se na rede sem conseguir dormir.
Era noite alta quando finalmente pôde conciliar o sono.
Sono inquieto, em que as fisionomias misturavam-se à sua frente.
O rosto do pai, barbudo e enérgico, o rosto suave da mãe, o advogado, o jornalista, não lhe permitindo um repouso tranquilo.
Quando os galos começaram a cantar, abriu os olhos em sobressalto.
Foi á janela. Cinco horas, com certeza.
Acendeu o fogo e botou a água para o café.
Bastião abriu os olhos com vivacidade.
O cheiro gostoso do café sempre o animava.
O jornalista também acordou.
Apesar do chão duro, o cansaço o fizera dormir profundamente.
Sentia-se bem disposto.
Voltar à cidade era uma boa perspectiva.
Havia um mês que procuravam pelo Raimundo pelas redondezas.
Finalmente podiam voltar, e que reportagem faria!
Pensando bem, talvez a fortuna do Geraldo precisasse de administradores.
O advogado certamente esperava passar a mão em grande parte daquele dinheiro, uma vez que o pobre matuto era imbecil a ponto de nem querer recebê-lo.
Depois, ignorante e analfabeto, fácil lhe seria, como advogado, ludibriá-lo.
Ele não pretendia largar o osso.
Afinal, deixara tudo e trabalhara intensamente nessa busca havia vários meses.
Dr. Olavo prometera-lhe largo furo de reportagem, mas agora ele achava que podia conseguir muito mais.
Bem-humorado, acordou o companheiro e apressaram-se a tomar breve refeição.
— Vamos embora — fez o Dr. Olavo com decisão.
Temos algumas horas de estrada e pretendo
chegar a Cuiabá antes do anoitecer.
Raimundo vestiu a melhor roupa, e vendo-o, o advogado esclareceu:
— Essa roupa decerto não serve para a cidade.
Quando chegarmos lá, vamos comprar tudo novo.
Raimundo olhou-o com calma.
O advogado conhecia a vida de seu pai muito mais do que ele próprio.
Conhecera-lhe a mãe, o avô, a família...
Sentiu certa curiosidade.
Gente fina, por certo, gente rica, letrada, da cidade.
Como iam recebê-lo?
Remexia-se na rede sem conseguir dormir.
Era noite alta quando finalmente pôde conciliar o sono.
Sono inquieto, em que as fisionomias misturavam-se à sua frente.
O rosto do pai, barbudo e enérgico, o rosto suave da mãe, o advogado, o jornalista, não lhe permitindo um repouso tranquilo.
Quando os galos começaram a cantar, abriu os olhos em sobressalto.
Foi á janela. Cinco horas, com certeza.
Acendeu o fogo e botou a água para o café.
Bastião abriu os olhos com vivacidade.
O cheiro gostoso do café sempre o animava.
O jornalista também acordou.
Apesar do chão duro, o cansaço o fizera dormir profundamente.
Sentia-se bem disposto.
Voltar à cidade era uma boa perspectiva.
Havia um mês que procuravam pelo Raimundo pelas redondezas.
Finalmente podiam voltar, e que reportagem faria!
Pensando bem, talvez a fortuna do Geraldo precisasse de administradores.
O advogado certamente esperava passar a mão em grande parte daquele dinheiro, uma vez que o pobre matuto era imbecil a ponto de nem querer recebê-lo.
Depois, ignorante e analfabeto, fácil lhe seria, como advogado, ludibriá-lo.
Ele não pretendia largar o osso.
Afinal, deixara tudo e trabalhara intensamente nessa busca havia vários meses.
Dr. Olavo prometera-lhe largo furo de reportagem, mas agora ele achava que podia conseguir muito mais.
Bem-humorado, acordou o companheiro e apressaram-se a tomar breve refeição.
— Vamos embora — fez o Dr. Olavo com decisão.
Temos algumas horas de estrada e pretendo
chegar a Cuiabá antes do anoitecer.
Raimundo vestiu a melhor roupa, e vendo-o, o advogado esclareceu:
— Essa roupa decerto não serve para a cidade.
Quando chegarmos lá, vamos comprar tudo novo.
Raimundo olhou-o com calma.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
— Num carece. Num tenho dinheiro.
— Bobagem. Você é um homem rico.
Eu tenho e vou emprestar para as primeiras despesas.
Depois você me paga.
Raimundo abanou a cabeça:
— Num perciso. A ropa serve só para agasaiá o corpo.
Essa é muito boa.
O advogado irritou-se, mas o homem era teimoso.
Melhor não contrariá-lo.
Procurando imprimir um tom calmo à voz, tornou, conciliador:
— Não é isso. Na cidade, as pessoas usam roupas diferentes.
Se você aparecer assim por lá, todos vão olhá-lo e pensar que você é um mendigo.
Eles dão muita importância às roupas, e enquanto estiver lá, é preciso que se vista bem.
Afinal, você agora é um homem rico.
— Isso não muda nada. Sou o mesmo de antes.
Num sei calça aqueles sapatos, nem vesti ropa cheia de capricho.
Despois, sou ansim i num vô muda. Quem acha ruim que coma menos.
Ninguém vai me obriga a fazê o que num gosto.
O advogado achou prudente calar-se.
Estava irritado, e se ofendesse aquele maluco era bem capaz dele desistir da viagem.
Aí, adeus dinheiro, adeus posição, adeus tudo.
— Está certo. Seja como você quiser — murmurou, conciliador.
Decidiu não dizer nada mais.
Contrariado, viu Raimundo colocar uma muda de roupa numa toalha e fazer uma trouxa.
Teve que esperar com paciência que ele fosse chamar um seu vizinho, autorizando-o a baldear as galinhas para o seu galinheiro, cuidando delas até que voltasse.
Podia lucrar os ovos e comer os frangos que ficassem no ponto.
Pediu-lhe para olhar a casa até a volta.
O dia já tinha amanhecido de todo quando os quatro homens instalados no jipe, iniciaram sua viagem.
Olhando as paisagens familiares e queridas que ia deixando para trás, Raimundo sentiu um aperto no coração.
Mas, ao mesmo tempo, um sentimento de curiosidade pelo mundo do outro lado daquelas matas começou a brotar, vivo e ansioso em seu peito oprimido.
Como seria esse mundo que iria conhecer?
— Bobagem. Você é um homem rico.
Eu tenho e vou emprestar para as primeiras despesas.
Depois você me paga.
Raimundo abanou a cabeça:
— Num perciso. A ropa serve só para agasaiá o corpo.
Essa é muito boa.
O advogado irritou-se, mas o homem era teimoso.
Melhor não contrariá-lo.
Procurando imprimir um tom calmo à voz, tornou, conciliador:
— Não é isso. Na cidade, as pessoas usam roupas diferentes.
Se você aparecer assim por lá, todos vão olhá-lo e pensar que você é um mendigo.
Eles dão muita importância às roupas, e enquanto estiver lá, é preciso que se vista bem.
Afinal, você agora é um homem rico.
— Isso não muda nada. Sou o mesmo de antes.
Num sei calça aqueles sapatos, nem vesti ropa cheia de capricho.
Despois, sou ansim i num vô muda. Quem acha ruim que coma menos.
Ninguém vai me obriga a fazê o que num gosto.
O advogado achou prudente calar-se.
Estava irritado, e se ofendesse aquele maluco era bem capaz dele desistir da viagem.
Aí, adeus dinheiro, adeus posição, adeus tudo.
— Está certo. Seja como você quiser — murmurou, conciliador.
Decidiu não dizer nada mais.
Contrariado, viu Raimundo colocar uma muda de roupa numa toalha e fazer uma trouxa.
