LUZ ESPÍRITA
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Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 7 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 12, 2018 8:07 pm

— Ela diz que essa coisa escura, viscosa e com cheiro desagradável é a energia mental dela mal dirigida.
Minha mãe pensa de forma derrotista, não tem confiança em si nem em Deus.
Aliás, ela não tem espiritualidade.
Ocupa o pensamento somente com questões materiais, absolutamente presa ao quotidiano.
Ela não transcende nem relaxa.
E agora a doença e o medo a dominam.
Ela não se ajuda.
Amélia está apontando-me os seios da minha mãe e pede para eu fixar meu olhar neles.
— Faça isso, Denise — estimulou Berthe.
Talvez consiga ver o tumor e o estado dele.
— Sim, é isso.
Eu os vejo: são pequenos.
Há um tumor na mama direita e dois na esquerda.
Os da esquerda são pequenos e alaranjados.
O da direita é maior, pouco maior que um feijão ou um grão-de-bico, mas é escuro, cor de sangue escuro, tem algumas veias fininhas formando uma espécie de teia.
Eu sinto que ele pulsa.
Os outros dois não.
— O que Amélia diz a respeito?
— Nada. Mas olha com calma.
— Pergunte-lhe o que podemos fazer para ajudar a sua mãe.
— Ela pede para orarmos e trabalharmos pela mudança de pensamentos da minha mãe.
Disse que a doença é um convite à mudança dela.
Viverá uma realidade muito diferente, com a qual a sua mente ocupada no mundo da economia não sonha.
Pediu que lhe dêem livros e para o meu pai também.
Ela explicou que os livros têm a função de consolar e instruir, irão lembrá-la de que não está sozinha no mundo e as suas dores não são únicas, nem maiores, são naturais da condição humana.
Amélia falou que os livros a ajudarão a controlar a dor, fazendo-a compreender o significado das experiências que vive.
Disse também que isso é urgente, pois as boas ideias actuarão no pensamento dela, que serão como despejar água e detergente nessa coisa viscosa que escorre da mente dela.
E que, antes disso, não adianta pensar em mandar-lhe boas energias, ela não receberia.
Amélia recomenda que a limpeza da casa mental tem que ser feita por ela para ser duradoura.
Senão, bastará uma imagem qualquer para despertar-lhe ideias, pensamentos e sentimentos negativos, depressivos e automaticamente essa coisa nojenta vai fluir.
— Está anotado e será feito.
Indicarei livros para ela. Enviaremos pela internet títulos em e-book — respondeu Berthe.
— Amélia diz que minha mãe sobreviverá, que a doença é um convite e um caminho para a cura da mente e da alma.
Ela precisa mudar.
Adoeceu por guardar muito rancor e sentimentos destrutivos.
Terá que aprender a libertar-se dessas emoções pelo perdão e abandonar essa conduta autoritária e controladora.
A vida está lhe mostrando que ela é descontrolada e orgulhosa.
Amélia fala em estátua de sal, que minha mãe é endurecida, porque só os caracteres endurecidos não mudam.
A doença é uma oportunidade de flexibilizar sua personalidade, abrir e arejar pensamentos e sentimentos.
Agora Amélia está dizendo que temos que ir.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 12, 2018 8:07 pm

— Denise, despeça-se de sua mãe.
Fale com ela — sugeriu Berthe.
Diga o que sente.
Bertoldo observava o rápido movimento do globo ocular de Denise e fez um sinal chamando a atenção de Berthe.
— Calma, Denise.
Há algum problema?
— Minha mãe.
Ela não é apenas minha mãe.
Eu sei, eu sinto e eu vejo.
Eu o reconheço — sussurrou Denise.
Pelo timbre da voz, era perceptível a emoção estrangulando a voz na garganta.
Havia medo e raiva.
Berthe fitou o companheiro de trabalho e ele prontamente fechou os olhos, mergulhando em profunda concentração e doação de energia.
Bertoldo exalava paz e tranquilidade de seus pensamentos, envolvendo Denise.
— Fale-me a respeito.
— É Irving Lambert.
Eu o conheci em Gordes, era meu tio. E...
— Você está falando de Georgette?
— Sim. Quando fui Georgette, ele era meu tio.
Irmão do meu pai.
Eu fui entregue a ele quando tinha onze anos, no dia em que meus pais foram enterrados.
Ele me levou embora da casa dos meus pais, fui morar na cidade, na casa dele.
— E como foi o relacionamento de vocês?
— Distante.
Ele não dava atenção nem aos próprios filhos.
A preocupação dele era Napoleão, a política e o comércio.
Ele era rico, diferente do meu pai.
Tio Irving fazia fortuna comerciando com a África.
Comércio mercante.
Diziam que era uma fraude, que o negócio real era comércio humano, que traficava escravos para as colónias francesas no Haiti.
Não conversávamos muito, mas ele desconfiou de Anton.
Foi por causa dele que tudo aconteceu.
Denise começou a soluçar e Berthe interveio, falando com serenidade e firmeza:
— Isso é passado, Denise.
Você não é mais Georgette e agora a pessoa a sua frente é Marlene Pereira, a sua mãe.
Desligue-se das lembranças do passado.
Falaremos sobre elas depois, guarde-as.
Mantenha atenção no presente.
Você está à frente de Marlene Pereira, sua mãe, e ela está com câncer, provavelmente.
Irving Lambert não existe mais.
— Sim. Amélia me ajudará.
E estou preocupada com minha mãe, tenho piedade.
A doença é grave e os tratamentos são difíceis, dolorosos.
— Sim, são. É preciso extirpar mágoas, ressentimentos, rancores, raivas.
Temos que limpar o emocional, renovar a mente.
Prepará-la para os tratamentos necessários.
A personalidade dela a predispôs à doença.
Emoções destrutivas carregam uma alta carga de energia, se ela não lida com essa energia de maneira natural e saudável, vivenciando-a para o que for necessário e deixando passar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 12, 2018 8:07 pm

Mas se, ao contrário, acumular e reprimir, essa energia actuará desestruturando e aglomerando-se em partes do organismo perispiritual e, em alguns anos, somatiza e gera desordens orgânicas.
Deixe que Amélia a oriente.
Em cinco minutos, irei despertá-la.
Sob o olhar atento de Amélia, Denise aproximou-se de Marlene, que, com o pensamento em desalinho, alimentava ideias equivocadas, de revolta, mágoa e vitimização.
No fundo, ela sentia um medo terrível do futuro.
Denise identificou as emoções da mãe e compadeceu-se.
Ergueu a mão para tocar-lhe a cabeça e reconheceu seus próprios conflitos emocionais.
O relacionamento entre elas não era um mar de rosas, pelo contrário, era conflituoso.
Conviveram em relativa calma durante a infância e o início da adolescência, a partir daí surgiram as divergências.
Mas a infância deixara boas lembranças e sentimentos ternos que minimizavam o conflito.
Entendeu a irritação que, com frequência, sentia na presença de Marlene.
Era uma identificação, uma lembrança emocional do passado com Irving Lambert.
Mas ele não existia mais e aquela personalidade espiritual estava em processo de destruição.
Agora era Marlene, que ainda guardava traços de personalidade que permitiam identificá-la com Irving Lambert.
Mas outros traços haviam surgido antes.
O que era gérmen, em 1812, agora era uma plantinha frágil.
Marlene respeitava, com R maiúsculo, o trabalho.
Indignava--se quando via ou ouvia casos de abuso, de trabalho escravo.
Mesmo não sendo sua área de actuação, sempre incluía o tema de alguma forma.
Com a família, desenvolvia uma personalidade mais presente e amorosa, se comparada ao passado.
E Denise falou assim com sua mãe:
— Sabe, não sou Denise, a sua filha, e você não é Marlene, a minha mãe.
Também não somos mais Georgette e Irving.
Somos espíritos imortais e, neste momento, estamos Denise e Marlene, mãe e filha pelos vínculos de sangue.
Eles são transitórios.
Acabei de lembrar o que fomos há duzentos anos.
Demorei, mas entendi isso e, portanto, na matéria o verbo é transitivo, é "estar", como espírito não.
Ou seja, nós, Marlene e Denise, estamos em 2013, mãe e filha; mas nós, seres espirituais, somos irmãos.
Temos a mesma origem.
E estamos todos a caminho do melhor e vivemos neste minuto o nosso melhor.
Se eu não sou a filha que você sonhava e nem você a mãe ideal, talvez possamos deixar de lado essas ideias de propaganda, essas ilusões culturais.
Mãe não é santa e filhos não são apenas produtos dos pais.
Somos todos criaturas em crescimento, que carregamos verdades escondidas em nós.
Você é minha irmã, Marlene Pereira, e se não pensamos exactamente igual, nem por isso precisamos nos magoar.
Entendi meus sentimentos e compreendi quem sou e quem você é, e desejo que faça o mesmo.
Aproveite a oportunidade que a vida lhe apresenta e cure-se.
Extirpe mágoas, rancores e sentimentos destrutivos que formaram energeticamente esse tumor.
Pense: por que um tumor nos seus seios?
Eles são símbolos do feminino.
Será que você está usando bem essa experiência como mulher? Pense.
Deus te abençoe, irmã, te dê força e saúde para tirar dessa lição o máximo de conhecimento possível.
Fique bem. Tchau.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 12, 2018 8:07 pm