Teve que esperar com paciência que ele fosse chamar um seu vizinho, autorizando-o a baldear as galinhas para o seu galinheiro, cuidando delas até que voltasse.
Podia lucrar os ovos e comer os frangos que ficassem no ponto.
Pediu-lhe para olhar a casa até a volta.
O dia já tinha amanhecido de todo quando os quatro homens instalados no jipe, iniciaram sua viagem.
Olhando as paisagens familiares e queridas que ia deixando para trás, Raimundo sentiu um aperto no coração.
Mas, ao mesmo tempo, um sentimento de curiosidade pelo mundo do outro lado daquelas matas começou a brotar, vivo e ansioso em seu peito oprimido.
Como seria esse mundo que iria conhecer?
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
CAPÍTULO II
A viagem decorreu em silêncio, cada qual engolfado nos próprios pensamento.
Só Bastião, falante e excitado com a aventura do Raimundo tentava uma palestra, sem êxito. Ninguém tinha vontade de conversar.
Ele conhecia Raimundo desde que viera para aquelas terras porque o seu Zé e o filho tinham morado alguns meses na vila, gastando no armazém de seu pai.
Ele era criança ainda e muitas vezes tinha brincado com Raimundo.
Depois que eles se mudaram para aquele fundo, sempre continuaram a comprar no armazém do Bastião.
Quando os homens chegaram à vila perguntando por um homem com o filho não lhes identificou os nomes, mas vendo o retrato de seu Zé logo o reconheceu, apesar de estar agora mais envelhecido.
Sabedor da novidade, prontificou-se a levá-los à casa de Raimundo.
O repórter tirou fotografia sua e de sua casa, dizendo que ia sair no jornal, e Bastião não se cabia de alegria.
Chegaram à vila, reabasteceram o carro e a custo conseguiram despedir-se do Bastião, tal a sua excitação.
— Quando vortá, passo por aqui.
Aí, conto tudo — prometeu Raimundo, mais para livrar-se dele.
— Se ocê vortá!
— Nunca fui home de duas palavra.
Vou resorvê tudo e vorto. Ocê vai vê.
Na vila, o assunto corria de boca em boca.
Raimundo milionário! Parecia mentira.
Ficaram por lá apenas uma hora, mas foi o bastante para o povo todo vir ver o herói.
Conversavam, riam, pediam ajuda, alguns até oferecendo-lhe quitandas para a viagem.
Raimundo pareceu contrariado.
Não gostava de atrair a atenção queria sossego.
Nunca fora da intimidade daquela gente.
Dr. Olavo tratou de buzinar para abrir caminho e sair dali o mais rápido possível.
Quando viram-se longe da algazarra, Raimundo comentou:
— Num sei pru que isso.
Sempre vim aqui e ninguém nunca se importo.
— Agora você é rico e famoso.
Raimundo deu de ombros:
— Bobage. Sou a mesma pessoa, nem mais gordo, nem mais magro.
Bestera do povo. Farsidade.
Os dois calaram-se.
A rudeza do rapaz confundia-os.
Continuaram a viagem em silêncio.
A estrada era deserta, apenas alguns vilarejos muito pobres de quando em quando.
Comeram na estrada mesmo, ao lado de uma fonte onde encheram os garrafões e descansaram um pouco.
A viagem decorreu em silêncio, cada qual engolfado nos próprios pensamento.
Só Bastião, falante e excitado com a aventura do Raimundo tentava uma palestra, sem êxito. Ninguém tinha vontade de conversar.
Ele conhecia Raimundo desde que viera para aquelas terras porque o seu Zé e o filho tinham morado alguns meses na vila, gastando no armazém de seu pai.
Ele era criança ainda e muitas vezes tinha brincado com Raimundo.
Depois que eles se mudaram para aquele fundo, sempre continuaram a comprar no armazém do Bastião.
Quando os homens chegaram à vila perguntando por um homem com o filho não lhes identificou os nomes, mas vendo o retrato de seu Zé logo o reconheceu, apesar de estar agora mais envelhecido.
Sabedor da novidade, prontificou-se a levá-los à casa de Raimundo.
O repórter tirou fotografia sua e de sua casa, dizendo que ia sair no jornal, e Bastião não se cabia de alegria.
Chegaram à vila, reabasteceram o carro e a custo conseguiram despedir-se do Bastião, tal a sua excitação.
— Quando vortá, passo por aqui.
Aí, conto tudo — prometeu Raimundo, mais para livrar-se dele.
— Se ocê vortá!
— Nunca fui home de duas palavra.
Vou resorvê tudo e vorto. Ocê vai vê.
Na vila, o assunto corria de boca em boca.
Raimundo milionário! Parecia mentira.
Ficaram por lá apenas uma hora, mas foi o bastante para o povo todo vir ver o herói.
Conversavam, riam, pediam ajuda, alguns até oferecendo-lhe quitandas para a viagem.
Raimundo pareceu contrariado.
Não gostava de atrair a atenção queria sossego.
Nunca fora da intimidade daquela gente.
Dr. Olavo tratou de buzinar para abrir caminho e sair dali o mais rápido possível.
Quando viram-se longe da algazarra, Raimundo comentou:
— Num sei pru que isso.
Sempre vim aqui e ninguém nunca se importo.
— Agora você é rico e famoso.
Raimundo deu de ombros:
— Bobage. Sou a mesma pessoa, nem mais gordo, nem mais magro.
Bestera do povo. Farsidade.
Os dois calaram-se.
A rudeza do rapaz confundia-os.
Continuaram a viagem em silêncio.
A estrada era deserta, apenas alguns vilarejos muito pobres de quando em quando.
Comeram na estrada mesmo, ao lado de uma fonte onde encheram os garrafões e descansaram um pouco.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
O jornalista revezava-se na direcção com o advogado.
Raimundo, calado, observava-lhes os gesto e movimentos.
Só ao entardecer, cansados porém satisfeitos, chegaram a Cuiabá.
Depois de instalarem-se em dois quartos, o advogado sugeriu:
— Melhor tomarmos um bom banho — estava um pouco preocupado com a figura empoeirada de Raimundo.
— Num sô sujo não, doto.
Costumo me banha todo dia.
Olavo procurou dissimular sua intenção lançando olhares examinadores pelas instalações modestas dos aposentos, enquanto que o jornalista continha o riso.
— Vamos jantar no quarto mesmo — acrescentou Olavo, tentando imprimir à voz tom de naturalidade.
Estamos muito cansados. Depois precisamos acertar nossa viagem o quanto antes.
Na verdade, o causídico não queria comer na mesa com aquele bicho-do-mato, talvez ele nem soubesse sentar-se frente a uma toalha limpa.
O pior é que ele era muito teimoso, não era maleável.
Tinha opinião própria e não aceitava conselhos.
Pior para ele. Seria ridicularizado por todos até aprender.
Depois de limpos e bem alimentados, recolheram-se para dormir.
O cansaço era grande e o dia seguinte prometia ser trabalhoso.
O sol ia alto quando Juvenal acordou.
Levantou-se um pouco assustado e, dirigindo-se ao quarto ao lado onde ficaram os outros dois, tranquilizou-se ao verificar que o advogado dormia placidamente.
Não confiava nele.
Temia que ele tivesse saído cedo para livrar-se do seu concurso.
Claro que o Dr. Olavo já devia ter percebido que ele não se contentaria com a reportagem em modesto jornal interiorano.
Suspirou aliviado;
mas, quando procurou por Geraldo, o leito estava vazio.
Verificou nos banheiros, no corredor, nada.
— Dr. Olavo, Dr. Olavo.
Acorde. Nosso homem não está aqui.
Olavo acordou assustado, sentando-se na cama, olhos abertos, meio apalermado.
— Como?! Não está? Você já procurou?
— Procurei, por aqui não achei.