Denise afastou a mão e percebeu que Marlene não chorava, estava apática e sobre ela desciam minúsculos pontinhos luminosos, como se fosse uma chuva prateada.
Surpresa, olhou ao redor e constatou que aquilo se irradiava dela e envolvia a enferma.
— São energias que o seu pensamento mobilizou — explicou Amélia.
É um processo natural, normal e constante, que todas as pessoas, encarnadas ou desencarnadas, realizam.
Mas a maioria não tem consciência porque não vê e não crê.
Ainda estão nos primeiros tempos do renascimento.
O interessante é que todos sentem e, se acreditamos ou não, simplesmente não faz diferença para as Leis Naturais.
— Isso fez bem a ela — constatou Denise.
— É claro, você pensou, desejou e sentiu coisas boas.
— Se fossem ruins...
— Aconteceria o mesmo, porém seus pensamentos e sentimentos teriam impregnado essa energia que se transferiu para ela e o resultado seria o oposto.
A vida é lógica, meu bem.
Vamos, relaxe, em instantes você irá despertar.
Fique calma.
Berthe aplicou-lhe passes com o intuito de despertá-la e falou firme e serena:
— Denise, recorde o que viveu ao despertar.
Volte!
Denise piscou, mexeu a cabeça, abriu e fechou as mãos, respirou fundo e abriu os olhos, fitando Berthe e Bertoldo.
Sorriu e declarou:
— Estou bem.
— Nenhum desconforto?
— Não, Berthe. Tudo bem.
Bertoldo, bocejando, fez um sinal positivo quando Berthe olhou para ele e disse:
— Estou cansado.
Preciso comer e me jogar sobre um gramado bem verdinho, pegando o sol e a brisa da tarde.
Só assim ficarei novinho.
Denise olhou-o curiosa e indagou:
— Por que você ficou cansado?
Não fez nada.
Bertoldo sorriu complacente e informou:
— Isso é o que você pensa.
Fiquei sustentando seu transe o todo tempo, enviando energia para você não se desequilibrar no seu passeio, minha querida.
A actividade mental é altamente cansativa, sabia?
Uma pena que não queima calorias na mesma proporção, senão eu não precisaria me preocupar.
— Exactamente, Denise.
O que você pensou que Bertoldo fazia aqui?
— Assistia. Pensei que ele nos fazia companhia.
Ainda tenho muito a aprender.
Berthe sorriu e concordou:
— Muito mesmo. Mas mantenha o ritmo, você está indo bem.
Só para esclarecer, Bertoldo nos auxilia com emissão de energia, mas ele está apto a fazer o mesmo trabalho que eu.
Aliás, é uma prática nossa:
quando um conduz, o outro auxilia.
Há atendimentos em que eu faço o que você vê ele fazendo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 12, 2018 8:07 pm

Mas voltemos à experiência de hoje.
Lembra-se de algo ou quer ir directo para a gravação?
Denise calou-se, ficou pensativa e insegura, e falou:
— Tenho imagens, cenas gravadas na memória.
São fragmentadas.
Acho que não fazem sentido.
São isoladas.
— Conte-nos.
Bertoldo ainda bocejava e levantou-se, indo servir-se de um copo de água.
— A casa de meus pais no Brasil.
Minha mãe deitada.
Uma televisão e um computador ligados.
Algo sujo e fedido, me parece que era uma pessoa suja, como se tivessem derramado algo pegajoso nela.
Depois, vi lugares, as paisagens me lembraram da Provença.
Mas era outra época, roupas antigas, vi um homem e lembro o nome dele, Irving.
Era grande, forte, rude e ele tem algo a ver com o mar, pois a imagem dele se mistura ao mar, a navios.
E a mulher é uma freira, tem uma expressão alegre e bondosa, olhos escuros e é jovem.
Lembro-me de ter tocado a cabeça da minha mãe e ter me sentido muito bem.
E sei que alguém me acompanhou, mas não sei quem era ou como era.
Havia uma presença comigo.
— Bom, muito bom.
Confira — elogiou Bertoldo, retornando ao seu lugar.
Em seguida, ele apertou o botão do microgravador e a voz de Denise, ligeiramente alterada, arrastada, foi ouvida narrando a visita aos pais.
Conversaram a respeito, e ao final Denise indagou:
— Berthe e Bertoldo, como posso saber que tudo isso não é fruto da minha imaginação?
Que não é um sonho ou um delírio pelo estado de consciência alterado?
— Aguarde as comprovações no tempo certo.
Se for verdadeiro, as respostas chegarão confirmando o que disse na crise — esclareceu Bertoldo.
A única comprovação para o delírio é o diagnóstico médico, não é verdade?
— Há um tempo de espera definido?
— Não, Denise.
Pode ser hoje, amanhã ou daqui a anos.
Mas o certo é que haverá uma resposta.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 12, 2018 8:08 pm

Capítulo 37
No domingo, Denise chegou à estação de trem próximo do horário da partida para Paris.
Olhou os trilhos e não pôde deixar de compará-los com a vida.
Há sempre alguém esperando um trem para algum lugar, e nele alguns entram e outros saem.
Vida e morte, correndo nos trilhos do planeta.
Há alguns meses, fugia de pensar sobre esses assuntos, causavam-lhe temor, porque associava-os à dor e ao desconhecido.
Agora, pensava neles com calma e naturalidade.
Nada a temer.
É sempre a vida a se manifestar na estação.
Engrenagens necessárias ao progresso.
Sabia que estava se modificando e gostava da nova pessoa que surgia.
Sentia-se serena, alegre, bem-disposta, interessada por assuntos diversos e principalmente pela vida.
Apalpou a bolsa, assegurando-se de que não havia esquecido os livros da semana:
A evolução anímica (11) e uma edição em espanhol de um romance com centenas de páginas, Te perdono (12).
Valeria o exercício para melhorar o domínio de mais um idioma.
Para isso, o trabalho no comércio de Paris fora fundamental.
Tinha consciência de que vivia em uma aldeia globalizada e dominar idiomas se tornava uma questão de sobrevivência, pois as fronteiras não isolavam mais as pessoas e os meios de transporte facilitavam a mobilidade.
Com isso, todos ganhavam, mas abrir-se ao mundo e ao outro também implicava compreendê-lo e tornar-se compreendida.
Berthe dera-lhe tempo para ler com calma, enfatizara que eram leituras complementares.
Em um livro entenderia a evolução da alma, que não tinha sido criada pelo sopro divino, como alegoricamente conta o Génesis bíblico, mas, como tudo na natureza, fora fruto do processo de transformação e crescimento de milénios.
E isso glorifica a inteligência e a sabedoria do Criador, que não é um fazedor de milagres, mas a inteligência suprema e o amor infinito.
E o romance mostrava a evolução moral da alma humana por meio de suas inúmeras existências na matéria.
Sábado à noite, depois das actividades do círculo espírita, Denise pudera acompanhar outros atendimentos realizados por seus amigos.
E, ao ouvir o depoimento de muitas pessoas, conscientizou-se de que seus problemas eram pequenos.
Ela os tornara grandes, potencializara-os pelo medo, e principalmente porque, de uma maneira que ainda não entendia, se comprazia neles.
Era como se a palavra "mudar" não existisse em seu dicionário pessoal e então ficava repetindo, repetindo.
Passava um tempo bem, fazia algo diferente e achava que era assim que devia ser.
Conformava-se. Depois, sofria, com prazer, o retorno das crises.
Agora a palavra "mudar" constava de seu dicionário pessoal.
Significava assumir desafios, buscar conhecimento, fazer coisas novas, conhecer outras pessoas e lugares e conhecer a si mesma de uma forma mais profunda.
E não estava falando em conhecer o próprio temperamento, o que queria ou sua cor de esmalte favorita.
Conhecer-se era saber o que e quem era, por que e para que estava vivendo.
Era pensar a vida de uma perspectiva ampla e não somente o cotidiano e seus sonhos de hoje para amanhã.
Essa era a jornada de suas idas e vindas pelos trilhos de Paris a Nancy.
Lembrou-se do tio.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 12, 2018 8:08 pm

Teria muito para conversar com ele no Brasil.
Joaquim pegaria o violão — não muito afinado, mas ele não se importava — e dedilharia algumas notas.
Com certeza, ele cantaria Trem das sete, imitando Raul Seixas.
Denise sorriu.
Sua vida tinha sido atribulada.
Deu-se conta de que havia meses não recordava uma música brasileira, então cantarolou Trem das sete:
— Oi, olhe o mal, vem de braços e abraços com o bem num romance astral — cantou e ficou pensativa.
"O bem e o mal na vida humana.
Na poesia vivendo um romance astral.
O romance da evolução humana", pensou Denise.
Carregamos connosco o bem e o mal.
O bem é eterno, é obra de Deus; o mal é transitório, é obra da imperfeição humana.
A imagem poética é perfeita se olharmos o ser humano em suas inúmeras idas e vindas da Terra.
O bem e o mal estão de braços e abraços em nosso íntimo, num romance astral de autotransformação.
As pessoas dirigiram-se à plataforma, o trem estava chegando.
Denise sorriu, analisando seus pensamentos e o bem-estar que a envolvia, e congratulou-se.
Estava crescendo rápido.
Alberto, ao seu lado, deu um meio sorriso, complacente, e considerou de forma realista:
— Está indo bem.
Aguardarei o resultado do teste necessário.
Os pensamentos que despertavam bem-estar, calma e sensação de paz em Denise também se deviam à presença dele.
E boa parte do teor dos pensamentos dela tinham sido sugeridos por ele.
Mas não importava no momento essa distinção.
O importante era que Denise mudava e isso permitia um maior e mais próximo contacto com seu protector espiritual.
Desaparecia a sensação angustiante de viver um inferno interior e ter teias de aranha no cérebro, e surgia a sensação de liberdade, calma, mente activa e alegria de viver.
Diga-me o que pensas e te direi com quem andas, parafraseando o dito popular, é a expressão da lei de afinidade e sintonia na matéria e fora dela.
Denise embarcou no trem, sentou-se, pegou o livro A evolução anímica na bolsa e acomodou-se no banco à frente de um senhor.
Sem querer, acompanhou-lhe os actos.
Ele carregava um livro, era um best-seller actual.
Olhou para o lado e percebeu uma jovem lendo em um leitor electrónico.
Constatou o hábito da leitura.
Tinha notado isso nos primeiros dias.
As pessoas tinham os livros por companheiros.
Enfim as entendia.
Confiante, abriu o seu amigo de papel e viajou para o universo da alma humana e sua fascinante história de desenvolvimento.
Uma visão nova sobre natureza e ecologia abriu-se com a leitura.
Se antes encantava-se com plantas e animais, agora começava a respeitá-los e a compreender a contribuição pessoal para a preservação do planeta.
Se havia um altar onde se devesse ajoelhar para glorificar a Deus, esse altar era a natureza.
Mas à medida que se aproximava de Paris, a ansiedade para se encontrar com Max a distraiu e Denise guardou o livro para entregar-se à doce expectativa.
Assim que desceu do trem, viu-o parado, encarando-a.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 12, 2018 8:08 pm

Confiante, caminhou apressada, e depois correu até ele.
Abraçaram-se, trocaram beijos rápidos e naturalmente seguiram para a conexão com o metrô que levaria ao apartamento dele.
Bem mais tarde, na cozinha do apartamento de Max, ela preparava baguetes recheadas com atum enquanto ele abria um vinho.
— Pronto — declarou Max, apresentando a garrafa aberta.
— Minha parte está feita.
Denise fez uma careta e riu.
— A minha parte é mais complexa.
Sente-se e espere
— respondeu bem-humorada.
Ele serviu as taças e acomodou-se.
— Quando teremos o resultado dos exames da sua mãe?
— Acho que na terça-feira.
— E já saberemos a data da cirurgia?
— Espero que sim, mas na verdade não sei.
No meu país, saúde não é propriamente uma área social prioritária, entende?
Pensei em sugerir que viessem para cá.
Mas depois de uma conversa com Bertoldo, repensei e mudei de ideia.
Ela precisa sentir-se bem e confiante com quem a tratar.
Aqui todos seriam estranhos.
Max considerou a sugestão, em silêncio.
Recebeu o prato que Denise lhe estendia e elogiou:
— Bonito!
— Aprendi.
— Você disse que vai ao Brasil acompanhar a sua mãe.
Penso que deve realmente ir e, se você concordar, eu gostaria de ir também.
Denise sentou-se em frente a ele, surpresa e feliz com o pedido.
— Por quê?
— Não é o momento ideal, mas eu gostaria de conhecer a sua família.
E acho que devo estar com você.
Mais do que isso, quero estar com você nessa dificuldade.
Se fosse comigo, eu gostaria que você fosse, então...
Ela levantou-se, emocionada, e abraçou-o pelas costas, encostando sua face na dele.
Beijou-o várias vezes e sussurrou:
— Pode, pode, pode.
Não sabia como pedir, mas eu queria muito que você fosse comigo.
Ele sentou-a no colo, acariciou-lhe os cabelos, fitou-a sério, enrolando um cacho dos cabelos dela nos dedos, e disse:
— Eu te amo.
Denise sorriu, enlaçou-lhe o pescoço, encostou o nariz no dele e, com os olhos brilhantes, falando junto à boca de Max, respondeu:
— Eu também te amo muito — e beijou-o apaixonadamente.

(11) A evolução anímica é uma obra de Gabriel Delanne, publicada em 1895.
François-Marie Gabriel Delanne (1857-1926), francês, era engenheiro eléctrico e importante defensor da cientificidade do espiritismo na transição do século XIX para o século XX.
(12) Te perdono é de autoria da espanhola Amália Domingo y Soler (1835-1909), escritora espírita e médium psicógrafa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 12, 2018 8:08 pm

Capítulo 38
Saber esperar, dizia Berthe, é a ciência da calma.
Porém, só sabe esperar quem aprendeu que o pensamento e os sentimentos são forças que precisam ser conhecidas.
O pensamento precisa ser controlado e os sentimentos, disciplinados, orientados.
Do contrário, o desequilíbrio e a infelicidade imperam.
O espírito adoece. Infelizmente, a mente de muitas pessoas é uma miscelânea.
Literalmente elas são atacadas por mil pensamentos.
Há um eterno ruído estressando o íntimo e permeando simplesmente tudo, não dando sossego.
E sopram ventos de ideias de todos os lados.
Como os sentimentos e os pensamentos retro-alimentam-se, fica fácil imaginar o imbróglio energético em que a pessoa vive.
Ela tem um mal-estar profundo e indefinido, sofre, e não há causa psíquica, emocional ou física.
O padecimento é por falta de auto-educação espiritual.
Às vezes, querem controlar a vida alheia e não conseguem controlar-se a si mesmos.
Denise olhava a agenda da terça-feira, recordando aquela lição da amiga.
Fazia poucos meses que se dedicara de corpo e alma aos atendimentos em Nancy, mas já notava os resultados.
As orientações de Berthe eram simples, poderia resumir em poucas palavras:
conheça e controle seus pensamentos, direccione suas emoções, ambos para o bem.
Procure desenvolver seu senso de valores e a espiritualidade.
Seja coerente e encontrará a saúde que vem de dentro, abrirá as portas e os caminhos da vida.
Fazemos escolhas interiores.
Venceu o dia.
Trabalhou, encontrou seus amigos, cumpriu seus compromissos e aguardou com calma a confirmação do resultado dos exames da mãe.
Intimamente sabia que seriam confirmados.
A vaga lembrança da visita acompanhada da avó dava-lhe a certeza de que a doença era maligna.
Mas não a assustava, não se desesperava.
Fechou a agenda, guardou-a na bolsa.
Sorriu. Era exactamente esse o diferencial: não se desesperava.
A doença era necessária para Marlene, era para o seu bem, para sua transformação.
Como não acolher o processo?
Bom, bom, não era.
Mas era preciso e estava ali entre eles.
Negar não resolveria.
Torturar-se também não.
A coisa era de fato simples:
fazer o que fosse possível, o que fosse necessário e o que Marlene permitisse.
Ah! Em outros tempos teria passado os dias arrancando os cabelos, roendo as unhas e irritando os outros com suas ansiedades e choramingos.
Sorriu, reconhecendo que aquela dramaticidade exagerada, aquela sensibilidade à flor da pele, era puro descontrole e uma ode ao sofrimento.
Não teria resolvido nada, mas teria dificultado a vida para si mesma e para todos ao seu redor.
"Berthe é sábia", reconheceu agradecida.
Olhou o relógio, apertou o botão que informava o horário no Brasil, ainda precisaria esperar algumas horas.
Então, pegou um dos livros da semana e viajou em suas páginas.
Antes do previsto, Camila fez contacto.
Denise colocou o notebook na mesinha e posicionou-os em frente à poltrona.
— Oi, mana.
Quais são as novidades?
Estava aguardando.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jul 12, 2018 8:09 pm

— Confirmado o diagnóstico.
Há um tumor maligno, agressivo e relativamente grande na mama direita.
Os outros não são, mas por precaução o médico recomendou mastectomia dupla.
Foi pesado, ela desmontou.
Tava se fazendo de forte, mas na hora H...
— Puxa!
Fico com pena, mas é natural.
Ninguém é de ferro e não acredito que alguém receba um diagnóstico desses com indiferença.
É duro! Fiquei abalada, imagino ela. Coitada!
— Eu também perdi o chão com a notícia.
Ela é uma mulher jovem, mas andei lendo a respeito e o médico explicou que é a idade com maior incidência.
É a faixa da menopausa ou pós-menopausa, por causa dos hormônios.
Mas é uma doença que pode dar em qualquer idade, e até em homens, embora seja mais raro.
— É, eles também têm mamas, embora atrofiadas.
E como ela está agora?
— Tomou um calmante leve que o médico prescreveu, levei um leite morno e ela está deitada, apática.
— E o pai?
— Ainda não chegou.
Mas já sabe o resultado.
Ela ligou pra ele quando chegamos em casa.
E você? Vai mesmo vir?
— Sim. Eu e Max iremos.
— Max? Vocês voltaram?
— Nem deu tempo de contar, mana.
Voltamos, sim.
Apesar desse problema com a mãe, estou feliz por ter conseguido resolver a minha vida.
Assinei com a ópera, então irei ao Brasil, acompanharei o máximo que puder o tratamento da mãe e volto a Paris.
Meu futuro é aqui, mana.
— Parabéns!!! É bom receber uma, não, duas notícias boas nessa confusão dos últimos dias.
Que bom! Vou adorar conhecer o meu cunhado.
Ele fala português?
— Poucas palavras.
Mas ele vai se esforçar, não se preocupe.
Assim você treina.
Mas vamos deixar isso pra depois.
E você, Camila? Como está?
— Agarrando-me a todos os santos...
Haha. Está pesado, não vou negar.
Até pelo modo como eles agem, fechados, o pai negando, a mãe tentando ser a mulher-maravilha, sempre durona.
Mas, lembra-se da Dora, uma colega de trabalho da mãe?
— Sim, claro.
A que a gente chamava de "bonitona".
— Ela mesma.
Tem me ajudado muito.
Ela realmente é amiga da mãe, não é só aquela coisa de trabalho.
Tem nos visitado.
Ela frequenta um centro espírita e temos conversado muito.
Ela está estudando, então conhece mais do que eu.
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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 7 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 13, 2018 8:33 pm