— Vamos, precisamos encontrá-lo.
Pode ser que ele tenha se arrependido e resolvido voltar.
Um calafrio percorreu-lhes a espinha.
Enquanto o advogado procurava as calças e as vestia precipitadamente, o jornalista descia as escadas rumo à recepção do hotel.
Um funcionário atrás do balcãozinho estreito lia um jornal com atenção.
Raimundo, calado, observava-lhes os gesto e movimentos.
Só ao entardecer, cansados porém satisfeitos, chegaram a Cuiabá.
Depois de instalarem-se em dois quartos, o advogado sugeriu:
— Melhor tomarmos um bom banho — estava um pouco preocupado com a figura empoeirada de Raimundo.
— Num sô sujo não, doto.
Costumo me banha todo dia.
Olavo procurou dissimular sua intenção lançando olhares examinadores pelas instalações modestas dos aposentos, enquanto que o jornalista continha o riso.
— Vamos jantar no quarto mesmo — acrescentou Olavo, tentando imprimir à voz tom de naturalidade.
Estamos muito cansados. Depois precisamos acertar nossa viagem o quanto antes.
Na verdade, o causídico não queria comer na mesa com aquele bicho-do-mato, talvez ele nem soubesse sentar-se frente a uma toalha limpa.
O pior é que ele era muito teimoso, não era maleável.
Tinha opinião própria e não aceitava conselhos.
Pior para ele. Seria ridicularizado por todos até aprender.
Depois de limpos e bem alimentados, recolheram-se para dormir.
O cansaço era grande e o dia seguinte prometia ser trabalhoso.
O sol ia alto quando Juvenal acordou.
Levantou-se um pouco assustado e, dirigindo-se ao quarto ao lado onde ficaram os outros dois, tranquilizou-se ao verificar que o advogado dormia placidamente.
Não confiava nele.
Temia que ele tivesse saído cedo para livrar-se do seu concurso.
Claro que o Dr. Olavo já devia ter percebido que ele não se contentaria com a reportagem em modesto jornal interiorano.
Suspirou aliviado;
mas, quando procurou por Geraldo, o leito estava vazio.
Verificou nos banheiros, no corredor, nada.
— Dr. Olavo, Dr. Olavo.
Acorde. Nosso homem não está aqui.
Olavo acordou assustado, sentando-se na cama, olhos abertos, meio apalermado.
— Como?! Não está? Você já procurou?
— Procurei, por aqui não achei.
— Vamos, precisamos encontrá-lo.
Pode ser que ele tenha se arrependido e resolvido voltar.
Um calafrio percorreu-lhes a espinha.
Enquanto o advogado procurava as calças e as vestia precipitadamente, o jornalista descia as escadas rumo à recepção do hotel.
Um funcionário atrás do balcãozinho estreito lia um jornal com atenção.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
— Moço, faz favor. Você está aqui há muito tempo?
— Estou, sim. O que aconteceu?
— Você viu sair um homem alto, magro, de barba, camisa xadrez?
— O moço que veio ontem com os senhores?
— Sim.
— Vi. sim. Ele disse que ia dar uma volta.
Achou o quarto muito abafado Queria ver a cidade.
O outro suspirou, aliviado.
— Viu se levava alguma coisa?
— Que coisa? O Sr. acha que ele roubou?
— Não, não é isso. Perguntei se ele levou a trouxa com a roupa.
— Ah! Bom. Não levou nada. Estava com as mãos vazias.
— Está bem. Obrigado — e, virando-se para o advogado que, esbaforido, já chegara à portaria, explicou:
— Não se preocupe. Nosso homem foi tomar ar.
Achou o quarto abafado. Foi conhecer a cidade.
O advogado bufou, impaciente:
— Esta agora! Ele pode perder-se! Não conhece nada aqui.
O porteiro deixou escapar uma risada.
— Perder-se? Ele? É mais fácil acontecer com o pessoal da cidade.
Matuto não se perde.
— Vamos esperar lá em cima — tornou Olavo ao companheiro.
E, dirigindo-se ao porteiro:
— Mande servir café completo no quarto.
Será que ele foi só passear mesmo?
— Acho que sim — respondeu Juvenal.
A curiosidade dele é natural.
Talvez seja até bom que ele veja como os outros se vestem diferente dele.
Veja, a trouxa está lá dentro do armário.
Podemos ficar tranquilos.
Acho que ele abandonará a fortuna, mas jamais a trouxa com a roupa.
Reparou como ele cuidou dela o tempo todo?
O advogado riu, mais calmo.
— Puxa, que susto. Se ele desiste, adeus herança.
Os parentes herdam tudo e eu ficarei de fora.
Não é justo, depois do trabalho que tive.
— É Dr. Olavo, foi bom entrarmos no assunto.
Também quero melhorar a vida e acho que há dinheiro para todos nós.
Eu desejo acompanhá-los a São Paulo.
— Em que condições?
— Na de ajudá-lo a conseguir o que deseja.
Trabalhar consigo.
Vai precisar de quem o assista na luta que o espera.
Juntos teremos melhores possibilidades de êxito.
— Estou, sim. O que aconteceu?
— Você viu sair um homem alto, magro, de barba, camisa xadrez?
— O moço que veio ontem com os senhores?
— Sim.
— Vi. sim. Ele disse que ia dar uma volta.
Achou o quarto muito abafado Queria ver a cidade.
O outro suspirou, aliviado.
— Viu se levava alguma coisa?
— Que coisa? O Sr. acha que ele roubou?
— Não, não é isso. Perguntei se ele levou a trouxa com a roupa.
— Ah! Bom. Não levou nada. Estava com as mãos vazias.
— Está bem. Obrigado — e, virando-se para o advogado que, esbaforido, já chegara à portaria, explicou:
— Não se preocupe. Nosso homem foi tomar ar.
Achou o quarto abafado. Foi conhecer a cidade.
O advogado bufou, impaciente:
— Esta agora! Ele pode perder-se! Não conhece nada aqui.
O porteiro deixou escapar uma risada.
— Perder-se? Ele? É mais fácil acontecer com o pessoal da cidade.
Matuto não se perde.
— Vamos esperar lá em cima — tornou Olavo ao companheiro.
E, dirigindo-se ao porteiro:
— Mande servir café completo no quarto.
Será que ele foi só passear mesmo?
— Acho que sim — respondeu Juvenal.
A curiosidade dele é natural.
Talvez seja até bom que ele veja como os outros se vestem diferente dele.
Veja, a trouxa está lá dentro do armário.
Podemos ficar tranquilos.
Acho que ele abandonará a fortuna, mas jamais a trouxa com a roupa.
Reparou como ele cuidou dela o tempo todo?
O advogado riu, mais calmo.
— Puxa, que susto. Se ele desiste, adeus herança.
Os parentes herdam tudo e eu ficarei de fora.
Não é justo, depois do trabalho que tive.
— É Dr. Olavo, foi bom entrarmos no assunto.
Também quero melhorar a vida e acho que há dinheiro para todos nós.
Eu desejo acompanhá-los a São Paulo.
— Em que condições?
— Na de ajudá-lo a conseguir o que deseja.
Trabalhar consigo.
Vai precisar de quem o assista na luta que o espera.
Juntos teremos melhores possibilidades de êxito.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
— É... A ideia não é má.
Você realmente tem me ajudado, mas veja bem, não sei em que condições vamos trabalhar.
Este maluco vai nos causar problemas.
Parece até que já estou vendo.
É bronco feito uma porta, e o pior é que precisamos dele.
— Impacientar-se não adianta.
Tracemos o plano com calma. Amansá-lo é questão de tempo.
Precisamos captar-lhe a confiança.
Depois, faremos tudo o que quisermos dele.
O outro suspirou:
— É. Acho que preciso mesmo de você.
Não tenho paciência com a burrice dele.
— Então fica acertado, somos sócios.
Cinquenta por cento.
O outro pulou.
— Cinquenta por cento?! Você endoideceu.
Afinal, a causa é minha e sou eu quem vai enfrentar a situação judicialmente.
Você é simples jornalista, apenas meu assistente.
Dou-lhe 10 por cento, o que já é muito.
Discutiram acaloradamente, chegando ao acordo dos 30%, dos quais o advogado não arredou pé, alegando despesas do seu escritório em São Paulo, etc., etc.
Desejavam viajar de avião até o Rio, mas receavam o comportamento do matuto num avião.
Por outro lado, a viagem de trem era muito cansativa e demorada.
Não tinham chegado a nenhuma conclusão quando a figura de Geraldo apontou na porta.
O advogado sorriu, procurando ser amável.
— Bom dia, amigo. Já tomou seu café?
— Já. Fui pra cozinha logo cedo.
Procurando não demonstrar irritação, o advogado explicou:
— Geraldo, num hotel estamos pagando.
Por isso, os empregados vêm trazer o café no quarto ou nos sentamos à mesa no salão e lá somos servidos.
Não fica bem entrarmos na cozinha.
— Pru quê? Num tô duente pra sê servido.
Dispois, olha esse pão que ocês tão comeno, parece duro, o café garanto que veio frio.
Lá eu escolhi o mió, bebi café coado na hora, comi broa quentinha e cunversei co'a dona que vai fazê pra mim um armoço especiá.
Vendo a cara assustada do Dr. Olavo, Juvenal mal conteve o riso.
— Vejo que não perdeu tempo.
Foi melhor servido do que nós — e chegando-se mais perguntou, curioso:
Conte-nos agora, o que achou da cidade?
— É diferente do que eu vi na revista.
As casa pequena, pensei que fosse maio.
Você realmente tem me ajudado, mas veja bem, não sei em que condições vamos trabalhar.
Este maluco vai nos causar problemas.
Parece até que já estou vendo.
É bronco feito uma porta, e o pior é que precisamos dele.
— Impacientar-se não adianta.
Tracemos o plano com calma. Amansá-lo é questão de tempo.
Precisamos captar-lhe a confiança.
Depois, faremos tudo o que quisermos dele.
O outro suspirou:
— É. Acho que preciso mesmo de você.
Não tenho paciência com a burrice dele.
— Então fica acertado, somos sócios.
Cinquenta por cento.
O outro pulou.
— Cinquenta por cento?! Você endoideceu.
Afinal, a causa é minha e sou eu quem vai enfrentar a situação judicialmente.
Você é simples jornalista, apenas meu assistente.
Dou-lhe 10 por cento, o que já é muito.
Discutiram acaloradamente, chegando ao acordo dos 30%, dos quais o advogado não arredou pé, alegando despesas do seu escritório em São Paulo, etc., etc.
Desejavam viajar de avião até o Rio, mas receavam o comportamento do matuto num avião.
Por outro lado, a viagem de trem era muito cansativa e demorada.
Não tinham chegado a nenhuma conclusão quando a figura de Geraldo apontou na porta.
O advogado sorriu, procurando ser amável.
— Bom dia, amigo. Já tomou seu café?
— Já. Fui pra cozinha logo cedo.
Procurando não demonstrar irritação, o advogado explicou:
— Geraldo, num hotel estamos pagando.
Por isso, os empregados vêm trazer o café no quarto ou nos sentamos à mesa no salão e lá somos servidos.
Não fica bem entrarmos na cozinha.
— Pru quê? Num tô duente pra sê servido.
Dispois, olha esse pão que ocês tão comeno, parece duro, o café garanto que veio frio.
Lá eu escolhi o mió, bebi café coado na hora, comi broa quentinha e cunversei co'a dona que vai fazê pra mim um armoço especiá.
Vendo a cara assustada do Dr. Olavo, Juvenal mal conteve o riso.
— Vejo que não perdeu tempo.
Foi melhor servido do que nós — e chegando-se mais perguntou, curioso:
Conte-nos agora, o que achou da cidade?
— É diferente do que eu vi na revista.
As casa pequena, pensei que fosse maio.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
— Espere até chegarmos a São Paulo — fez o jornalista.
— Num é igual?
— Não. Não é. Os prédios são grandes.
As mulheres são muito bonitas.
Os dois olharam com curiosidade para Geraldo.
Como se arranjaria ele com as mulheres?
Teria alguma experiência?
— Por agora, num vi muié bunita.
Só se pra lá for mior.
— Certamente. No Rio de Janeiro, em São Paulo, as moças são de pele fina e cheirosa, vestem-se muito bem, são deliciosas.
Juvenal suspirou, empolgado, pensando já na sua vida com muito dinheiro na cidade grande.
— Muié feia num serve, muié bunita é marvada e perigosa.
Mió abri o olho co'elas.
— É isso mesmo — ajuntou o advogado.
Geraldo, você precisa ter muito cuidado.
Elas vão correr atrás de você por causa do seu dinheiro.
Não pode acreditar nelas, senão elas o depenam.
— Depenam?
— É, tiram-lhe até a roupa do corpo.
— Carece nasce a muié que vai me tapiá. Num sô trouxa.
— É... acho que não mesmo. Precisamos combinar a viagem.
É muito longe, e se formos de trem gastaremos muito tempo e ficaremos muito cansados.
O melhor é irmos de avião — disse isso e olhou para Geraldo receoso.
— Viaja de aeroplano? Subi lá no céu?
— É... Foi o que pensamos.
Em poucas horas estaremos no Rio e de lá seguiremos para São Paulo.
Se tem medo e prefere ir de trem, iremos — apressou-se Olavo a acrescentar.
— Puxa! Subi lá no alto! Quem diria! Eu quero subi.
Nunca vi um aeroplano no chão. Dizem que é muito grande.
Decididamente, ele era imprevisível.
Pela primeira vez entusiasmava-se com alguma coisa.
Fazia lembrar uma criança.
— Pois seja. Juvenal, vá agora mesmo ver nossas passagens.
Partiremos o quanto antes.
Geraldo estava curioso.
Como o avião baixava?
Como cabia tanta gente dentro?
Como ele conseguia voar?
Dr. Olavo, embora um pouco caceteado, procurava prestar esclarecimentos.
— Num é igual?
— Não. Não é. Os prédios são grandes.
As mulheres são muito bonitas.
Os dois olharam com curiosidade para Geraldo.
Como se arranjaria ele com as mulheres?
Teria alguma experiência?
— Por agora, num vi muié bunita.
Só se pra lá for mior.
— Certamente. No Rio de Janeiro, em São Paulo, as moças são de pele fina e cheirosa, vestem-se muito bem, são deliciosas.
Juvenal suspirou, empolgado, pensando já na sua vida com muito dinheiro na cidade grande.
— Muié feia num serve, muié bunita é marvada e perigosa.
Mió abri o olho co'elas.
— É isso mesmo — ajuntou o advogado.
Geraldo, você precisa ter muito cuidado.
Elas vão correr atrás de você por causa do seu dinheiro.
Não pode acreditar nelas, senão elas o depenam.
— Depenam?
— É, tiram-lhe até a roupa do corpo.
— Carece nasce a muié que vai me tapiá. Num sô trouxa.
— É... acho que não mesmo. Precisamos combinar a viagem.
É muito longe, e se formos de trem gastaremos muito tempo e ficaremos muito cansados.
O melhor é irmos de avião — disse isso e olhou para Geraldo receoso.
— Viaja de aeroplano? Subi lá no céu?
— É... Foi o que pensamos.