Tenho ido com ela às reuniões públicas e isso tem me feito bem.
Denise sorriu e, em pensamento, agradeceu aos espíritos que estavam ajudando seus familiares.
— Berthe tem me ensinado a confiar nos planos da vida, como ela chama.
Ela diz que a vida nos dá a dor e o remédio.
Mas depende da gente buscar o alívio.
A dor está connosco, está em nós; e o remédio, em nos abrirmos, aceitarmos fazendo o necessário, o possível, e não acolhendo o desespero.
— Em outras palavras, fazer do limão a limonada.
Mas como esse apoio ajuda...
Não tenha dúvida.
Eu gostaria que a mãe fosse connosco, mas ela resiste.
— Quando ela perceber o bem que faz a você, ela irá.
Mas, por enquanto, cuide de você, porque precisa estar forte.
Já tem data para a cirurgia?
— Daqui a duas semanas ela será internada e fará os exames pré-operatórios e depois a cirurgia.
— Ainda bem. Foi rápido.
Temi que demorasse.
— Puxa, eu acho que demora.
Vai mais um mês.
Queria já ter ido para o hospital hoje.
Esperar nessa situação é tão ruim!
— É, eu concordo.
Mas não podemos perder a calma, senão ficará ainda pior.
Elas conversaram até que Camila, alegando cansaço, interrompeu o contacto.
Denise afastou-se do computador, reclinando-se na poltrona.
Percebeu que seus familiares precisavam realmente de energias tranquilizadoras, tal como dissera o espírito da avó.
Fechou os olhos, concentrou-se, fez uma oração pedindo a assistência dos benfeitores espirituais para si e para eles.
Com a mente serena, começou a mentalizá-los, um a um, envolvendo-os da cabeça aos pés em uma energia calmante, que via num suave tom de rosa pálido.
Após vinte minutos, desligou-se deles.
Sentia-se bem, leve, porém fraca.
Seguiu as instruções de Berthe, fazendo exercícios de respiração, alongamento rápido e foi até a geladeira servir-se de um generoso copo de suco de laranja.
Ouviu o barulho da fechadura da porta e alegrou-se.
Charlotte estava em casa.
— Olá! — falou a francesa, incrivelmente bem-disposta àquela hora da noite.
— Oi! — respondeu Denise, surgindo no vão de acesso à sala.
Animada, hein?
Podemos comemorar?
Charlotte esboçou um largo sorriso e abriu os braços para a amiga, declarando:
— Contratada! Estou contratada e começo na próxima semana.
— Uau! Parabéns!!! — cumprimentou Denise, feliz, abraçando-a.
Merde! Merde! Merde!
Charlotte dava pulinhos abraçada à Denise, repetindo a tradicional saudação de boa sorte.
Seus olhos brilhavam, aliás, ela resplandecia.
— Estou tão feliz!
Consegui o emprego que queria, tenho um namorado que adoro e me adora, estou saudável, tenho amigos queridos, a vida é mesmo uma dádiva!
Denise abraçou-a apertado e enfatizou:
— Você merece!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 13, 2018 8:33 pm

A vida ajuda a quem se ajuda e retribui os nossos esforços.
E eu aprendi isso com você.
Charlotte balançou a cabeça, como querendo dizer:
"isso é tão comum".
Ela não sabia o que era carecer de força, melhor dizendo, de vontade para levantar-se.
Charlotte tinha alma de guerreira e Denise a admirava e aprendia a encarar a vida sorrindo, aceitando o presente do dia, fosse do seu agrado ou não, e seguir adiante.
Ela tinha flexibilidade.
Era uma bailarina, ágil, flexível e leve no trato da vida interior, emocional e intelectual.
Charlotte foi servir-se de suco e de um sanduíche e relatou a Denise a aventura da tarde, a entrevista, o local de trabalho, as possibilidades de crescimento.
Estava empolgadíssima.
Naquele clima alegre, descontraído e produtivo, a semana de Denise voou.
Apenas a doença de Marlene lançava uma sombra no horizonte, mas ela procurava manter-se esperançosa e confiante.
Fizera as preces pela família diariamente.
Sentia-se bem.
Era uma forma de ajudá-los.
Surpreendera-se quando Camila confessara que não sabia como, mas estavam conseguindo forças e melhorando o clima em casa e havia momentos em que se sentia envolvida por uma calma tão boa que tinha a sensação de ser capaz de enfrentar qualquer adversidade e resolver tudo sem estresse.
Estava confiante de que "tudo passaria".
Era um exemplo das comprovações de que lhe falava Berthe.
"São elas que nos fortificam e gratificam, minha querida.
Não há trabalho exaustivo ou pesado que você não esqueça quando vê quem atendeu melhor.
É gratificante!
O bem não precisa de pagamento, porque o amor só com o amor se paga.
E quem ama o que faz, contenta-se com o bem que fez, sem esperar nada do outro.
O amor pelo trabalho que realiza lhe dá toda felicidade que precisa."
Os preparativos para a viagem ao Brasil estavam prontos.
Ela e Max embarcariam em dez dias, chegariam à véspera da cirurgia de Marlene.
Naquela sexta-feira, os dois casais trabalhavam concluindo a arrumação da nova cozinha do apartamento de Maurice e Charlotte.
Preparativos finais para a transformação do antigo apartamento de homem solteiro em lar do casal.
— E eu que pensei que tinha tudo. — dizia Maurice, olhando as caixas empilhadas sobre a mesa.
— Quase, meu amor, você tinha quase tudo. — respondeu Charlotte, fazendo beicinho e acariciando-lhe os cabelos rapidamente.
— Vocês, mulheres, precisam de coisas demais. — protestou Maurice, zombando.
— De acordo. — respondeu Max, entrando com outra caixa.
Onde coloco isso, Charlotte?
Está pesada!
— Coloque sobre a bancada, ao lado do fogão.
São talheres e tábuas.
Os dois homens se olharam e riram, balançando a cabeça, mas, cordatos, ajudaram Charlotte e Denise a arrumar os armários.
Terminada a organização da cozinha, colocaram para assar uma pizza congelada e abriram uma garrafa de vinho.
Cansados, sentaram-se na sala para relaxar e conversar.
Planearam o fim de semana em Nancy.
Iriam juntos. Berthe os aguardava.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 13, 2018 8:33 pm

Capítulo 39
Berthe sentou-se.
O trabalho com Denise evoluíra com impressionante rapidez e desenvoltura.
Ela era uma sonâmbula natural e dócil.
Nessa sessão, esperava que, com a permissão dos mentores espirituais, ela pudesse tornar-se lúcida e que, ao regressar do transe, recordasse as experiências vividas.
— Você está bem? — perguntou-lhe Berthe.
— Sim.
— Está sozinha?
— Não. Há três pessoas comigo.
— Sabe quem são?
— Eles disseram ser minha avó Amélia, Alberto, meu mentor espiritual, e o outro é o mentor espiritual de Anton.
— Muito bem.
Alberto autoriza-nos a voltar ao passado de Georgette, em Gordes, 1812?
— Sim.
— Então, recorde, Denise.
Retorne no tempo e volte à personalidade de Georgette. Lembre-se.
Volte. Busque a solução dos seus conflitos, dos seus medos.
Volte para libertar-se do passado.
Conte-nos a história de Georgette e Anton.
Alguns segundos se passaram, em silêncio.
Bertoldo concentrava-se em preces, auxiliando o clima do trabalho; Berthe mantinha-se atenta, contemplando com paciência a sonâmbula.
Sabia que não devia interferir, mas apenas aguardar.
Até que Denise, com a voz levemente modificada, mais doce e rouca, começou a falar.
— Nasci em Gordes, mas meus pais foram embora pouco depois do meu nascimento.
Eles não concordavam com meu tio, o chefe da família, e com o padre responsável pela abadia.
Meu pai tinha horror a padres. Fugiu deles.
Mudaram-se para Roussillon, onde cresci.
Um vilarejo lindo, ensolarado, colorido.
As casas são de barro ocre, é um local alegre, quente.
Meus pais são agricultores, cultivam lavanda, alecrim e outras ervas.
Nossa casa é simples, pequena, e possui um cravo antigo.
Meu pai sabe tocar, e todos os dias, no fim da tarde, ele toca.
"Hábitos de um nobre falido ou de um rico que empobreceu", dizia ele.
Mas Gérard Lefreve amava a música.
Eu e mamãe éramos seu coral de anjos.
Lembro-me que eu era muito pequena e minha mãe, Dorotea, colocava-me sobre seus joelhos e murmurava as cantigas para eu repetir, bem devagar, até decorá-las.
Então, cantávamos.
Parece que ouço aquelas cantigas alegres.
Havia muito amor na nossa casa.
Nunca vi meus pais discutirem.
Eles conversavam e riam o dia todo, quer estivéssemos na lavoura, quer estivéssemos cantando à noite.
Eu me parecia com minha mãe.
Ambas tínhamos os cabelos loiros, longos, olhos grandes cinzentos e pele muito clara.
Minha mãe trançava meus cabelos e colocava lenço e chapéu sobre eles.
Tudo para proteger-me das sardas — Denise riu baixinho.
Um sonho ingénuo e impossível.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 13, 2018 8:33 pm

Nós tínhamos sardas, vivíamos ao sol.
Meu pai achava bonito.
Me lembro de vê-lo beijar as manchas no meu nariz e também em mamãe.
Enquanto eles trabalhavam, eu brincava nas lavouras lilases.
Eu adorava a primavera, especialmente quando se aproximava o verão.
As lavouras floriam e o perfume delas, logo cedo, misturado ao orvalho, era delicioso.
Jamais esqueci a felicidade, a alegria e o cheiro daqueles campos.
Eu corria e brincava com os pássaros, com os bichinhos que viviam por ali.
Eu acreditava que era uma fada, era a minha fantasia preferida.
Ela calou-se, seus olhos, fechados, moviam-se rapidamente de um lado para outro.
Virava a cabeça contrariada, denunciando que as lembranças tinham uma carga emocional diversa, pois até então Denise mantivera-se calma, relaxada, e somente a voz sofrerá ligeira mudança.
— Odeio Napoleão Bonaparte.
Ele não nos deu paz.
Também... como alguém que leva a morte e a destruição aos outros seria capaz de dar a paz aos seus?
Ele sangrava o povo, especialmente os camponeses.
Seus soldados saqueavam e desrespeitavam sem piedade.
Eram bárbaros, animais.
Não! Animais não agem daquele modo. Eu o odeio.
Ah, se pego aquele infeliz! Esgano ele.
Não me importo que me enforquem.
Ele é tirano e cruel.
— Calma, querida — pediu Berthe, interferindo delicadamente.
Isso é passado.
A raiva traz consigo muita energia e precisa ser bem conduzida.
É preciso ter muita lucidez para dirigir a raiva e usar essa energia de forma positiva para dar-lhe determinação e aumentar a vontade.
Do contrário, ela é uma reacção infantil e violenta que causa estragos na vida.
Calma! Diga-me por que Georgette odeia tanto Napoleão.
— Os soldados dele mataram meus pais — declarou a sonâmbula, caindo em pranto copioso.
— Chore, meu bem.
Isso lhe permitirá prosseguir mais serena.
Berthe deixou-a extravasar as emoções durante alguns minutos e, percebendo que estava mais calma, determinou:
— Retome as lembranças.
Conte-me o que aconteceu após a morte de seus pais.
— Meu tio foi avisado e veio me buscar.
Escapei da morte porque estava brincando num córrego do outro lado da lavoura, longe de casa.
Os soldados eram maus, eles saquearam tudo que tínhamos, e na casa de outros vizinhos fizeram a mesma coisa.
Só diziam que tinham fome, que a vida das batalhas era dura para garantir que ficássemos ali plantando florzinhas.
Isso era mentira.
Nós não queríamos guerra.
Meu tio chegou no dia do enterro dos meus pais.
Foi um dia muito triste.
E como haviam morrido várias pessoas, o padre resolveu colocar todos os mortos na igreja e reunir toda a vila para o funeral.
Eu estava muito assustada.
Lembro-me de que segurei a mão da irmã Martha o tempo todo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 13, 2018 8:34 pm

Ela era muito boa.
As pessoas choravam e, às vezes, falavam furiosas, outras pareciam loucas.
Eu era criança, mas notei que elas agiam de um modo estranho.
Eu tinha medo, um medo terrível.
Não entendia por que aquilo havia acontecido nem o que seria da minha vida.
Mas sabia que as pessoas que morriam não voltavam mais.
Fiquei todas aquelas horas agarrada à mão da irmã Martha.
Às vezes, ela me abraçava.
Meu medo era tanto que eu não conseguia chorar.
Doía-me a garganta, mas eu não chorava.
Isso foi assim desde que eu os encontrei mortos na lavoura.
A última coisa que me lembro deles foi de me beijarem a cabeça como faziam todas as manhãs e recomendarem cuidado.
Quando voltei, eles estavam feridos, muito feridos, ensanguentados e não falavam nem me viam mais.
Estavam mortos.
No chão, caídos sobre as plantas.
Os vizinhos correram e me encontraram ali.
Nas lavouras deles também tinha acontecido aquela barbárie.
Simplesmente eles matavam, não deixavam feridos.
Aqueles que sobreviveram contaram o que aconteceu.
Levaram-me para irmã Martha.
Ela e a outra freira ensinavam as crianças da paróquia.
Mas haviam restado poucas crianças camponesas.
Muitas estavam na igreja para serem enterradas com seus pais.
Éramos poucos órfãos, a maioria eram bebés, a maior era eu.
Por isso, o padre mandou chamar meu tio, em Gordes.
Além do mais, ele era rico e poderia cuidar da sobrinha.
Ele veio por obrigação.
Levou-me para Gordes.
Lá, meu único consolo era a amizade de irmã Martha e o amor de Anton.
— Quem era Anton?
Como e quando você o conheceu? — perguntou Berthe.
— Anton era um dos monges trapistas que ainda viviam na abadia de Gordes.
Ele era o encarregado da educação dos meus primos.
Eu o conheci nos primeiros dias após a mudança.
Eu ainda tinha muito medo, sentia-me muito sozinha e triste.
Estava perdida naquela casa de pedra, cheia de quartos, salas e escadas.
Tudo era o oposto da minha vida.
Antes eu morava numa casa pequena, feita de barro, de cor ocre.
Era arejada, cheia de flores, tinha aromas, sons e alegria.
Meu tio tinha um palacete, feito de pedra, como quase todas as construções de Gordes.
Era uma casa antiga, fria, silenciosa, com um pé-direito alto, e o único cheiro que se sentia era na primavera, quando floriam as lavandas.
Mas aí o ar ficava impregnado e era o mesmo em toda a vila.
Minha tia era uma mulher fechada, distante.
Não gostou que eu fosse para a casa dela.
Lembro-me quando me perguntou:
"Que idade você tem, Georgette?".
E eu disse: "Onze anos".
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 13, 2018 8:34 pm

Ela olhou-me, avaliou-me para dizer a verdade, e respondeu:
"Uma menina bem bonitinha.
Onze anos... Isso é bom.
Com quinze poderemos casá-la".
Depois, chamou uma criada e mandou que me levasse ao quarto que tinham arrumado para mim.
E as atenções que recebi de tia Margareth foram essas, sempre frias, práticas e distantes.
Uma hóspede, por alguns anos, que ela teria a obrigação de casar para se livrar.
— Sim, entendemos.
Mas volte para Anton — determinou Berthe, orientando as recordações de Denise.
— Anton era um homem jovem.
Eu o achava bonito e ele foi o único a dar-me atenção em Gordes.
Ele tirou-me daquela tristeza, da solidão e do frio.
Anton tornou-se o sol para mim.
Vivi apenas para esperá-lo.
Sinto, ou melhor, senti falta dele desde cedo.
Eu sabia que não devia, mas entre saber e querer nem sempre há concordância.
E eu o chamei, chamei muito.
Fiquei viciada nele, eu acho.
— Você está falando de quando foi Georgette ou de agora, como Denise Pereira? — perguntou Berthe.
— Das duas, porque eu sou ambas.
Como Georgette, de início, não entendi o que estava sentindo nem o que estava acontecendo.
Eu tinha onze anos, mas meus pais prolongaram muito a minha infância e eu era ingénua demais.
Não sabia que mulheres menstruavam, nem tinha qualquer ideia a respeito de sexo.
Anton ensinou-me tudo.
A princípio, eu sentia falta do colo do meu pai, sentia falta de ser abraçada e acariciada como uma criança que toda vida fora muito acostumada a receber carinhos e, de repente, me vi privada de tudo, vivendo numa casa gélida, em todos os aspectos.
Eu sentia tanto frio lá, que até meus ossos gelavam e tremiam.
Era uma carência tão dolorosa! Tão dolorosa!
Eu me sentia perdida.
Isso durou alguns meses.
Anton ia lá, era preceptor dos meus primos.
E eu não podia assistir às aulas, mas não tinha o que fazer, então eu vagava pelos corredores como uma pequena alma penada, perdida naquele casarão.
Acabei ouvindo as aulas atrás da porta.
Aquilo me distraía e Anton tinha uma voz linda, grave, profunda.
Ele falava com calma, e ouvi-lo me acalmava.
Aquilo deu sentido aos meus dias, ocupava minha mente.
Um dia, ele chegou mais cedo.
Meus tios não estavam em casa e eu me atrevi a chegar perto do cravo que era do meu pai.
Ele estava na biblioteca, onde Anton ensinava meus primos.
Tinham levado o instrumento porque havia pertencido a minha avó e era caro.
Só o que se aproveitava da minha casa, era o que meu tio dizia.
Fui até a biblioteca e fiquei um bom tempo olhando para o instrumento, chorando, e acariciando-o ao mesmo tempo.
Sem perceber, dedilhei uma canção que meus pais gostavam e que cantávamos muito.
Anton entrou e eu não vi, mas ele se aproximou de mim, cantando baixinho, acompanhando-me.
Ele sentou-se na banqueta e eu me sentei no colo dele, como fazia com meu pai.
Anton me abraçou e sussurrou no meu ouvido:
"Você toca muito bem.
Sabe cantar?".
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 13, 2018 8:34 pm