Em poucas horas estaremos no Rio e de lá seguiremos para São Paulo.
Se tem medo e prefere ir de trem, iremos — apressou-se Olavo a acrescentar.
— Puxa! Subi lá no alto! Quem diria! Eu quero subi.
Nunca vi um aeroplano no chão. Dizem que é muito grande.
Decididamente, ele era imprevisível.
Pela primeira vez entusiasmava-se com alguma coisa.
Fazia lembrar uma criança.
— Pois seja. Juvenal, vá agora mesmo ver nossas passagens.
Partiremos o quanto antes.
Geraldo estava curioso.
Como o avião baixava?
Como cabia tanta gente dentro?
Como ele conseguia voar?
Dr. Olavo, embora um pouco caceteado, procurava prestar esclarecimentos.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
Não podia perder aquela chance de aproximar-se mais dele.
Conhecê-lo bem era parte integrante de seus planos para manejá-lo.
Vendo-o mais afável, arriscou:
— Eu vou dar uma volta por aí.
Não quer comprar uma roupa nova?
Como viu, na cidade as roupas são diferentes.
Vestido assim, você chamará muita atenção.
Todos olharão para você.
Geraldo deu de ombros.
— Num careço de ropa.
To bem como tô. Num perciso de nada.
— Pelo menos vamos comprar uma mala.
Em avião não se leva trouxa.
— Pru quê?
— Não é costume. Depois, a roupa fica mais arrumada na mala.
Não amassa, não suja. É muito ruim andar sujo e amarrotado.
— Num gosto de anda sujo, mai a ropa tá muito bem na troxa.
O advogado a custo reprimiu um suspiro e uma praga.
Procurou sorrir, resignado.
— Venha ver.
Pegou sua mala dentro do armário e continuou:
— Olha como é. Tudo fica arrumado.
Vou sair e comprar uma para você.
É meu presente. Não precisa pagar.
— Pru que tá fazendo isso tudo, seo doto?
O olhar dele era penetrante e firme.
— Porque era amigo de sua mãe — mentiu ele — e porque, como advogado, prometi a ela zelar por você se o encontrasse, ajudando-o no que fosse possível.
Geraldo calou-se. A mãe era seu ponto fraco.
Mencioná-la significava acalmá-lo.
— Ela não gostaria de vê-lo mal vestido.
— Ela gostava de mim. Num ia se importa com essas coisa.
— Claro que ela gostava de você, mas era uma mulher muito fina, vestia-se muito bem, de acordo com sua posição;
gostaria que você fosse elegante.
Geraldo suspirou fundo.
— Tá bem, seo doto. Compre a mala, mai pequena.
O advogado sentiu enorme alívio.
Parecia-lhe haver ganho uma batalha.
Essa vitória representava muito.
Era a primeira vez que Geraldo concordava com um desejo seu.
Com o tempo, certamente conseguiria tudo quanto desejasse.
Foi com alívio que deixaram o hotel.
Conhecê-lo bem era parte integrante de seus planos para manejá-lo.
Vendo-o mais afável, arriscou:
— Eu vou dar uma volta por aí.
Não quer comprar uma roupa nova?
Como viu, na cidade as roupas são diferentes.
Vestido assim, você chamará muita atenção.
Todos olharão para você.
Geraldo deu de ombros.
— Num careço de ropa.
To bem como tô. Num perciso de nada.
— Pelo menos vamos comprar uma mala.
Em avião não se leva trouxa.
— Pru quê?
— Não é costume. Depois, a roupa fica mais arrumada na mala.
Não amassa, não suja. É muito ruim andar sujo e amarrotado.
— Num gosto de anda sujo, mai a ropa tá muito bem na troxa.
O advogado a custo reprimiu um suspiro e uma praga.
Procurou sorrir, resignado.
— Venha ver.
Pegou sua mala dentro do armário e continuou:
— Olha como é. Tudo fica arrumado.
Vou sair e comprar uma para você.
É meu presente. Não precisa pagar.
— Pru que tá fazendo isso tudo, seo doto?
O olhar dele era penetrante e firme.
— Porque era amigo de sua mãe — mentiu ele — e porque, como advogado, prometi a ela zelar por você se o encontrasse, ajudando-o no que fosse possível.
Geraldo calou-se. A mãe era seu ponto fraco.
Mencioná-la significava acalmá-lo.
— Ela não gostaria de vê-lo mal vestido.
— Ela gostava de mim. Num ia se importa com essas coisa.
— Claro que ela gostava de você, mas era uma mulher muito fina, vestia-se muito bem, de acordo com sua posição;
gostaria que você fosse elegante.
Geraldo suspirou fundo.
— Tá bem, seo doto. Compre a mala, mai pequena.
O advogado sentiu enorme alívio.
Parecia-lhe haver ganho uma batalha.
Essa vitória representava muito.
Era a primeira vez que Geraldo concordava com um desejo seu.
Com o tempo, certamente conseguiria tudo quanto desejasse.
Foi com alívio que deixaram o hotel.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
Tinham vendido o jipe e o comprador, que pagara um preço muito barato, prazerosamente conduziu-os ao campo de aviação.
Os olhos vivos de Geraldo registavam tudo que os rodeava, embora se conservasse silencioso.
O avião, um bimotor de pequeno porte, que fora alugado por Juvenal, levá-los— ia directamente a São Paulo.
Por muitos dias não passaria avião comercial pela cidade, e, como tinham pressa, fretaram um que só iria levantar voo quando sua carga se completasse.
Apesar de acanhado e de pouco conforto, Geraldo estava maravilhado,
Quis ver tudo, dos motores e da cabine do piloto até a cauda, o que retardou a partida e irritou o advogado, embora ele procurasse dissimular.
O piloto olhava-o, curioso.
Era um tipo raro, de que selva tinha saído?
Estava acostumado com os matutos, mas aquele parecia-lhe mais selvagem.
Divertido, procurou explicar o que podia, e só pôde partir quando Geraldo deu-se por satisfeito.
— Olha, você nunca voou e pode enjoar.
Se tiver ânsia, tem esse saco da papel. Cuspa dentro.
Geraldo não respondeu a Olavo.
Sua atenção fixava-se, ávida, nas hélices que já começavam a girar e na poeira que levantava-se do chão.
Sentia um friozinho na boca do estômago e muita emoção.
Muitas vezes tinha contemplado os aviões que passavam luzidios sobre sua cabana.
Agora, milagre: ele estava num!
O avião descolou, iniciando a subida.
Ele estava maravilhado. O advogado ajeitou-se.
Tinham algumas horas de voo pela frente.
Até ali, tudo bem, Geraldo não tinha medo, felizmente.
O dia era quente e o sol ia alto.
Procurou descansar e logo conseguiu adormecer.
Acordou assustado, com ruído de ânsia e um cheiro desagradável.
Procurou por Geraldo, em cujo lado sentara-se, mas o banco estava vazio.
Olhou para frente e viu Juvenal pálido, curvado sobre o saco de papel.
Sentiu-se enjoado. Onde diabo teria se metido o caipira?
Levantou-se, abriu a porta da cabine do piloto e, para sua surpresa, lá estava ele, tranquilo e calmo, enquanto o piloto dizia:
— A direcção está marcada nesse relógio, é uma bússola; esse ponteiro mostra o rumo que eu devo ir.
— De modo que ocê num carece do sol pra indica o rumo?
— Chamamos a isso latitude e é ainda nosso ponto principal.
Norte, MII, leste c oeste.
Olavo estava estupefacto.
Como podia aquele selvagem conservar sobre assuntos técnicos de aviação?
Resolveu sentar-se em seu lugar.
Juvenal suava frio. Não podia fazer nada.
Felizmente, chegaram a São Paulo.
Os olhos vivos de Geraldo registavam tudo que os rodeava, embora se conservasse silencioso.
O avião, um bimotor de pequeno porte, que fora alugado por Juvenal, levá-los— ia directamente a São Paulo.
Por muitos dias não passaria avião comercial pela cidade, e, como tinham pressa, fretaram um que só iria levantar voo quando sua carga se completasse.
Apesar de acanhado e de pouco conforto, Geraldo estava maravilhado,
Quis ver tudo, dos motores e da cabine do piloto até a cauda, o que retardou a partida e irritou o advogado, embora ele procurasse dissimular.
O piloto olhava-o, curioso.
Era um tipo raro, de que selva tinha saído?
Estava acostumado com os matutos, mas aquele parecia-lhe mais selvagem.
Divertido, procurou explicar o que podia, e só pôde partir quando Geraldo deu-se por satisfeito.
— Olha, você nunca voou e pode enjoar.
Se tiver ânsia, tem esse saco da papel. Cuspa dentro.
Geraldo não respondeu a Olavo.
Sua atenção fixava-se, ávida, nas hélices que já começavam a girar e na poeira que levantava-se do chão.
Sentia um friozinho na boca do estômago e muita emoção.
Muitas vezes tinha contemplado os aviões que passavam luzidios sobre sua cabana.
Agora, milagre: ele estava num!
O avião descolou, iniciando a subida.
Ele estava maravilhado. O advogado ajeitou-se.
Tinham algumas horas de voo pela frente.
Até ali, tudo bem, Geraldo não tinha medo, felizmente.
O dia era quente e o sol ia alto.
Procurou descansar e logo conseguiu adormecer.
Acordou assustado, com ruído de ânsia e um cheiro desagradável.
Procurou por Geraldo, em cujo lado sentara-se, mas o banco estava vazio.
Olhou para frente e viu Juvenal pálido, curvado sobre o saco de papel.
Sentiu-se enjoado. Onde diabo teria se metido o caipira?
Levantou-se, abriu a porta da cabine do piloto e, para sua surpresa, lá estava ele, tranquilo e calmo, enquanto o piloto dizia:
— A direcção está marcada nesse relógio, é uma bússola; esse ponteiro mostra o rumo que eu devo ir.
— De modo que ocê num carece do sol pra indica o rumo?
— Chamamos a isso latitude e é ainda nosso ponto principal.
Norte, MII, leste c oeste.
Olavo estava estupefacto.
Como podia aquele selvagem conservar sobre assuntos técnicos de aviação?
Resolveu sentar-se em seu lugar.
Juvenal suava frio. Não podia fazer nada.
Felizmente, chegaram a São Paulo.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
Estava escurecendo, já Geraldo viajara na cabine o tempo todo.
Olavo surpreendeu-se quando, na saída do Campo de Marte, onde aterraram, o piloto apertou a mão de Geraldo com cordialidade.
— Tive muito gosto em conversar com você.
Quando quiser, venha por aqui e eu vou mostrar-lhe tudo.
Vai gostar dos hangares e tudo o mais.
— Acho que vô. Foi uma grande viage. Nunca vô esquece.
— Sabe — disse o piloto aos dois admirados passageiros — ele tem alma de aviador.
Devia tirar o breve. Se ele quiser, eu ensino.
— Pode deixa. Eu ainda vorto aqui.
Aprende a voá. Puxa!
— Adeus — despediu o piloto — esta viagem foi mesmo muito boa.
Juvenal, pálido como cera, não teve nem forças para protestar.
Apanharam um carro de aluguer e foram para a casa do advogado.
Juvenal procuraria um hotel, mas o Dr. Olavo não queria perder Geraldo de vista; por isso, hospedá-lo-ia em sua casa.
Telegrafara para sua mulher prevenindo-a e esperava poder controlar a situação.
Seu quarto de hóspedes não era grande, mas deveria parecer principesco em confronto com a choupana daquele selvagem.
Estava emocionado e satisfeito.
Seu relacionamento com a mulher não era muito harmonioso, mas linha a certeza de que ela o ajudaria a tratar bem o hóspede.
Apesar de não acreditar muito que Olavo pudesse encontrar o milionário, D. Marilda, que sempre criticara a viagem do marido, certamente agora teria até muito orgulho em hospedá-lo.
Eram 19 horas quando o carro parou em frente à casa confortável da Av. Angélica.
Embora não tivesse dinheiro, o advogado pertencia a ilustre família e herdara do pai a casa onde residia.
Achava importante manter a posição, e por isso lutava por conservá-la em bom estado.
Tocou a campainha. Ruídos, passos e a porta abriu-se.
Uma criada com elegante uniforme surgiu, soltando exclamação de susto ao reconhecer o patrão.
E em pouco tempo, Olavo era abraçado por uma senhora alta, cabelos castanhos crespos e cortados bem curtos, busto volumoso e corpo erecto.
Rescendia e excedia no perfume.
Geraldo, segurando a pequena mala, olhava assustado. O hall, onde imponente lustre de cristal reluzia, era recoberto por grosso tapete vermelho o console ricamente lavrado e patinado a ouro, estava a um canto, encimado por caprichoso espelho de cristal.
Flores delicadas em um vaso de alabastro, do outro lado a escada larga em mármore branco, corrimão dourado de metal, recoberta pela passadeira também vermelha.
Geraldo teve receio de pisar com suas grossas botinas naqueles tapetes.
— Como está meu querido, — disse ela com certo aceno formal — fez boa viagem?
— Regular, Marilda. Mas quero que conheça nosso Geraldo.
Entre, não fique aí na porta, a casa é sua.
Ele entrou sério e procurando pisar com leveza.
D. Marilda a custo conteve o riso. Parecia pior do que o Jeca Tatu.
Onde Olavo desenterrara tal criatura?
Olavo surpreendeu-se quando, na saída do Campo de Marte, onde aterraram, o piloto apertou a mão de Geraldo com cordialidade.
— Tive muito gosto em conversar com você.
Quando quiser, venha por aqui e eu vou mostrar-lhe tudo.
Vai gostar dos hangares e tudo o mais.
— Acho que vô. Foi uma grande viage. Nunca vô esquece.
— Sabe — disse o piloto aos dois admirados passageiros — ele tem alma de aviador.
Devia tirar o breve. Se ele quiser, eu ensino.
— Pode deixa. Eu ainda vorto aqui.
Aprende a voá. Puxa!
— Adeus — despediu o piloto — esta viagem foi mesmo muito boa.
Juvenal, pálido como cera, não teve nem forças para protestar.
Apanharam um carro de aluguer e foram para a casa do advogado.
Juvenal procuraria um hotel, mas o Dr. Olavo não queria perder Geraldo de vista; por isso, hospedá-lo-ia em sua casa.
Telegrafara para sua mulher prevenindo-a e esperava poder controlar a situação.
Seu quarto de hóspedes não era grande, mas deveria parecer principesco em confronto com a choupana daquele selvagem.
Estava emocionado e satisfeito.
Seu relacionamento com a mulher não era muito harmonioso, mas linha a certeza de que ela o ajudaria a tratar bem o hóspede.
Apesar de não acreditar muito que Olavo pudesse encontrar o milionário, D. Marilda, que sempre criticara a viagem do marido, certamente agora teria até muito orgulho em hospedá-lo.
Eram 19 horas quando o carro parou em frente à casa confortável da Av. Angélica.
Embora não tivesse dinheiro, o advogado pertencia a ilustre família e herdara do pai a casa onde residia.
Achava importante manter a posição, e por isso lutava por conservá-la em bom estado.
Tocou a campainha. Ruídos, passos e a porta abriu-se.
Uma criada com elegante uniforme surgiu, soltando exclamação de susto ao reconhecer o patrão.