Eu balancei a cabeça dizendo que sim.
Terminamos a música e ele começou a tocar outra.
Eu conhecia a música, eram todas bem populares.
Tocávamos e cantávamos aquelas músicas nas festas da paróquia e em casa.
Ele me disse: "Cante! Cantar faz bem para a alma.
Cante, minha criança".
Eu obedeci e vi que ele me olhava admirado.
Quando estávamos terminando, ele repetia:
"Um pequeno rouxinol, um pequeno rouxinol.
Você tem uma voz linda e canta muito bem.
Quem a ensinou?".
Eu lhe contei sobre meus pais, sobre como era a minha vida e consegui falar de tudo que estava sentindo.
Ele me abraçou, me beijou os cabelos, acariciou meu rosto e me disse que nunca mais eu ficaria sozinha, que ele iria cuidar de mim.
E foi assim que tudo começou.
Ele falou com meus tios, enalteceu meu talento e pediu permissão para que eu o acompanhasse e cantasse nas cerimónias religiosas.
Não era algo comum.
Meninas não tinham funções nas cerimónias, mas eu era uma órfã e naquela época a abadia estava decadente.
Poucos monges viviam lá e a novidade acabou sendo bem recebida.
Com isso, Anton passou a fazer parte dos meus dias.
Ele era apaixonado por música e adorava compor.
Mas estava com os monges havia muitos anos.
Assim como eu, ele também ficara órfão cedo e a igreja fora seu lar.
A vida religiosa não era um peso ou o fazia infeliz, mas tampouco fora livre escolha.
E foi assim que cresci em Gordes e encontrei a felicidade no colo de Anton.
Eu era o seu pequeno rouxinol.
Eu cantava na janela da casa do meu tio para chamá-lo, para que ele andasse mais depressa de manhã quando vinha ensinar meus primos.
Quando eu tinha treze, quase catorze anos, tornamo-nos amantes.
E um ano depois, decidi entrar para a Igreja, pois minha tia considerava que era tempo de casar-me.
Acredito que ela desconfiava do relacionamento que havia entre mim e Anton.
— Você foi para a Igreja? — questionou Berthe, surpresa.
— Sim, fui. Ingressei na ordem trapista.
Irmã Martha, nessa época, era a madre responsável pelo convento feminino.
A sonâmbula calou-se, emocionada.
Parecia sentir vivamente aquelas lembranças.
— Irmã Martha sabia de tudo.
Era uma santa mulher, nunca me julgou, nem me recusou abrigo em seu convento, mesmo sabendo ou desconfiando do relacionamento que havia entre mim e Anton.
Ela me amava, de verdade, pelo que eu era.
Fui muito feliz na ordem.
Aqueles princípios austeros, o trabalho, a simplicidade, a hora do canto.
Eu tinha sido educada para aquele tipo de vida.
As plantações, o trabalho com a comunidade, a convivência com outras mulheres, eu adorava, mas sabia que havia um preço pelo segredo, pelo amor proibido que vivíamos.
Sempre soubemos.
Cantar em Thoronet era uma experiência divina.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 13, 2018 8:34 pm

Eu e Anton cantávamos com perfeição naquela acústica privilegiada.
Era preciso uma harmonia perfeita, e nós tínhamos.
Cantávamos um para o outro.
E vivemos assim por mais de uma década.
Então, vieram os problemas.
A sonâmbula começou a tossir e dar sinais de falta de ar, de sentir-se sufocada.
Notas de desespero soavam em suas falas entrecortadas.
Uma mão no pescoço e outra no estômago eram sugestivas.
Berthe trocou olhares com o amigo.
Bertoldo balançou a cabeça, penalizado.
A situação era óbvia.
— Mantenha a calma — pediu Berthe, falando baixo e pausadamente.
Estamos lidando com lembranças, tudo isso é passado.
Nosso propósito é entender seus medos, seus traumas e sua ligação com Anton.
Você está indo muito bem. Foque sua atenção em resumir qual foi o problema.
— Queriam nos separar, desejavam mandar Anton para longe.
Muito longe. E eu também.
Nossa ordem enfrentava problemas, éramos poucos e o governo de Napoleão III não nos apoiava.
Estavam desmantelando as abadias.
Sénanque tinha meia dúzia de monges; Thoronet, um pouco mais.
A nossa tinha os conversos e isso aumentava o trabalho e a renda, mas, mesmo assim, não tínhamos como fazer frente à decisão dos superiores.
Anton seria enviado para as terras do chamado Novo Mundo com os outros monges e nós, mulheres, iríamos para o norte da Europa ou em missões para a África.
Foi então que decidi apelar para meu tio.
Ele era rico e influente, e a Igreja sempre foi sensível a esses fiéis de forma especial.
Eu e irmã Martha fomos a Gordes.
Ah, meu Deus! Se arrependimento matasse...
Mas eu tinha que tentar, era nossa última esperança.
Precisávamos mostrar que a ordem era viável.
Sabíamos que estávamos indo contra as regras, afinal, os trapistas eram uma ordem reformista.
Não chegávamos nem perto dos reformadores alemães ou ingleses, de Lutero, Calvino, mas a França era um território não muito sereno para o poder de Roma.
Tínhamos questões pontuais, como os huguenotes.
E a severidade dos princípios trapistas com relação ao uso do dinheiro e do poder incomodava-os.
Essa era nossa maior questão.
Nossas igrejas e abadias eram simples, sem pinturas, sem esculturas, sem ouro.
Nossas comunidades trabalhavam pelo autos sustento, sem gerar lucros, e o pouco que sobrava era empregado no atendimento de pobres e doentes.
Nosso apreço era por viver a arte, não por cultuar artistas e obras.
Mesmo no auge, séculos antes, nossas abadias mantinham-se singelas.
Apenas a beleza da arquitectura.
Meu tio poderia ser a nossa salvação e sabíamos que estávamos negociando com o demónio, cedendo em questões que poderiam determinar nossa excomunhão da ordem.
Ele era devoto de Notre-Dame de La Garde e contribuía com enormes somas para a restauração da igreja, assim como muitos comerciantes marítimos.
A origem desse dinheiro era tida como legítima, embora todos soubessem que se devesse ao comércio de escravos.
Mas a nossa ordem já estava desmantelada, os beneditinos a engoliam, como uma cobra engole sua presa.
Ele ironizou nosso pedido, desprezou-nos e denunciou-nos ao bispo beneditino que ganhava prestígio na Provença.
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Eu o odiei e odiei Notre-Dame de La Garde e suas belezas.
Meu tio precipitou o nosso fim.
Ele denunciou Anton, acusou-o de crimes sexuais contra crianças, jovens conversos e com votos e de corrupção.
Expôs nosso relacionamento. Foi o fim.
A comunidade de conversos foi banida, as pessoas jogadas na rua, na miséria.
As terras foram arrendadas aos nobres e ricos, entre eles meu tio.
As monjas, entre elas irmã Martha, foram encaminhadas para missões nas Américas, Haiti e Honduras, onde meu tio traficava escravos.
E os monges receberam ordem de partir para o Novo Mundo.
Eu e Anton não suportaríamos a vida separados.
Eu não suportaria outra perda.
Recusava-me a pensar e a sofrer.
Então, às vésperas da data derradeira, Anton propôs-me um pacto: nunca nos separaríamos, ninguém ficaria entre nós, jamais nos afastaríamos um do outro, fosse naquela vida ou no além, não importava se no céu ou no inferno, desde que estivéssemos juntos.
Demorei a entender do que ele falava, pois a morte não era propriamente algo que eu cogitasse.
Pensava em fugir, em assumir outra identidade, em ir para algum lugar bem longe e viver numa casinha simples.
Até numa toca eu seria feliz se ele estivesse comigo.
Mas Anton era teimoso, orgulhoso e muito persuasivo.
Convenceu-me de que meus sonhos eram bobagens e que jamais fugiríamos dos olhos da Igreja, afinal ela tinha poder em todo o mundo.
E ele estava sendo acusado de crimes graves e não tinha defesa.
Dizia que ninguém tinha, e que os tribunais eclesiásticos faziam o que queriam.
Ele não era influente na Igreja, era só um monge trapista que amava a música e aquela vida simples e pobre, que era a única que conhecia.
Acabaríamos podres em uma cela, numa morte cheia de dor e agonia.
E seríamos separados, com certeza. Desesperei-me.
Era tarde da noite e estávamos na sala capitular da nossa abadia.
Era onde nos encontrávamos escondidos à noite.
Então ele apresentou-me um frasco e disse-me que nossa única saída era morrermos juntos, unidos no ato de amor.
Aquela seria a melhor morte, o fim dos problemas, e Deus nos perdoaria, pois fazíamos aquilo por amor.
Eu aceitei. Selamos o pacto bebendo o veneno juntos e esperamos a morte um nos braços do outro.
Não foi tão fácil, nem tão bonito como ele havia descrito.
Eu morri nos braços dele, senti-o me beijar e apertar em meio à terrível queimação da garganta, do esófago, senti meu estômago desmanchar, abrir-se em feridas, e o sangue jorrar por minha boca.
Foi horrível, ainda me sinto sufocar.
Falta-me o ar.
Mas eu o ouvia jurar que me amava e que para sempre cumpriria o nosso pacto.
Dizia que enfim eu era completamente dele.
Ele morreu algumas horas depois de mim.
A agonia dele foi maior.
A sonâmbula caiu em choro comovido e repetia:
— Meu Deus, como me arrependi do que fiz!
Quanto sofri! Foi horrível! Horrível!
Me arrependi muito. Foi horrível!
Sinto falta de ar, da boca ao estômago tudo arde, está queimando.
Ele diz que me ama, mas eu não quero morrer. Nãããooo!
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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 7 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Jul 13, 2018 8:34 pm

— Denise! Denise!
Calma! Isso é passado.
Você está revivendo lembranças com alta carga emocional, mas é passado.
Já aconteceu, agora são lembranças.
É bom que tenha se arrependido do suicídio.
É um acto que só aumenta o sofrimento.
Por fim, a vida física não resolve absolutamente nada.
É um grande engano!
Viver é mais do que um direito de todos nós, é uma necessidade.
Precisamos das experiências na matéria para desenvolver nossas potencialidades emocionais, intelectuais e morais.
É para isso que nascemos, morremos e renascemos inúmeras vezes na Terra: para evoluir.
O suicídio acrescenta altas doses de sofrimento a esse processo.
Enfrentar os desafios da vida de cabeça erguida, confiar no melhor e saber que Deus deseja o nosso bem, e só o nosso bem, é o caminho, querida.
Que essa ideia infeliz não encontre mais espaço em sua mente.
Com as lembranças desse passado revisitado, traga esse medo enorme e sem domínio que povoou seu íntimo e liberte-se.
Lance fora mágoas, rancores, ressentimentos, raivas, ódios, medos, sentimentos destrutivos ou paralisantes e perdoe o que os gerou, retire toda carga emocional desses factos.
Liberte-se, perdoe-se, perdoe os que conviveram com você e despeça-se de Anton.
Ele pertence ao passado.
No momento, está no plano espiritual e ainda precisa enfrentar um processo de autoconhecimento, precisa confrontar seus sentimentos, crenças, valores e vivências.
Ele ainda não se arrependeu do que fez, permanece preso àqueles factos.
Crê no pacto que fizeram e cobra sua execução.
Analise essas lembranças, querida.
É uma história de um amor possessivo, obsessivo, na verdade.
Nossa forma de amar ainda é um amor cheio de falhas, ressente-se da nossa própria evolução, por isso muitas vezes amor rima com dor.
Mas não deve ser assim.
Conforme evoluímos espiritualmente, entendemos que o amor liberta, o amor satisfaz a quem ama, ele nos torna felizes por descobrirmos essa imensa força e capacidade em nós.
Um amor que se projecta exclusivo sobre outra pessoa, que gera dependência, apego, carência e sofrimento é uma semente que nasce em um campo eivado de erva daninha.
Para que floresça forte e saudável, carregando alegria, paz, felicidade e força, será preciso limpar esse terreno.
A afinidade entre vocês era o amor pela música e a carência da orfandade, aliada a grande dose de paixão sexual, o que é normal, mas não pode dirigir as decisões.
Você, hoje, no ano de 2013, é um espírito reencarnado como uma jovem mulher e tem pela frente um futuro repleto de oportunidades.
Hoje você é Denise Pereira, a personalidade Georgette é passado, liberte-se dessas vivências, deixando-as sepultadas, não reassuma as carências e fantasias de Georgette nem reviva esse amor obsessivo.
Aproveite a oportunidade do dia presente e viva-o com equilíbrio.
Berthe calou-se e observou sua atendida. Denise estava calma e serena.
A sombra de um sorriso se desenhava em seu rosto marcado pelas emoções do passado.
— Sim, eu farei isso.
Irmã Martha, minha avó Amélia nessa existência, diz para eu viver e ser feliz, valorizando o que tenho.
Ela reencarnou perto de mim, do grupo.
Mas eu não reconheço meu pai, nem minha irmã.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 14, 2018 7:01 pm

— Isso, com certeza, não é necessário, nem útil, por isso não foi permitido pelos mentores espirituais que nos assistem.
A vida é dinâmica, na roda das encarnações entram seres novos em nossas vidas e outros se afastam.
Mas tudo se realiza visando o melhor aproveitamento para todos.
Além do mais, com alguns espíritos temos relacionamentos a ajustar, outros se aproximam para ajudar, e, por fim, lembre-se de que você não viveu apenas como Georgette.
Você é velha, meu bem!
Muito velha! Todos somos.
Quem garante que essas pessoas não tenham vínculos ainda mais antigos com você?
E jamais se esqueça:
a vida não é só passado, ela é, principalmente, presente e futuro.
Não trave a roda da sua evolução.
Você se dispõe a perdoar-se, a perdoar esse passado?
— Sim. Eu o encerro e o esquecerei.
— Fortaleça ao máximo sua vontade de viver o presente, aqui e agora, com olhos no futuro, buscando crescer em paz, com saúde e felicidade.
Berthe levantou-se, fez passes transversais sobre Denise, acrescentando um sopro frio na região entre os olhos, e ordenou-lhe:
— Desperte e guarde na memória o necessário para libertar-se das angústias e dos medos que a afligiam. Desperte!
Denise pestanejou, sentia-se confusa e cansada.
Lentamente, recobrou as lembranças.
Tivera um sono magnético lúcido, consciente.
Relatou a Berthe e Bertoldo suas impressões, dispensando a fita gravada.
Trocaram ideias, e Denise, ao final, sentia-se leve, livre e disposta.
Estava confortável em si mesma, após muitos anos de uma cruel tortura de insatisfação, medo, estranheza, solidão, de ter teia de aranha no cérebro, saudades inexplicáveis e viver sob o comando da voz e da vontade alheias.
Enfim sentia-se bem e livre.
Havia espaço em seu íntimo.
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Sinfonia da Alma -  Laya/Ana Cristina Vargas - Página 7 Empty Re: Sinfonia da Alma - Laya/Ana Cristina Vargas

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 14, 2018 7:01 pm

Epílogo
Anton acompanhou as mudanças de Denise, revoltou-se, sentiu-se enfraquecer, enfureceu, mas simplesmente a força de vontade dela mudou a energia ao redor e impediu seu acesso.
Ela tornou-se senhora da própria mente e o pensamento dele não a alcançava.
Denise havia voado para longe.
Ele estava destruído.
Vivera anos a fio, o suficiente para compor séculos, fugindo de si mesmo, agarrando-se a outras pessoas como um parasita, sugando-lhes as forças.
Georgette fora a raiz perfeita sobre a qual se estabeleceu naquele passado longínquo e que manteve sob seu domínio por mais de duzentos anos.
Iludimo-nos quando pensamos que os fortes dominam e oprimem.
Os verdadeiramente fortes são livres e libertam.
O forte oprime o fraco em força física, em economia, e, ainda nisso, quando lhe falta inteligência, pois é mais seguro impulsionar o progresso do que oprimir.
É a fraqueza moral que oprime.
O orgulho, o medo, a carência, o apego e todo seu cortejo de afiliados são opressores.
Anton era uma personalidade marcada por esses sentimentos em larga escala.
Seu histórico reencarnatório era um quadro repetitivo.
Como não poderia deixar de ser, para mudar a história é preciso mudar o ser humano.
E ele, como toda pessoa dominada pelo medo, era conservador e teimoso em suas atitudes, orgulhoso, mantinha opiniões arraigadas e não cedia.
Inflexível, típico de um intelecto pouco desenvolvido, de uma mente não afeita à reflexão.
Então, impõe suas vontades, domina, oprime, vive amores exigentes e obsessivos, numa palavra, sufocantes.
É o popular "amor que mata".
Como espíritos não morrem, o amor dele maltratava.
Sentia-se injustiçado, traído e abandonado.
A paixão ameaçava tornar-se ira.
Uma mente como a dele é fértil em fantasias para justificar-se e fazer-se de vítima, de incompreendido e carente.
Alberto e Endrigo, o mentor espiritual de Anton, assistiam à ruminação mental que ele fazia, apoiado na antiga árvore no Museu de Balzac.
Não era difícil deduzir por que ele estava ali.
Atribuía a mudança de Denise à conversa com Maurice.
Foi ali, naquele jardim, que pela primeira vez ela reagiu contra a vontade dele e não o obedeceu.
A partir dali perdera rapidamente o poder sobre ela.
E culminava no facto de ela sentir piedade dele e esquecê-lo, julgando-se capaz de viver sozinha.
— Quanto ele ainda precisará sofrer? — indagou Alberto.
— O sofrimento é auto imposto, meu amigo, bem sabemos disso.
Somos os criadores dele.
Assim, depende de cada um pôr fim ao seu sofrimento.
Quanto antes Anton decidir aprender e libertar-se dessas inferioridades que cultiva tão zelosamente, dessa forma pateticamente romântica de viver e amar que os iludidos apreciam, mais cedo será livre e feliz.
Quem construiu essa prisão foi ele.
Sempre que posso digo-lhe que a chave está nas mãos dele, ou melhor, no uso da vontade.
É usar e abrir.
Mas... ele teima.
A mudança dela poderá ajudá-lo, fazê-lo reflectir — disse Endrigo.
— É, espero que sim.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 14, 2018 7:01 pm