E em pouco tempo, Olavo era abraçado por uma senhora alta, cabelos castanhos crespos e cortados bem curtos, busto volumoso e corpo erecto.
Rescendia e excedia no perfume.
Geraldo, segurando a pequena mala, olhava assustado. O hall, onde imponente lustre de cristal reluzia, era recoberto por grosso tapete vermelho o console ricamente lavrado e patinado a ouro, estava a um canto, encimado por caprichoso espelho de cristal.
Flores delicadas em um vaso de alabastro, do outro lado a escada larga em mármore branco, corrimão dourado de metal, recoberta pela passadeira também vermelha.
Geraldo teve receio de pisar com suas grossas botinas naqueles tapetes.
— Como está meu querido, — disse ela com certo aceno formal — fez boa viagem?
— Regular, Marilda. Mas quero que conheça nosso Geraldo.
Entre, não fique aí na porta, a casa é sua.
Ele entrou sério e procurando pisar com leveza.
D. Marilda a custo conteve o riso. Parecia pior do que o Jeca Tatu.
Onde Olavo desenterrara tal criatura?
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
Habituada à vida em sociedade, exibiu um sorriso amável:
— Seja bem— vindo, meu jovem. Entre.
Não faça cerimónia. Tenho muito prazer em conhecê-lo.
Geraldo teve vontade de fugir. Não gostou daquela mulher.
Tinha olhar de cobra quando queria pegar passarinho.
Sem responder nem apertar a mão que ela lhe estendia, tornou:
— Olha, seo doto Num carece eu fica aqui. Vô imbora pra um hoter.
— Não. Vou ficar ofendido. É uma honra tê-lo em minha casa.
Não posso consentir que fique num hotel. Não gostou daqui?
— Num é isso. Sô home simples num tô acustumado coluxo.
Num quero dá trabaio. Só vim assina os pape e vortá.
D. Marilda estava de boca aberta.
Lançou um olhar meio irónico para o marido.
— Marilda, meu bem, gostaria de conversar com ele.
Pode deixar-nos a sós?
— Certamente. Com licença.
Saiu, deixando uma onda de perfume no ar.
— Geraldo, tem calma.
Eu disse-lhe que na cidade tudo é diferente.
— Tô vendo, mai se eu fica no hoter, fico mior, num carece ser de luxo.
Num sô home cumplicado.
Foi falando e foi saindo.
Olavo a custo encobria a contrariedade.
Só esta faltava-lhe agora.
Depois daquela viagem dura ansiava por descansar, mas o imbecil não gostava de sua bela casa!
A custo dominou a irritação.
— Geraldo, não seja criança.
Todos aqui queremos que você fique confortável.
Você é um homem rico agora. Precisa aprender a viver em sociedade.
Depois, não conhece ninguém em São Paulo.
Isto aqui não é a sua vila. Não saberia nem andar na rua.
Além disso, a cidade é perigosa, está repleta de ladrões, malandros, mulheres perigosas.
Desejo defendê-lo dos perigos. Quero que fique connosco para protegê-lo.
— Uai, doto, nesse caso vorto pra Dente de Onça aminhã mesmo.
Lá só tem onça, mai a agente sabe lida co'elas.
O povo é tudo gente boa e dereita. Num tem perigo de nada.
Meu falecido pai também falava isso.
Haverá de sê verdade. Nesse caso, num é bom fica.
Vorto logo pra casa.
— Seja bem— vindo, meu jovem. Entre.
Não faça cerimónia. Tenho muito prazer em conhecê-lo.
Geraldo teve vontade de fugir. Não gostou daquela mulher.
Tinha olhar de cobra quando queria pegar passarinho.
Sem responder nem apertar a mão que ela lhe estendia, tornou:
— Olha, seo doto Num carece eu fica aqui. Vô imbora pra um hoter.
— Não. Vou ficar ofendido. É uma honra tê-lo em minha casa.
Não posso consentir que fique num hotel. Não gostou daqui?
— Num é isso. Sô home simples num tô acustumado coluxo.
Num quero dá trabaio. Só vim assina os pape e vortá.
D. Marilda estava de boca aberta.
Lançou um olhar meio irónico para o marido.
— Marilda, meu bem, gostaria de conversar com ele.
Pode deixar-nos a sós?
— Certamente. Com licença.
Saiu, deixando uma onda de perfume no ar.
— Geraldo, tem calma.
Eu disse-lhe que na cidade tudo é diferente.
— Tô vendo, mai se eu fica no hoter, fico mior, num carece ser de luxo.
Num sô home cumplicado.
Foi falando e foi saindo.
Olavo a custo encobria a contrariedade.
Só esta faltava-lhe agora.
Depois daquela viagem dura ansiava por descansar, mas o imbecil não gostava de sua bela casa!
A custo dominou a irritação.
— Geraldo, não seja criança.
Todos aqui queremos que você fique confortável.
Você é um homem rico agora. Precisa aprender a viver em sociedade.
Depois, não conhece ninguém em São Paulo.
Isto aqui não é a sua vila. Não saberia nem andar na rua.
Além disso, a cidade é perigosa, está repleta de ladrões, malandros, mulheres perigosas.
Desejo defendê-lo dos perigos. Quero que fique connosco para protegê-lo.
— Uai, doto, nesse caso vorto pra Dente de Onça aminhã mesmo.
Lá só tem onça, mai a agente sabe lida co'elas.
O povo é tudo gente boa e dereita. Num tem perigo de nada.
Meu falecido pai também falava isso.
Haverá de sê verdade. Nesse caso, num é bom fica.
Vorto logo pra casa.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
Olavo suspirou, resignado.
— Também, não é tanto assim.
Quando você conhecer tudo, não tem perigo de nada.
Mas se quiser ir para o hotel, eu levo.
Porém antes responda: por quê?
Não havia concordado em ficar em minha casa?
— É, por certo. Mai num gosto de luxo, e num gostei da cara da sua muié.
Ele falava isso com naturalidade.
Olavo quis modificar-lhe a impressão.
— É porque você ainda não a conhece bem.
Marilda é uma boa pessoa, honesta, boa esposa e boa mãe.
— Num tô dizendo isso. Mai qui ela é farsa, isso ela é.
Num gosto de mi vê mais num qué contraria o marido.
Si eu fica, ela vai fala de mim por detrás e eu vô fazê uns desaforo.
É mior i simbora. Num gosto de fingimento. Comigo num carece não.
Olavo ficou sem argumento.
Apesar de irritado, admirou-se da astúcia de Geraldo, a quem um simples olhar revelara o carácter de Marilda. Resignou-se.
— Está bem. Vamos para o hotel.
Falaremos com Juvenal, que ficará com você. Espere um momento.
Procurou a mulher, com quem conversou.
— Não adianta. Ele não quer fica aqui.
Vou levá-lo a um hotel e já volto.
Marilda lançou-lhe um olhar irónico.
— Faça pagar bem caro pelo trabalho, não se esqueça.
Para mim é um alívio.
Apesar de cansado, Olavo apanhou o carro na garagem e dispôs-se a levar o caipira para o hotel.
Mas sua odisseia não terminou ali.
Geraldo não quis ficar no hotel onde estava Juvenal por ser de luxo, e Olavo queria que o repórter ficasse junto com o caipira para controlá-lo, mas Juvenal, por sua vez, bem instalado e cansado, não queria sair de onde estava, Geraldo não arredou pé.
Não ficava ali e pronto.
Depois de muita discussão Olavo conseguiu colocar os dois no carro e saíram para procurar um hotel tipo médio.
Mas Geraldo não gostava de nenhum.
Depois de muito rodar, concordou com um hotel simples, porém limpo.