Mas sabemos que Denise não foi a primeira pessoa a sofrer essa acção por parte de Anton — lembrou Alberto.
— Sim, é claro. Houve Kerstin e, antes dela, Eleanora.
Anton não sabe o que é o amor nem o que é amar.
Ele tem apego, paixão, possessão sobre o objecto de seu afecto.
Isso é triste, porque reflecte o interior dele.
Meu protegido ainda tem um longo caminho a percorrer, e a maior dificuldade é não abrir-se ao aprendizado.
Planeamos o retorno dele à matéria.
A libertação de Denise o fará consumir-se, como aconteceu nas outras situações.
Enfraquecido, ele cederá e iniciará um processo reencarnatório forçado, obrigatório.
Alberto balançou a cabeça, compadecido, e comentou:
— Espero não vê-lo como muitos que reencarnam nessa condição e depois, a toda e qualquer hora, dizem que viver é um castigo.
Endrigo observou, resignado e paciente, seu tutelado.
— Eu também, mas isso dependerá dele.
A vida oferece a todos o melhor, o necessário para progredir, crescer e ser feliz.
Abraçar essa realidade e vivê-la depende da vontade de cada um.
É questão de maturidade.
Por ora, vamos levá-lo a uma colónia espiritual para que se refaça, e na esperança de que abra a mente e possamos trabalhar juntos no planeamento da nova reencarnação.
Anton, fixado e fechado na ruminação mental que fazia, não percebia a assistência dos benfeitores espirituais.
Mas estava fraco, acostumara-se a conviver com as energias de Denise, e sentia falta delas.
Endrigo não teve dificuldade em adormecê-lo usando a própria repetição mental que fazia para hipnotizá-lo.
Limitou-se a interferir mentalmente, repetindo, como uma cantilena, o nome de Georgette.
Aliou a isso a acção de sua vontade e sentimentos, envolvendo Anton em energia calmante, e ele, ainda muito materializado, perdeu a consciência.
Endrigo tomou-o nos braços, como se fosse uma criança adormecida, e, sorrindo para Alberto, disse:
— Sucesso na sua missão junto a sua protegida!
— Obrigado, desejo-lhe o mesmo. Se precisar de mim...
Endrigo acenou e partiu, levando Anton.
Alberto sentou-se no banco de concreto e mentalmente agradeceu a Deus a solução daquele conflito.
A acção obsessiva de Anton sobre Denise ameaçava pôr em risco o planeamento da existência dela.
Havia sido uma prova longa, mas enfim ela crescia e tinha vontade de vencer.
Denise e Max chegaram ao Brasil dois dias antes da data da cirurgia de Marlene.
A visita do rapaz propiciou uma bem-vinda mudança no clima da família, até então centrado na doença e em Marlene.
O namorado francês da filha alterava completamente o foco de interesse.
A própria enferma transformou-se.
Max era um rapaz muito atraente, possuía uma personalidade cativante e soube conquistar a simpatia dela.
Marlene considerou promissor o mercado de música new age e muito interessante os seus projectos de trabalho.
Camila arregalou os olhos ao ouvir a conversa e esforçou-se para conter o riso, dando-se por satisfeita em retirar as louças da mesa, após o jantar, e ir arrumar a cozinha com Denise.
— Será que mamãe está entendendo o inglês com sotaque francês de Max? — perguntou a Denise, fingindo espanto.
Você ouviu o que ela disse sobre música new age?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 14, 2018 7:02 pm

Eu nem imaginava que ela soubesse do que se trata!
Denise ficara penalizada com a aparência pálida e abatida da mãe.
Marlene emagrecera, tinha olheiras e havia medo em seus olhos.
Apoiada ao balcão, lembrando-se disso, respondeu:
— Sei lá, mana!
Mas ela até está mais corada e não está encolhida como quando chegamos.
Parece mais alegre e descontraída.
Acredito que, no esforço de conversar com Max, ela e o pai esquecem a doença.
O ânimo melhor ajudará no sucesso da cirurgia e na recuperação.
Pensando bem, acho que pedirei que ela leve o Max para passear pela cidade amanhã.
Ela pode mostrá-lo às amigas e o dia passará rápido, sem que ela fique se torturando com a hora de ir para o hospital.
— Boa ideia! Será que ele vai gostar?
— Falarei com ele, mas acho que irá de boa vontade.
Max gosta de ajudar as pessoas.
Eu lhe contei sobre o trabalho que ele faz com os imigrantes africanos em Paris?
— O africano que lhe ensinou aqueles provérbios que você postava?
Sim, falou. Muito legal!
Gostei do cunhado.
Desejo que dê tudo certo entre vocês.
Denise sorriu e, brincando, cruzou os dedos e beijou-os ao dizer:
— Dará sim!
Conversando muito, concluíram a tarefa doméstica, prepararam a bandeja com chá e voltaram à sala.
Na manhã seguinte, cumprindo o planeado com Denise, Max perguntou a Marlene se ela se importaria de levá-lo para conhecer a cidade.
Com olhos brilhantes, a resposta positiva foi imediata.
Renato olhou as filhas e balançou a cabeça.
Ao longo daqueles dois anos, aproximara-se mais de Camila e apegara-se muito à jovem.
— Camila, estou me sentindo abandonado — declarou ele, baixinho, sorrindo.
— Não se queixe, pai.
Prefiro ver a mãe de braço com o francês do que deitada no quarto escuro.
Vai ser bom ela estar descansada e bem-disposta para a cirurgia.
O stress não faz bem.
E, sem eles, esses últimos dias seriam mais difíceis.
Que bom que ela vai passear!
E Max é um amor, ele sabe muito bem o que e por que está indo passear com dona Marlene
— retrucou Camila.
Rapidamente Marlene arrumou-se, apanhou a bolsa e as chaves do carro e informou que levaria Max para conhecer alguns recantos da cidade antes do almoço.
— Mãe, e se nos encontrássemos na praia para almoçar? — sugeriu Denise.
Aquela barraca em que a gente ia ainda funciona?
Tinha um camarão na moranga delicioso.
Max adora experiências gastronómicas.
— Claro, Denise! — respondeu Marlene.
Está combinado.
Às 14 horas fica bem para todos?
Renato e Camila concordaram e Denise confirmou:
— Óptimo! Encontraremos vocês lá. Bom passeio!
Beijou Max e acariciou-lhe o rosto, sussurrando-lhe ao ouvido em francês:
— Obrigada, meu amor.
Ele respondeu descontraído e saiu com Marlene.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jul 14, 2018 7:02 pm

— Denise, seu namorado é milagroso — comentou Renato.
Desde que soubemos do câncer, eu não tinha mais visto a sua mãe sorrir.
Ele é um antidepressivo de efeito rápido.
Denise sorriu e continuou a conversa, feliz por sua família ter aceitado Max e pelo bem que ele fazia com tanta naturalidade a sua mãe.
A presença dele facilitava a convivência entre mãe e filha.
Os dois anos em Paris e a conquista profissional não tinham merecido sequer uma palavra de Marlene.
O dia chegou ao fim.
Denise e Camila tinham preparado a bolsa com roupas e objectos pessoais de Marlene.
Contente, Denise constatou que a mãe tinha comprado, em versão impressa, alguns dos livros electrónicos indicados por Berthe.
Colocou-os na bolsa.
Seriam óptimos companheiros no restabelecimento do pós-operatório.
— Que bom que ela leu! — falou Denise, mostrando um dos livros para Camila.
Boas ideias têm um poder curador simplesmente incrível!
— Eu sei. Não creio que bastará mudar de pensamento para curar um câncer como o da mãe, mas, com certeza, acredito que ajuda muito a vencer o que for necessário para curá-lo.
E ela aceitou bem, foi muito dócil e receptiva à proposta dessas leituras.
Aliás, excelentes, muito bem recomendadas.
Quando eu for à França, quero muito conhecer a Berthe.
Ela operou uma revolução em você.
Eu notei, você está mais paciente, mais interessada nas pessoas, mais tolerante, e seu mundo se abriu.
Você não fala mais só de música ou daquelas "esquisitices".
Você está equilibrada. É maravilhoso!
Não ouvi reclamações.
Denise sentiu corar as faces.
Mas reconhecia que Camila estava apenas colocando em palavras o que ela sabia:
fora uma criatura muito chata.
— É, sim, maninha.
Berthe é uma grande amiga.
Eu as apresentarei, fique tranquila.
Ela gostará de você, tenho certeza.
Charlotte também me dizia que eu tinha mudado.
Graças a Deus, para melhor!
Hoje não espero que ninguém me compreenda, tento entendê-los; não espero que tenham paciência, procuro ser paciente.
Enfim, entendi que seja lá o que for que eu deseje, primeiro devo dar.
Curei minhas carências afectivas aprendendo a amar.
— Que bom!
É uma alegria vê-la feliz e senhora de si.
A cirurgia correu bem.
E Max estava sendo o incentivo na dose exacta para Marlene superar a fase de restabelecimento.
E foi superada.
Logo iniciou o tratamento com quimioterapia.
Nas fases mais críticas, Renato, Camila e Denise mantiveram-se ao lado de Marlene, zelando pelo seu restabelecimento.
Dora mostrou-se uma excelente amiga e contribuiu para a melhora de Marlene.
O mês que Denise e Max ficaram no Brasil passou rápido e, abraçados, no aeroporto, acenaram para a família da jovem.
Max gritou em um português carregado de sotaque:
— Esperamos vocês em Paris!
Deram as costas, sorrindo, e atravessaram os portões do embarque internacional.
Distante dali, em Nancy, Berthe arrumava suas gavetas quando encontrou o maço de folhas escritas por Georgette.
Passou os olhos sobre aquelas frases românticas, típicas de uma jovem camponesa cheia de ilusões e carências.
Falavam de um amor infantil por alguém cujo carácter ela não tinha como avaliar de forma sadia.
— É passado! O presente e o futuro precisam de espaço.
Ninguém mais precisa disso — falou e rasgou todas as folhas, colocando-as no lixo.

Fim

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