Finalmente, gostou do local, para alívio de Olavo e para raiva de Juvenal, que já queria usufruir do luxo e do dinheiro que esperava ganhar.
Reconhecia que alguém precisava ficar com ele.
O homem podia meter-se em apuros e arruinar todo o plano.
Foi aí que Geraldo teve fome.
Eram 22 horas e o refeitório do hotel estava fechado.
— Também, não é tanto assim.
Quando você conhecer tudo, não tem perigo de nada.
Mas se quiser ir para o hotel, eu levo.
Porém antes responda: por quê?
Não havia concordado em ficar em minha casa?
— É, por certo. Mai num gosto de luxo, e num gostei da cara da sua muié.
Ele falava isso com naturalidade.
Olavo quis modificar-lhe a impressão.
— É porque você ainda não a conhece bem.
Marilda é uma boa pessoa, honesta, boa esposa e boa mãe.
— Num tô dizendo isso. Mai qui ela é farsa, isso ela é.
Num gosto de mi vê mais num qué contraria o marido.
Si eu fica, ela vai fala de mim por detrás e eu vô fazê uns desaforo.
É mior i simbora. Num gosto de fingimento. Comigo num carece não.
Olavo ficou sem argumento.
Apesar de irritado, admirou-se da astúcia de Geraldo, a quem um simples olhar revelara o carácter de Marilda. Resignou-se.
— Está bem. Vamos para o hotel.
Falaremos com Juvenal, que ficará com você. Espere um momento.
Procurou a mulher, com quem conversou.
— Não adianta. Ele não quer fica aqui.
Vou levá-lo a um hotel e já volto.
Marilda lançou-lhe um olhar irónico.
— Faça pagar bem caro pelo trabalho, não se esqueça.
Para mim é um alívio.
Apesar de cansado, Olavo apanhou o carro na garagem e dispôs-se a levar o caipira para o hotel.
Mas sua odisseia não terminou ali.
Geraldo não quis ficar no hotel onde estava Juvenal por ser de luxo, e Olavo queria que o repórter ficasse junto com o caipira para controlá-lo, mas Juvenal, por sua vez, bem instalado e cansado, não queria sair de onde estava, Geraldo não arredou pé.
Não ficava ali e pronto.
Depois de muita discussão Olavo conseguiu colocar os dois no carro e saíram para procurar um hotel tipo médio.
Mas Geraldo não gostava de nenhum.
Depois de muito rodar, concordou com um hotel simples, porém limpo.
Finalmente, gostou do local, para alívio de Olavo e para raiva de Juvenal, que já queria usufruir do luxo e do dinheiro que esperava ganhar.
Reconhecia que alguém precisava ficar com ele.
O homem podia meter-se em apuros e arruinar todo o plano.
Foi aí que Geraldo teve fome.
Eram 22 horas e o refeitório do hotel estava fechado.
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Re: Série Lucius - O MATUTO / Zibia Gasparetto
Olavo estava moído de cansaço, mas Geraldo parecia bem disposto e sem sono.
Na roça dormia cedo, que diabo tinha ele que não se cansava?
Olhava tudo sem perder nada, admirava-se das luzes, dos anúncios coloridos, crivava os dois de perguntas que eles não sabiam responder.
Queria saber como acendiam e apagavam, como coloriam as luzes, como funcionava o telefone, se o fio tinha buraco e a voz andava dentro dele.
Olavo não aguentava mais.
Não fosse pelo dinheiro, tinha-o mandado às favas.
Tirou dinheiro do bolso e entregou-o a Juvenal.
— Preciso ir. Compre alguma coisa para comer.
Amanhã cedo estarei de volta. Passem bem.
Fingiu não ver o ar contrariado do repórter e foi saindo.
Estava no limite da sua resistência.
Juvenal falou:
— Pode acomodar-se. Vou descer para comprar sanduíches.
— Sanduíches? O que é isso?
— É pão com alguma coisa no meio.
Você prefere queijo ou mortadela?
— Eu gosto de quejo, mai se tive uns bolinho de mandioca ou uma broa de milho, eu quero.
— Quer café ou guaraná?
— Vou junto com ocê. Quero vê o que tem pra come.
Despois, gostei de anda naquela coisa que sobe e desce.
— No elevador.
— É, no elevador.
Juvenal mal conteve o riso.
Aquela hora, cansados da viagem, ele querendo andar de elevador!
Acontece cada uma!
Desceram. O hotel situava-se na Avenida São João, que apesar de ser uma terça-feira, estava movimentada.
A presença do caipira provocava alguns olhares admirados.
Juvenal resignou-se. Que remédio. Foram a um bar.
Sobre um balcão, vários pratos com quitutes, mas Geraldo só tomou café com rosquinhas.
Devorou um prato delas, que eram fritas na hora e cobertas com açúcar e canela.
Juvenal, ainda meio enjoado, não se conformava vendo-o comer tudo aquilo, doce.
— Tá boa esta rosquinha. Tava cum fome.
Quando saíram do bar, Juvenal estava morto de sono.
— Agora vamos dormir.
— Vá ocê. Eu vô dá uma vorta.
Quero olha a cidade.
E esta agora? Juvenal irritou-se.
Aquele homem era de ferro. Não podia deixá-lo.
Ele não tinha dinheiro e estava tão mal vestido que nenhum batedor de carteira o assaltaria, mas podia perder-se.
Como deixá-lo?
Na roça dormia cedo, que diabo tinha ele que não se cansava?
Olhava tudo sem perder nada, admirava-se das luzes, dos anúncios coloridos, crivava os dois de perguntas que eles não sabiam responder.
Queria saber como acendiam e apagavam, como coloriam as luzes, como funcionava o telefone, se o fio tinha buraco e a voz andava dentro dele.
Olavo não aguentava mais.
Não fosse pelo dinheiro, tinha-o mandado às favas.
Tirou dinheiro do bolso e entregou-o a Juvenal.
— Preciso ir. Compre alguma coisa para comer.
Amanhã cedo estarei de volta. Passem bem.
Fingiu não ver o ar contrariado do repórter e foi saindo.
Estava no limite da sua resistência.
Juvenal falou:
— Pode acomodar-se. Vou descer para comprar sanduíches.
— Sanduíches? O que é isso?
— É pão com alguma coisa no meio.
Você prefere queijo ou mortadela?
— Eu gosto de quejo, mai se tive uns bolinho de mandioca ou uma broa de milho, eu quero.
— Quer café ou guaraná?
— Vou junto com ocê. Quero vê o que tem pra come.
Despois, gostei de anda naquela coisa que sobe e desce.
— No elevador.
— É, no elevador.
Juvenal mal conteve o riso.
Aquela hora, cansados da viagem, ele querendo andar de elevador!
Acontece cada uma!
Desceram. O hotel situava-se na Avenida São João, que apesar de ser uma terça-feira, estava movimentada.
A presença do caipira provocava alguns olhares admirados.
Juvenal resignou-se. Que remédio. Foram a um bar.
Sobre um balcão, vários pratos com quitutes, mas Geraldo só tomou café com rosquinhas.
Devorou um prato delas, que eram fritas na hora e cobertas com açúcar e canela.
Juvenal, ainda meio enjoado, não se conformava vendo-o comer tudo aquilo, doce.
— Tá boa esta rosquinha. Tava cum fome.
Quando saíram do bar, Juvenal estava morto de sono.
— Agora vamos dormir.
— Vá ocê. Eu vô dá uma vorta.
Quero olha a cidade.
E esta agora? Juvenal irritou-se.
Aquele homem era de ferro. Não podia deixá-lo.
Ele não tinha dinheiro e estava tão mal vestido que nenhum batedor de carteira o assaltaria, mas podia perder-se.
Como deixá-lo?
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